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Como tirar o melhor das avaliações internas da escola

Provas não devem sentenciar alunos, mas auxiliar na investigação de quais mudanças podem ser feitas para garantir a aprendizagem

POR:
Nairim Bernardo
Crédito: Getty Images

No final do bimestre ou trimestre, chega a hora de fechar as notas dos alunos. Mas qual o caminho avaliativo até chegar a um “veredito final”? Um bom processo avaliativo deve levar em consideração diversos fatores ocasionais e os diferentes tipos de habilidades, não só a cognitiva. Para gestores e professores acostumados a avaliar tendo apenas as notas de provas escritas como critério, o caminho pode ser mais difícil, mas é possível ampliar o processo para analisar os estudantes em todas as suas dificuldades e potencialidades.

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“O conceito epistemológico de avaliação não necessariamente tem a ver com exames. O ato de avaliar é de investigação da qualidade da realidade”, diz Cipriano Luckesi, doutor em Educação e autor de diversos livros sobre avaliação, como Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proposições (SP, Cortez Editora, 22ª edição, 2011).

Ele explica que assim como um médico avalia a qualidade da saúde de seus pacientes através de exames, o professor faz o mesmo. Os exames solicitados pelo médico podem ser variados. É com base nos resultados que ele propõe o tratamento necessário, que  varia caso a caso. Traçando um paralelo com a Educação, o professor também precisa ter a avaliação como uma parceira para investir na aprendizagem dos estudantes. “Um bom processo avaliativo é o que levanta a questão ‘o que eu vou fazer para transformar uma qualidade insatisfatória em satisfatória? Eu defendo que o resultado dessa investigação sustente uma decisão por parte do gestor do ensino”, conta Cipriano.

Esse processo é gera insumos para que gestores e professores reflitam sobre o que deu certo e o que precisa ser aprimorado, não só para o próximo ano letivo, mas ainda para os próximos meses.

Elaboração de provas
No que diz respeito à prova escrita, o primeiro passo para um bom resultado é elaborá-la bem. “É fundamental formular perguntas coerentes, bem pensadas, que estimulem pensamentos e não sejam apenas ‘decoreba’”, pondera Ademir Almagro, que já foi coordenador de ensino na rede de Novo Horizonte (SP) e atualmente é professor na rede estadual paulista. “O professor tem que canalizar a sua energia e a dos estudantes para coisas mais importantes do que decorar detalhes muito específicos, por exemplo”.

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Para Ademir, a principal mudança é a que precisa ocorrer sobre a ideia que se tem sobre avaliação. “Ao aplicar uma prova, o que está sendo avaliado é o sistema, não o aluno individualmente. Através dela é possível ter uma visão geral do trabalho dos professores e da escola”. Por isso, utilizar uma das reuniões semanais com a equipe para discutir o tema não é perda de tempo. É preciso profissionalizar o sistema de avaliação.

Semana de provas
Algumas escolas concentram todas as provas do mês, bimestre ou trimestre em uma só semana. É o caso da EMEF Profª Hebe de Almeida Leite Cardoso, localizada em Novo Horizonte (SP). Mensalmente, é feita uma semana de provas. No entanto, semanalmente, às sextas-feiras, é aplicada uma espécie de simulado em uma aula reservada no cronograma especificamente para essa atividade. Quando a gestão define o calendário de provas, no início de cada bimestre, também é inserido nele as datas das provas substitutivas e de recuperação. Um cartaz com o cronograma é fixado em cada sala e os alunos recebem uma cópia.

“A coordenação corrige os simulados no mesmo dia em que eles são aplicados e na segunda-feira todos estão com as provas e gabaritos em mãos. Os professores explicam e corrigem as questões com os alunos”, explica a diretora da escola, Valentina Marini. O método é bastante interessante, pois no momento da revisão de questões os alunos podem tirar eventuais dúvidas que ainda tenham restado.

A decisão de fazer uma semana de provas e simulados depende muito da realidade de cada escola. “É um modelo cansativo e pesado, mas muitas escolas aplicam e funciona bem. A decisão deve ser tomada pela gestão através de dados, não no achismo”, pondera o professor Ademir. “Se no primeiro semestre, a escola decidiu concentrar as provas em uma semana e não trouxe bons resultados, é bom tentar outro estratégia e vice-e-versa”. Para o professor, o que não se pode é insistir no erro.

Prova de recuperação
Antes de elaborar uma prova de recuperação é preciso preparar os alunos que precisam realizá-la, o que não deve ser feito em apenas uma semana. “Em muitos casos, a escola não socorre o aluno e não oferece nenhum tipo de reforço ou atividades no contraturno. O que é oferecida é uma segunda chance do estudante ir mal, dando outra prova”, avalia Ademir. Segundo ele, se o estudante não conseguiu uma boa nota na primeira vez, é difícil que ele consiga recuperar sozinho.

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Mas, se a dificuldade em assimilar determinado conteúdo é observada na maior parte da turma, o indicado não são aulas de reforço, e sim uma retomada do conteúdo no período regular de aulas, para todos.

