Bernardo Toro: “É preciso cuidar de si, do outro e do espírito”
O filósofo e educador colombiano acredita que o autoconhecimento pode trazer transformações e diz como isso é possível através da Educação
POR: Conviva EducaçãoCuidar de si mesmo. Cuidar do outro. E cuidar do espírito.
O filósofo e educador colombiano Bernardo Toro acredita que ao seguirmos essas três diretrizes, seremos capazes de encarar um desafio urgente: transformar a Educação para lidar com a mudança climática, que atinge a todos. “A Educação não é um privilégio, um serviço ou benefício. É um fator estratégico”, afirmou.
O educador acredita que a crise vai ser determinante para as transformações educacionais, políticas e econômicas pelas quais passamos hoje, aqui e no mundo. “Qual o maior problema que o Brasil enfrenta? Não é a corrupção ou a política. O maior problema que temos hoje chama-se crise climática. Creio que não temos dado a devida atenção a isso. Mas saibam que ela não vai passar. Temos muito pouco tempo para nos preparar para esse desafio e estamos distraídos”.
Falando a educadores durante a quinta edição do Seminário Internacional de Educação Integral (SIEI), que ocorreu em São Paulo, Toro reforçou em sua apresentação que “o cuidado não é uma opção: aprendemos a cuidar ou perecemos”. Segundo ele, esse “saber cuidar de si e do outro” é o cuidado fundamental. “Essa crise que enfretamos vai ser determinante para as transformações educacionais, políticas e econômicas. Ela vai nos acompanhar pelo resto do tempo que os humanos estiverem no planeta e já impacta na Educação, nas formas de sentir, pensar, consumir e viver”, afirmou Bernardo Toro.
“Será o mais importante desafio que a espécie humana passou nos últimos anos, atingindo todos, não importa o país, o sexo, a ideologia ou a religião. É como pensarmos no papel determinante que tem a gravidade: afeta qualquer um e o tempo todo”.
Qual o novo paradigma da Educação?
Toro tem em sua trajetória o trabalho como professor universitário e assessor dos Ministérios da Educação e Comunicações da Colômbia, Brasil e México. Foi coordenador da Superintendência de Cidadania do Fundo de Investimentos para a Paz (FIP) da Presidência da República da Colômbia, fundador e diretor por onze anos da revista Education Today, Latin American Perspectives. Atualmente é Diretor da Fundación AVINA e Membro do Conselho Internacional do Instituto Ethos.
Diante do contexto que vivemos atualmente, o educador colombiano afirma que a Educação tem um papel relevante e convida todos a uma reflexão. “Como organizar a Educação levando em conta esse contexto? Os cientistas nos dizem ‘Não coma carne’, ‘Não use carro’, mas não vamos parar de produzir ou consumir. Precisamos aprender a como cuidar”.
Historicamente, o cuidado foi associado a algo essencialmente feminino ou então uma responsabilidade da área da saúde. Em 1999, Leonardo Boff publicou um livro chamado ‘Saber Cuidar’, e nele indica que o cuidado é o grande ordenador das novas gerações. “Esse livro entrou para a história! É dele a frase: ‘O cuidado não é uma opção. Aprendemos a cuidar ou perecemos’”, diz Toro.
“Temos que mudar o paradigma para chegar a um nível superior de humanização. Os valores mais importantes serão saber cuidar, fortalecer relacionamentos e trocar com os demais. A maior expressão de amor é o cuidado”, afirma.
Saber criar e fortalecer vínculos
Bernardo Toro é um grande defensor da ideia do conceito de cuidar de si e dos outros. Nos anos 1990, ele sintetizou as sete competências básicas que devem ser desenvolvidas nos alunos. Dominar as linguagens utilizadas pelo homem, saber resolver problemas, analisar e interpretar fatos, compreender o entorno social e atuar sobre ele, receber criticamente os meios de comunicação, localizar e selecionar informações, planejar e decidir em grupo. Esses saberes tornaram-se o norte da educação contemporânea em diversos países. Recentemente, ele acrescentou uma oitava: criar no estudante uma mentalidade internacional. "Quando esse jovem chegar à idade adulta, seu campo de ação não será apenas o bairro ou a cidade: será o mundo".
A escola, portanto, deve ensinar o convívio na democracia, cuja base é a tolerância. Para construir essas competências, ele insiste no “aprender a cuidar”. “Normalmente não temos na escola um espaço para expressão corporal. Ensinamos que o corpo não vale nada, e danças, esportes ou yoga são extracurriculares. O importante é o cérebro e o resto não é valorizado. Não temos uma metodologia de cuidado com o corpo”, diz Toro. Ele acrescenta que a medicina para todos e com qualidade só é oferecida em países que conseguem garantir um serviço de saúde pública. A saúde, diz, pode ser vista como a base fundamental de cuidado com o corpo – e é fundamental para encarar a crise global.
“Nós confundimos saúde – que exige educação e comportamento – com medicina –que exige ciência, dinheiro e tecnologia”, explica o educador. “Cuidar dos outros – do próximo e do distante – é saber criar e fortalecer vínculos emocionais, fazer amigos, parcerias estáveis e zelar pelos bens públicos e pelo planeta. E isso se cria na família e em casa”.
De acordo com Bernardo Toro, o aprendizado acontece enquanto nos alimentamos, rimos ou choramos, quando passeamos pela rua ou mesmo quando estamos trabalhando. “É formar redes de apoio, pertencer a organizações, ter um comportamento inclusivo em todos os aspectos. Precisamos cuidar até dos estranhos, de quem não conhecemos e nem vamos encontrar”, aconselha.
Por último saber cuidar do espírito. E isso não significa adotar uma religião. “Isso é diferente de dar atenção à espiritualidade, que é a capacidade e o esforço de pessoas de evitar ou diminuir a dor do outro. A maioria de vocês, educadores, tem este comportamento porque se dedicam a diminuir a ignorância dos estudantes”.
O filósofo colombiano prega a autorregulação como forma de produzir liberdade. Bernardo Toro diz que é preciso se conhecer para ter autonomia e dar ordens a si mesmo. E avalia que, na América Latina, não colocamos em prática metodologias ou pedagogias voltadas ao autoconhecimento.
“Precisamos de disciplina para mudar o comportamento e fazer transformações, como as exigidas pelas mudanças climáticas. Sempre teremos raiva, inveja ou ira, mas ter consciência desses sentimentos é o primeiro passo para termos controle ou saber lidar com eles”, afirma.
Essa mudança de mentalidade só será possível se estiver associada à Educação. “A Educação só é de qualidade quando inclui todos e é boa para todo mundo”, defende o educador. Essa visão deve integrar a sociedade. “Na América Latina produzimos escolas de duas qualidades: para nossos filhos e para os filhos dos outros. A única forma de ter excelência educacional é oferecendo um mesmo padrão para todas as pessoas. Se não chegarmos neste ponto de alta qualidade para todos, não conseguiremos mudar o comportamento para encarar as mudanças climáticas”.
*Este texto foi publicado originalmente na plataforma Conviva Educação e adaptado para o site Nova Escola Gestão
Conviva Educação é uma iniciativa da Undime e 13 instituições criada em 2013 para apoiar os Dirigentes Municipais de Educação no trabalho cotidiano. Há conteúdos, ferramentas e áreas de trocas de experiências disponibilizadas gratuitamente. Para conhecer, acesse: www.convivaeducacao.org.br
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