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Como ampliar o repertório dos professores

Novos saberes podem ressignificar e aprimorar as práticas pedagógicas em sala de aula

POR:
Daniel Santos
Crédito: Getty Images

Ampliar conhecimentos e resgatar experiências individuais. Ambos fatores devem ser levados em conta pelo coordenador pedagógico ao estruturar um plano de formação continuada que seja capaz de diversificar o repertório cultural dos professores – ou pelo menos provocá-los para tal necessidade.

Para auxiliar na ampliação dos saberes do docente é fundamental que o coordenador entenda quais são os interesses dos professores, suas principais demandas e carências. Os horários de trabalho coletivo e as reuniões pedagógicas são os momentos ideais para captar as lacunas, mas há outros espaços, como conversas com os docentes no dia a dia escolar, observações em sala de aula ou mesmo uma pesquisa junto aos professores a fim de identificar as necessidades e desejos de cada profissional. “Esses momentos permitem ao coordenador descobrir quais são os temas mais relevantes para os professores e de que maneira eles podem ser trabalhados durante o ano letivo, de forma individual ou coletiva”, explica Karine Rezende orientadora pedagógica da EMEIPI Prof.ª Márcia Aparecida Faria, em Caçapava (SP).

Acompanhar a prática é importante para identificar lacunas que nem sempre são visíveis aos olhos de quem está executando. “É imprescindível que o gestor realize observações das práticas docentes nos diferentes espaços escolares [de usos coletivos ou do agrupamento específico]”, diz Letícia Macedo Dias, coordenadora pedagógica da EMEB Jacob Zampieri, em São Bernardo do Campo (SP).

Quando o assunto é repertório cultural, ela sugere algumas perguntas que podem ser levadas em conta no planejamento das ações formativas:

- Quais são as situações comunicativas e culturais existentes na escola (painéis, organização de materiais, utilização do acervo literário/midiático e repertório acessível de obras de arte, entre outros)?
- Quais as referências literárias dos professores e os critérios para escolha de livros e histórias propostas aos estudantes?
- Quais experiências culturais os professores compartilham com seu grupo e/ou parceiros de trabalho?

Para Letícia, uma boa forma de fomentar o contato com a cultura para a qualificação docente é estimular a postura investigativa dos professores. Assim, para além do que é apresentado nas formações continuadas, o professor alimenta a busca por novas referências.

Aprimorando conhecimentos, ligando saberes
Assim como os alunos, os professores também não aprendem todos do mesmo modo e no mesmo período de tempo. Por isso, vale usar abordagens que tratam do ensino híbrido ou da aprendizagem colaborativa como pontos importantes para o planejamento da formação continuada. É preciso envolver diferentes contextos, linguagens, estratégias e o trabalho no cotidiano da escola ao estruturar a formação.

“Cabe ao coordenador propiciar o uso de diferentes linguagens durante os encontros formativos, considerando o que o grupo ou o professor já conhece, o que manifesta desejo de conhecer mais e, ainda, o que é desconhecido e pode ser experimentado e investigado de outras formas”, argumenta Letícia. Experiências gastronômicas, vivências culturais em diferentes espaços e leituras de gêneros literários com os quais não se têm muito contato são, por exemplo algumas das atividades que podem ser propostas e realizadas dentro da escola e promovem um desfrute coletivo.

Qual é o ganho da ampliação de repertório docente?

Letícia Macedo Dias destaca sete ganhos:

- Mobilização para organização de espaços com olhares diferenciados sobre as informações e experiências estéticas na escola;
- Inclusão de obras de arte, contextos de produção e autoria nas propostas nos diversos níveis escolares;
- Maior clareza nos critérios para escolha de materiais, obras, músicas, histórias que serão utilizados em sala de aula;
- Utilização de diferentes linguagens nas propostas didáticas para mobilizar diferentes sensações, sentimentos, vivências e interações nos alunos;
- Promoção da contextualização, apreciação e o fazer artístico, contribuindo para a ampliação do repertório cultural dos estudantes;
- Valorização das propostas de leitura literária diária, oportunizando o protagonismo das crianças;
- Registro e reflexão de suas observações sobre as sensações, reações e hipóteses das crianças nas propostas que envolvem as diferentes linguagens e manifestações artísticas-culturais.