Um exemplo inovador
Já imaginou uma escola sem provas? Parece impossível, mas não é. O Projeto Âncora, localizado na cidade de Cotia, região metropolitana de São Paulo, trabalha com uma metodologia de ensino bastante inovadora e que não prevê a obrigatoriedade da aplicação de exames avaliativos escritos. Mas em um processo como esse, como saber que o aluno está aprendendo? “Quando o professor acompanha e está perto do aluno, percebe o que ele conta, escreve, desenha, propõe. Avaliar não é só passar uma folha com questões. Se ele fizer uma apresentação, alguma criação virtual, um experimento, e conseguir explicar seu raciocínio para os pares e educadores, já é possível observar seu desenvolvimento”, explica Marisa Montrucchio, professora de História e coordenadora pedagógica no Projeto Âncora. Mesmo quando a criança não chega no esperado, o percurso do processo de aprendizagem também é considerado. “Ao trabalhar com propostas de ensino mais abertas, é importante que, chegando no ponto que for, o percurso do educando seja registrado e valorizado”.

Marisa conta que recentemente um aluno a procurou pois queria estudar com maior profundidade a história recente do Brasil. Juntos, eles elaboraram um roteiro e ela acompanhou como os estudos dele estavam se desenvolvendo. Um dia, o estudante pediu que ela elaborasse uma prova escrita sobre o tema para que ele realizasse. “As crianças não têm obrigação de fazer prova. Mas, em alguns casos elas, sentem necessidade desse tipo de avaliação. Não sou eu que decido aplicar uma prova, são elas que pedem”. No Âncora também não há notas e reprovações.

Olhar individualizado
Para Cipriano Luckesi, a nota e a média de notas podem confundir e atrapalhar o processo de aprendizagem. “Por exemplo, uma nota 3 em subtração e uma 9 em adição dão uma média final de 6, o que é suficiente para o aluno ser aprovado. Mas ele não aprendeu bem o conteúdo em que foi mal e isso não pode ser ignorado porque conseguiu nota para aprovação”. Por isso, e principalmente para ajudar alunos com dificuldades, é essencial que os professores estejam atentos para as dificuldades de cada um, o que nem sempre é expresso apenas por uma nota final.

“Existe um padrão que criamos e queremos que eles alcancem, mas precisamos olhá-los de forma mais individual. Por exemplo, para um aluno que tem dificuldade, ir da nota 5 para a 8 já significa um 10 para ele”, diz Ademir sobre a necessidade de que educadores tenham um tratamento mais sensível para com seus educandos.

Ao fazer avaliações, também é preciso considerar o contexto pessoal, familiar e escolar do estudante. “Não posso olhar pra uma pessoa cuja vida está bem igual para uma que acabou de sofrer um trauma, que vai afetar seu psicológica e talvez até os aspectos cognitivos”, considera Marisa Montrucchio. “O processo de ensino, que contempla o de avaliação, tem que considerar o que as pessoas vivem”. Portanto, caso você perceba que há algo fora do comum, convide o aluno para conversar ou chama seus responsáveis. 

Avaliando habilidades socioemocionais e engajamento
Nem só de provas escritas deve ser composta a nota final dos estudantes. Um bom processo avaliativo deve explorar o máximo das diferentes capacidades de cada pessoa. Alguns apresentam ótimo desempenho em exames escritos, mas outros têm muito talento em se expressar através de raciocínios orais, por exemplo, e também devem receber uma oportunidade para isso. Além disso, já é habitual que professores observem a participação da turma durante as atividades, o que também pode compor parte da nota.

“O que eu fazia enquanto professora – e agora incentivo enquanto diretora – é que os professores realizem um processo diário de avaliação”, comenta Valentina Marini, da EMEF Profª Hebe de Almeida. Ela sugere instigar os estudantes, por exemplo, a falarem sobre os temas, fazer jogos de pergunta, apresentações de trabalho e anotar o conteúdo. “Eles têm que estar sempre envolvidos com a disciplina, não só nos dias de prova. Todo o trabalho tem que ser avaliado”, diz a diretora.

Cipriano ressalta que não existem instrumentos universais de avaliação. Nesse contexto, cada tipo de variável vai pedir um tipo de coleta de dados. “Se eu quero investigar as relações interpessoais, preciso observar aquele aluno no grupo; se quero investigar a responsabilidade dele com seus estudos, preciso acompanhar se de fato ele estuda ou não”, explica o especialista. “A gente tem comumente a avaliação das habilidades cognitivas. Mas se vou levar em consideração habilidades afetivas ou comportamentais, terei que usar outros recursos que não são provas”.

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Segundo Marisa, as pessoas costumam considerar situações de conflito apenas pelo viés negativo. Entretanto, até através delas é possível observar, e muito, o desenvolvimento dos alunos. “Sempre acontecem conflitos, e sendo da idade que for, eles tentam se entender de alguma forma. Ao professor não cabe simplesmente dar uma bronca, mas mediar e observar como eles criam acordos e reestabelecem a convivência entre si”, pontua. “Ver isso é um modo de avaliar se eles estão aprendendo a lidar com o outro, como eles estão se desenvolvendo e construindo uma cultura mais pacífica e harmônica”.

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