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Ainda somos os mesmos? A linguagem digital na gestão em tempos de Educação 4.0

A linguagem digital e a Educação 4.0 são pontos fundadores de um tempo em que o analfabetismo digital começa a se apresentar como marco de exclusão social

POR:
José Marcos Couto Júnior
Crédito: Getty Images

"Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais". Em 1976, a cantora Elis Regina encantava o país ao interpretar de maneira visceral o refrão de “Como Nossos Pais”. Mas será que ainda somos os mesmos?

É fato que certas estruturas mentais, religiosas e do meio ambiente tendem a permanecer por mais tempo ao longo da história. É o que o historiador francês Fernand Braudel indica ao analisar fenômenos históricos de longa duração, no livro "O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrâneo na Época de Felipe II". Assim, podemos dizer que Elis nos afirmava, na mesma linha da análise de Braudel, que algumas ordenações e costumes teimam em resistir e, portanto, acabam sendo transmitidas de pais para filhos.

No entanto, Braudel também apontava a existência de fenômenos de curta e média duração. Não à toa, especialmente a partir da segunda metade do século XX, temos presenciado as relações sociais, a música, a moda e a linguagem transformarem-se, drasticamente a cada década, de uma geração para outra.

Compreendo que as linguagens são dinâmicas. A primeira vez que percebi que o meu pai era mais velho do que eu (ou notei que éramos de gerações diferentes), se deu na véspera do meu aniversário de seis anos. Não tenho certeza do contexto da conversa, mas sei que naquele dia ele me contou que presenciou quando "uma ratatuia se formou para realizar um assalto". Isso aconteceu há quase trinta anos, porém ainda me recordo que tive uma crise de risos ao ouvir a gíria "ratatuia".

Dentro da escola, lidando diariamente com crianças e adolescentes, já estive do outro lado da moeda, com alunos gargalhando do meu “vocabulário fora de moda", nas vezes que tentei usar alguma gíria para me aproximar deles. Acredito que o meu pai não tenha se incomodado com os meus risos décadas atrás. Eu, com certeza, nunca fui tirado do sério por ter um aluno achando graça de mim.

Na dinâmica do dia a dia, a Língua Portuguesa não está cristalizada. Ela é viva, mutável, adaptável e se enriquece através das ressignificações que lhe são conferidas. Essa transformação entre gerações ocorre de forma natural. Grupos sociais distintos tendem a criar neologismos ao longo do tempo. Novas palavras ou antigos verbetes com significados diferentes acabam sendo incorporados ao cotidiano.

No entanto, existem alguns casos em que forças externas impõem uma linguagem ou um idioma determinado, tornando-o obrigatório a todos. São exemplos, o latim nas relações comerciais e jurídicas no Império Romano; os idiomas dos colonizadores no processo de aculturação nativa das Américas, invadidas no século XVI; ou a língua espanhola sobre o idioma basco na ditadura Franquista, na Espanha. Citei três, mas poderia enumerar dezenas de casos similares.

Se pensarmos em exemplos do nosso tempo, perceberemos duas grandes imposições de linguagens que embora aparentem ser mais sutis, por vezes, constrangem e limitam a convivência dos indivíduos que não se adequam a elas. Amigo leitor, qual de nós com mais de vinte anos não escutou que precisávamos aprender Inglês para conseguirmos um bom emprego? Ou ainda nos encontramos rodeados por termos da Língua Inglesa que dificultaram nosso entendimento? Por isto, os cursos de idiomas nos anos de 1990 pareciam ser a tábua de salvação para o futuro de crianças e adolescentes da minha geração.

Mas, penso eu, que nem a força e presença global da língua da Rainha Elizabeth tem tanto impacto e relevância atualmente como a linguagem digital. Caminhamos para um futuro próximo em que a falta de conhecimento tecnológico se configurará como um passo decisivo para a exclusão social. Por toda parte, nos conectamos e precisamos responder a comandos digitais. Caixas de autoatendimento, cabines de estacionamento, declarações de imposto de renda, inscrições em concursos, solicitações de serviços. Não se vive desconectado e a escola precisa preparar os seus alunos para esta realidade.

A escola e a gestão em tempos de Educação 4.0
Chego neste ponto com uma confissão. Falar sobre Educação 4.0 está longe de me deixar dentro de uma zona de conforto. Sofro com as novas mídias; faço tabelas no Word porque o Excel é um mistério para mim; já perdi textos por digitar offline e ainda não segui o conselho da Laís Semis (editora da coluna) de utilizar o Google Docs para evitar que isso aconteça; fugi do Facebook por anos e ainda hoje o meu perfil do Instagram é subutilizado. Não à toa, volta e meia afirmo que sou semianalfabeto digital. Mas, há algum tempo, desisti de lutar contra as novas ferramentas tecnológicas. Estou me esforçando para aprender. É o velho ditado “se não pode vencê-las, junte-se a elas”.

O termo 4.0 faz referência à “Quarta Revolução Industrial”, estabelecida com a consolidação da rede mundial de computadores nas relações de trabalho. No entanto, esta onipresença digital não se restringiu às fabricas e veio para ficar em nosso dia a dia. É a era da internet das coisas, em velocidade de conexão 5G. Pagamos contas, pedimos nossas refeições, solicitamos transporte e fazemos compras tudo ao alcance de nossas mãos, nas telas de smartphones. Nem preciso dizer que a escola não pode, em hipótese alguma, ser anacrônica e ficar à margem deste tempo. Daí a “Educação 4.0”.

O grande paradigma do modelo educacional 4.0 está na ideia de que escola necessitaria preparar os seus alunos para um contexto social e do mundo do trabalho em que a informação é facilmente acessível, os sistemas cotidianos são automatizados, há uma exigência constante para a inovação e as habilidades e conhecimentos não são estanques. Além disso, para além de pensar em educar para o futuro, a imposição da linguagem digital se dá em outros aspectos no tempo presente.