"O repertório cultural está disponível em diversos locais e formas, como em bibliotecas, museus, cinemas, teatros e até mesmo em espaços históricos da cidade", diz Fernanda Maria Macahiba Massagardi, pós-doutora em Artes e doutora em Psicologia Educacional pela Universidade de Campinas (UNICAMP). Ao visitar, apreciar e experienciar produções culturais das mais diversas áreas, sejam elas em contextos locais ou nacionais, os professores tendem a repensar memórias, desenvolvem a empatia, atribuem novos sentidos e podem, até mesmo, ressignificar suas práticas pedagógicas cotidianas.

Karine reforça a necessidade de valorizar o profissional, inicialmente, como pessoa. Para ela, todas essas atividades devem ser construídas e pensadas a partir do convívio diário. “Em momentos considerados mais livres, percebo o quanto os profissionais, sejam professores ou demais educadores, ficam felizes quando têm a oportunidade de conhecer outros espaços, além dos muros da escola”, diz. Para a coordenadora, esse tipo de formação continuada evidencia que, independente da função exercida, todos são importantes. “Todos nós temos sempre algo novo para conhecer e aprender, tendo em vista a experiência de cada indivíduo fora do ambiente profissional”, destaca.

Na hora de explorar o repertório, há um outro aspecto que não pode ser desconsiderado: a experiência individual de cada docente em sua trajetória pessoal e profissional. Durante uma atividade de formação, por exemplo, o coordenador pode estimular o professor a relatar experiências vividas em outros tempos, apresentando narrativas sobre sua própria história. Isso aproxima os colegas e cria laços mais profundos que dão corpo à prática pedagógica. 

Para explorar esse repertório individual, Fernanda diz que o coordenador não pode ter preconceitos. “Esse repertório habita histórias de família, bordados, memórias, registros fotográficos e vídeos que habitualmente fazemos. Creio que, para além da leitura, é preciso ter experiências com práticas artísticas que façam sentido ou provoquem incômodos”, diz a professora. “O incômodo possibilita a saída de uma zona de conforto estabelecida como verdadeira, ampliando nossas reflexões”.

Experiências estéticas
Ao desenvolver um plano de formação continuada com foco no repertório cultural, o coordenador precisa fazê-lo em parceria com os professores e considerando diferente dimensões, sejam elas técnica-pedagógica, política, ética e estética. No entanto, segundo Letícia, a dimensão estética ainda é um aspecto pouco aprofundado nos planos formativos e merece mais destaque. “A dimensão estética favorece uma escuta sensível, a formação de vínculos, ressignificação de memórias e experiências, a compreensão da pluralidade de ideias e concepções e também propicia intervenções possíveis e necessárias no fazer pedagógico”, afirma.

Nesse processo, o coordenador auxilia o docente no conhecimento de contextos sobre produção, composição, autoria e enredos de obras de artes, favorecendo a aquisição de novos saberes. Temas comuns podem ganhar novos desdobramentos a partir da arte, como o sentimento de saudade. Quando Fernanda questiona em suas aulas o que é saudade, alguns dizem que é ausência ou sentir falta, um sentimento que todos já sentiram.  “Mas quando Chico Buarque canta que ‘saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu’ ou Almeida Júnior retrata na pintura ‘Saudade’ uma mulher de roupa escura, lágrimas nos olhos e carta na mão, o conhecimento que nos chega é outro”, explica. “É a força da poesia, que eleva a um grau máximo de potência um tema que faz vibrar a alma. Experiência estética talvez seja um bom nome para o que sentimos”.