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Ninguém faz escola sozinho, diz Educadora do Ano

Em entrevista à NOVA ESCOLA GESTÃO, a coordenadora Joice Lamb conta os caminhos que trilhou para mobilizar a equipe para implementar projetos inovadores

POR:
Letícia Ferreira
 Joice Lamb acompanhando atividades com os alunos em sua escola. Crédito: Andre Feltes/NOVA ESCOLA

O projeto “Aprender e Compartilhar” foi o responsável pela premiação de Joice Lamb como uma das dez vencedoras da edição 2019 do Prêmio Educador Nota 10 e escolhida como a Educadora do Ano, pela mesma premiação. Formada em Letras, ela é coordenadora pedagógica da EMEF Prof.ª Adolfina J.M. Diefenthäler, em Novo Hamburgo (RS), desde 2012. Seu grupo escolar desenvolveu projetos de iniciação científica, debates, atividades envolvendo alunos de séries diferentes e criaram ferramentas para ampliar a participação da escola e a sua comunidade nas decisões de gestão.

“Desde o início como coordenadora da escola, fizemos projetos para resolver os problemas que nós tínhamos”, relembra. No entanto, no meio de tantas atribuições que cabem ao coordenador pedagógico, encontrar tempo para desenvolver projetos é um desafio na rotina. Para vencer essa corrida contra o tempo, Joice sabia que a missão transbordava o cargo. Era preciso que todo mundo estivesse envolvido na solução dos problemas. Nesta entrevista, ela nos conta como gestores podem olhar para dentro da sua escola e criar projetos que ampliem a autonomia dos alunos e engaje todos na melhoria da aprendizagem.

É muito comum ouvir dos coordenadores pedagógicos que, no dia a dia da escola, muito do tempo é gasto “apagando incêndios” e sobra pouco tempo para o desenvolvimento de projetos maiores ou até mesmo para desenvolver bem todas as atribuições do coordenador. Qual é o seu conselho para os coordenadores organizarem melhor o tempo e conseguirem espaço para pensar projetos para a escola?
JOICE LAMB O primeiro passo é observar o que são essas coisas emergenciais, se elas não são repetitivas ou se elas têm um padrão que vai se repetir. Dificilmente, existem dinâmicas muito diferentes de um dia para o outro. Geralmente, os “incêndios” são relacionados à indisciplina. O coordenador tem que tentar mapear [as questões que os desviam de suas atribuições no cargo] e olhar para as razões que levam esses problemas a acontecer. A partir daí, ele pode começar organizando um projeto com o grupo gestor da escola para mudar essa situação.

Como você lida com o que surge no dia a dia e o tempo para cuidar dos projetos?
Você não pode trabalhar sozinho, tem que ter o coletivo e a escola junto. Ninguém faz nada sozinho. Por isso, a coordenação precisa ter a direção da escola como parceira. Cada estado tem uma configuração de equipe gestora diferente, mas esta equipe precisa estar unida. Eu não consigo imaginar uma maneira de fazer este trabalho sozinha.

O projeto “Aprender e Compartilhar” te deu o título de Educadora do Ano de 2019, no Prêmio Educador Nota 10. O que te motivou a desenvolvê-lo?
Nós, da gestão, chegamos nessa escola que não se olhava, a escola funcionava no automático. As pessoas que estavam ali achavam que, realmente, alguns alunos sempre iam reprovar – eram 50 reprovações no final do ano. Você ouvia: “a vida é assim mesmo, alguns vão saber; outros não, porque as famílias isso, porque eles são pobres...”.

A partir de alguns projetos, crescemos no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), melhoramos nas avaliações do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e diminuirmos a reprovação. Mas nós não tínhamos avançado o suficiente e ainda tínhamos problemas. Apesar dos resultados, o contexto não saia do lugar e parecia que estávamos andando em círculos.

Em equipe, começamos a pensar o era possível fazer. Começamos com a gestão democrática, fazendo as pessoas falarem e participarem. Ao mesmo tempo, fomos olhar para dentro da escola, analisando os dados que tínhamos. Mostramos para os professores quais eram os índices da escola, criamos índices próprios para poder monitorar a alfabetização e foi por aí que tudo começou.

As coisas foram acontecendo e foram se juntando, foram se entrelaçando. Três elementos são essenciais como base de projetos: participação e interação de todos, preocupação com o conhecimento e com a aprendizagem dos alunos. Estes três eixos estão presente no projeto “Aprender e Compartilhar”.

Ao instaurar uma gestão participativa, é preciso aprimorar o olhar da comunidade e dar insumos para que eles possam ser ativos nesse processo. Como isso foi desenvolvido na sua escola?
Em 2012, nós percebemos que era preciso dar espaço para as pessoas. Entretanto, geralmente, quando se pensa em gestão democrática, a primeira  coisa é: nós temos que deixar os alunos falarem. Nós começamos pelos professores. Fizemos assembleias específicas com eles. Isso porque quando você entra em uma escola que já está fragilizada, com vários problemas, não dá para abrir espaço para um único grupo falar e esperar que todas as pessoas se sintam apoiadas. A principal dificuldade dos professores é o medo de perder o controle dos alunos.

Só depois que os docentes começaram a atender que uma ideia tirada na assembleia precisa ser realizado por  todo mundo e que isso traria benefícios a todos, foi que nós começamos a abrir para  os alunos os espaços de participação. Nessas assembleias, tiramos ideias, sugestões, conversamos. Algumas coisas nós conseguimos pôr em prática, outras coisas não conseguimos. E, partir disso, criamos um documento sobre o que realmente precisamos fazer. No final do ano, existe uma conferência com professores, pais, alunos e funcionários em que decidimos quais serão as prioridades que a direção vai trabalhar no ano seguinte.