Em primeiro lugar, precisamos dialogar com os nossos alunos. As crianças da Geração Alpha, nascidas a partir de 2010, são nativas digitais. Elas nascem e já são imersas a uma série de tecnologias que as mantém conectadas a maior parte do dia. Conceber o espaço escolar alheio a este fato, desconectado das novas mídias e das ferramentas tecnológicas que são ofertadas, tenderão a gerar a mesma estranheza que o pequeno José Couto Júnior teve ao ouvir o termo “ratatuia”.

Em segundo lugar, a própria docência mudou. É difícil encontrarmos hoje um professor que não se utilize de alguma ferramenta digital em sua prática. São lançamentos de notas e presenças online, aulas preparadas com auxílio de slides ou de vídeos baixados na internet, troca e replicação de boas práticas por meio de redes sociais, entre outros. Dizer que os professores precisam estar antenados e que as suas aulas devem se utilizar de ferramentas tecnológicas já virou quase um clichê. No entanto, além do corpo docente, a gestão, em particular, e a escola, como um todo, necessitam dialogar nas bases de uma Educação 4.0.

Uma gestão 4.0
Pensar na perspectiva de uma gestão 4.0, é ter em mente o desenvolvimento de processos que permearão diferentes espaços da escola, com ações em frentes variadas. Não há uma fórmula mágica, mas ao menos três pilares são importantes nesta composição: a divulgação nas redes, o fomento de práticas docentes que envolvam ferramentas tecnológicas e o incentivo do protagonismo dos alunos para que inovem por meio da tecnologia.

O primeiro dos aspectos, a divulgação, é a ação mais simples. Ao mesmo tempo, é aquela que exige mais atenção em sua manutenção. Somando as escolas que passei às unidades escolares dos meus amigos, sinceramente, tenho dificuldade de lembrar alguma que não tenha uma página do Facebook. No entanto, estes perfis demandam alguns cuidados: a atualização constante dos dados da escola, a alimentação permanente de conteúdo e a pronta resposta aos chats inbox. Sem estas observações, a página deixará de ser interessante aos que a seguem. Virará um “elefante branco”.

É importante frisar uma atenção especial quanto à divulgação de imagem de alunos e professores. Declarações e esclarecimentos que garantam o direito de imagem devem ser apresentados e assinados pelos responsáveis no ato da matrícula e pelos professores em sua admissão/lotação para não desrespeitarmos este direito. No entanto, é prudente que estes documentos sejam renovados constantemente, reafirmando a cessão a cada evento.

O fomento de práticas pedagógicas que dialoguem com ferramentas tecnológicas é o elemento central do processo educacional 4.0. Isto porque ao mesmo tempo em que preparam os alunos para o contexto digital, elas configuram-se como um pilar que garante a aprendizagem dos discentes. É nesta ação que o professor tem a oportunidade de ensinar aos estudantes a diferença entre informação e conhecimento. A equipe diretiva e a pedagógica devem sempre apoiar e fomentar estas práticas.

Ingressar na rede mundial de computadores está longe de garantir a qualidade ou a veracidade de informações acessadas. A história recente nos mostra o perigo das fake news e a sua capacidade de inflamar discursos de ódio, de alimentar teorias da conspiração e até de mudar o rumo de processos eleitorais. Assim, a escola da Educação 4.0 é lugar em que se aprende a navegar na internet.

Além do auxílio no acesso e filtragem de informações, o uso de aplicativos nas atividades pode ser acrescentada no pilar das práticas docentes. Um bom parâmetro do sucesso destas ações está no fato de que duas companheiras vencedoras do Prêmio Educador Nota 10 de 2018 se utilizavam destas ferramentas. Enquanto a professora catarinense Cristiane Dias criava avatares em um app para simular diálogos em Inglês, a educadora mineira Ana Cláudia Santos fazia releituras de Guimarães Rosa com celulares e técnicas de stop motions. Há uma infinidade de possibilidades nas ferramentas digitais.

Por fim, criado este ambiente, é importante extrairmos o conhecimento dos alunos para a criação e o desenvolvimento de atividades que envolvam tecnologias. Os nativos digitais são eles, lembram? Durante o projeto “As Caravanas, Limites da Visibilidade” editamos e lançamos um curta metragem intitulado “Tabus”, com os alunos do oitavo e nono anos. Toda edição, legenda e trilha sonora foram realizadas pelos estudantes. A mim, coube somente a “direção”, apontando as partes dos takes que seriam aproveitados.

É evidente que estas atividades demandam a pré-existência de estruturas e de acessibilidade nos ambientes escolares. O ideal é adaptarmos o menos possível. Lembro-me que em 2001, no Ensino Médio, tive aulas de processamento de dados no meu curso técnico em Administração de Empresas. Porém não possuíamos um único computador à disposição. Pior que isto, utilizávamos máquinas de escrever nas aulas. O que era para ser uma classe de processamento de dados mais parecia uma turma de datilografia.

Precisamos usar criatividade também para vencer as barreiras. Mas também precisamos lutar por investimentos que adequem a escola à nova realidade imposta. Ou estaremos fadados a reclamar eternamente da falta de interesse de alunos que, em termos digitais, estarão, literalmente, séculos à nossa frente.

Um abraço,

José Marcos

José Marcos Couto Júnior é formado em História e Mestre em Educação pela Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Em 2018, foi eleito Educador do Ano no Prêmio Educador Nota 10. Servidor da Prefeitura do Rio de Janeiro há 10 anos, atua desde fevereiro como diretor na Escola Municipal Professora Ivone Nunes Ferreira, no Rio de Janeiro.