Na sua avaliação, o que a gestão participativa faz pelos diretores, coordenadores, docentes e alunos?
Ela traz uma ideia de pertencimento. A escola é dos alunos, é da comunidade e nós temos que batalhar por ela. Aos poucos, isso vai crescendo dentro da comunidade. Quando os pais vão reclamar de alguma coisa – mesmo aqueles que não estão muito ligados –, se isso incomoda alguém, pode ser coloca na conferência.

As pessoas começaram a se colocar mais, isso é um aprendizado de cidadania. Se tem uma coisa que me incomoda, não é no grito que eu vou resolver. Existe um lugar aqui, na escola, para isso. Se você tem uma demanda e as outras pessoas não concordam com você, a demanda não é realizada. As coisas precisam ser resolvidas no coletivo porque o seu ponto de vista pode estar errado, então você tem que ouvir os outros. E isso é um aprendizado pra todo mundo, não só para os alunos. Os professores têm medo de perder o controle e acham que essa gestão participativa dá muito poder aos alunos e eles vão decidir algo que não é bom. Mas na prática, é outra coisa.

Como foi o processo de mobilização da comunidade para participar do “Aprender é Compartilhar”? Como eles foram sensibilizados para participar?
O projeto foi acontecendo aos poucos, desde 2012. Não dá para dizer que teve um grande momento. As ações que nós fizemos, uma a uma, foi mobilizando a comunidade. Mas uma das maneiras de mobilizar é oferecer para a comunidade momentos de participação que eles possam estar presente. Às vezes, todas as atividades da comunidade acontecem durante a manhã e a reunião é marcada para a tarde. Então, você já dá o sinal para a sua comunidade que você não quer que ela vá. Nós tínhamos os horários no final da tarde, à noite e quando não era possível a participação presencial, ela poderia ser por escrito.

Houve resistência por parte da comunidade? Como você lidou com ela?
Sempre existe resistência quando uma proposta é muito diferente do usual e algumas das nossas propostas eram assim. Mas nem toda resistência é agressiva. Eventualmente, alguém vinha e dizia “não estou entendendo o que vocês estão fazendo” e a gente explicava. Foi uma resistência ao novo, ao diferente, uma resistência que carregava um receio de que, “poxa vida, nós estamos trocando algo que nós sabemos fazer por outra coisa. E se não der certo?”. E, nesse movimento, acabam não olhando pelo lado de que, realmente, o que nós estamos fazendo também não está dando certo, mas é jeito que todo mundo. É preciso mostrar esse outro lado quando a resistência surge.

O que foi mais desafiador no processo de implementação dessas ideias?
Você precisa ter paciência para tecer as relações. Eu não posso apressar o desenvolvimento das pessoas e dos alunos. Eles precisam ter seu tempo. Então, tem que estimular. É algo que eu demorei para aprender – que eu estou aprendendo ainda –, mas é algo que precisa ser aprendido. É preciso compreender o tempo das pessoas e isso não significa que, se ele quiser ficar sentado, eu vou deixá-lo ficar sentado o tempo todo. Eu tenho, enquanto coordenadora, a função de estimular, propor, colocar as pessoas em situações. Mas não pode ser uma tarefa feita com raiva ou obrigação, tem que ser feita com amor e com tranquilidade.

Nesse processo, pode ser que alguém esteja demorando demais [para se envolver e apropriar das novidades], mas nós temos que olhar essa pessoa e entender o ponto de vista dela. Isso é muito difícil. No entanto, como eu quero que os professores compreendam os alunos ao longo de seus processos de aprendizagem, eu também tenho que compreender esses professores. Precisamos trabalhar essa equidade nas relações, tanto na gestão dos alunos quanto na dos professores. É trabalhoso, mas tem um resultado muito positivo nas pessoas.

Como você vê o espaço do aluno como protagonista da aprendizagem?
Quando os alunos têm mais autonomia, eles dão mais significado para aprendizagem. Parece, às vezes, quando eu digo que os alunos podem escolher, que não existe um trabalho pedagógico por trás, que eles podem fazer o que eles quiserem, qualquer coisa vai ser bom e nós não vamos ter rigor. Não é verdade. Aquilo que eles escolhem fazer precisa ser bem feito, tem uma cobrança grande dos resultados e eles têm que demonstrar esses resultados. Dessa forma, os estudantes começam a dar mais valor para esse conhecimento. Quando a comunidade começa a entender que não é fazer por fazer, mas que existem objetivos por trás disso, eles começam a ser parceiros dessas iniciativas. Por exemplo, criar espaços de convivência entre alunos de séries diferentes, ajuda na questão da empatia, da convivência e do clima escolar. Nós temos uma escola que não é segmentada. Claro, nós temos as divisões de séries, mas, ao mesmo tempo, é uma escola em que todo mundo faz parte. A escola é de todo mundo.

Qual é a dica que você dá para os gestores que identificam áreas da escola que possuem problemas, mas ainda não se mobilizaram para reverter essa situação?
Primeiro, é necessário apresentar esses problemas embasado com dados para o grupo de gestores e para os professores. Comece pedindo que o grupo traga as possibilidades de solução do problema. Mesmo que você tenha vários, não vai conseguir cuidar de todos eles ao mesmo tempo, por isso, elenque o principal problema que se tem para atacar primeiro. Analise o problema e busque soluções coletivamente porque, se as sugestões não vierem do grupo e não os representarem, eles não vão assumir a proposta.