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O que fazer para melhorar a inclusão nas escolas?

É possível criar condições para que as crianças, jovens e adultos sejam bem atendidos e as famílias sintam-se acolhidas

POR:
Cláudio Neto
Os profissionais de ensino sentem-se despreparados e sem apoio para atender os alunos com deficiência, enquanto os pais e mães peregrinam para encontrar uma escola que reconheça e respeite os direitos educacionais dos seus filhos    Crédito: Getty Images

A inclusão de alunos com deficiência nas escolas brasileiras tem se constituído em um desafio para as instituições de ensino e os educadores, assim como, em alguns casos, tem se tornado um drama para as famílias dessas crianças e jovens. Os profissionais de ensino sentem-se despreparados e sem apoio para atender os alunos com deficiência, enquanto os pais e mães peregrinam para encontrar uma escola que reconheça e respeite os direitos educacionais dos seus filhos.

Foi ouvindo relatos emocionados de mães e pais que participam do Grupo de Formação Todos Juntos, um grupo de trabalho de inclusão da escola na qual sou diretor, que eu resolvi escrever este texto. No encontro do último dia 30 de setembro, pais e mães descreveram as situações enfrentadas para defender o direito dos seus filhos de frequentar a escola. Em alguns casos, eram relatos de cenas degradantes que caracterizavam flagrante desrespeito aos estudantes e suas famílias.

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A partir dessas histórias ficou evidente que a inclusão nas escolas comporta graus de responsabilidade em múltiplas dimensões (políticas públicas, gestão escolar, pedagógica e familiar) e que é possível, no âmbito da unidade educacional, criar condições para que as crianças e jovens sejam bem atendidos e as famílias sintam-se acolhidas.             

Um pouco da história de inclusão na rede paulistana

Em 1951, foi criado na cidade de São Paulo o 1º Núcleo Educacional para Crianças Surdas, que depois passou a se chamar Escola Municipal de Educação Infantil e de 1º Grau de Deficientes Auditivos, e atualmente é denominada EMEBS Helen Keller. Entre o final da década de 1980 e início de 1990 são elaboradas diretrizes que orientam a política municipal paulistana de Educação Especial, propondo o apoio à escolarização de crianças com deficiência em classes comuns.

Em 2004, uma década depois da Declaração de Salamanca – Resolução da Nações Unidas que define princípios, políticas e práticas em Educação Especial –, a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo regulamentou a sua política para este fim, por meio do Decreto nº 45.415 e da Portaria nº 5.718.

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Atualmente, as escolas da rede municipal de São Paulo contam mais diretamente com o apoio do Centro de Formação e Acompanhamento à Inclusão (CEFAI), que disponibiliza estagiários remunerados para acompanhar crianças com mobilidade reduzida, e com o/a Professor/a de Atendimento Educacional Especializado (PAEE), a quem compete propiciar a participação efetiva das crianças com deficiência na escola, elaborar e executar o plano de ação específico, orientar os professores e demais profissionais e articular a participação das famílias, da gestão e da coordenação pedagógica no plano de inclusão da unidade escolar.

O que ainda tem prevalecido nas escolas   

As histórias relatadas revelam que as crianças e as suas famílias ainda estão enfrentando dificuldades nas escolas e, às vezes, as pessoas sequer se dão conta do preconceito ou da sua incompreensão sobre o significado da inclusão, como revela D.R., mãe da aluna M.H.:

“[...] Fui surpreendida por uma fala da professora em tom de elogio: ‘Você pegou a M.H. pra criar, mas cuida dela direitinho, ela vem sempre com o cabelo arrumado!’. Diante da fala da professora e do silêncio das coordenadoras, eu fiquei surpresa e receosa, pois sei que preconceito e discriminação não acontecem em categorias isoladas”.

D.R. conta, também, que durante a reunião de pais passou pela seguinte situação:

“[...] Peguei o boletim da minha filha e fui conversar individualmente com a professora. Ela me disse que o conceito ‘Satisfatório’ no boletim da minha filha era devido ao laudo dela. Perguntei ‘Como assim?’ e ela disse que minha filha jamais teria esse conceito se não fosse o relatório médico... E eu me vi diante de uma educadora que fadava minha filha ao fracasso, que sequer enxergava que ela pudesse minimamente acessar o currículo escolar. Era como se o laudo a rotulasse e definisse quem ela era e que eu não me preocupasse, pois o laudo garantia que o conceito dela fosse ‘Satisfatório’”.

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Um pai relata que, depois de aguardar alguns meses pela vaga do filho com Síndrome de Down, ouviu da direção da escola que seu filho passaria por dificuldades porque ali não havia profissionais adequados para dar a devida atenção ao garoto. Depois de um tempo sendo chamado cotidianamente à escola, o pai teve que assumir a responsabilidade de cuidar da higiene pessoal de seu filho durante o horário de aula, o que o impedia de trabalhar e cuidar da vida, situação que o obrigou a procurar outra escola.

Descuido e falta de atenção com as crianças com deficiência, às vezes, acontecem na escola:

“[...] A professora de Artes ‘esqueceu’ minha filha dentro da sala de aula, todos os alunos saíram e ela ficou sozinha, no escuro. Ela disse que “Ninguém me esperou mamãe, eu fiquei apavorada”. A sala dela era no primeiro andar, quem deu falta dela foi a monitora da perua, que mobilizou a escola para procurá-la. No dia seguinte fui na escola, conversei com a vice-diretora, expliquei o quanto isso seria absurdo e negligente com qualquer criança, ainda mais com minha filha que tem hemiparesia, epilepsia e passou mais de três anos abrigada”.

O que as escolas podem fazer pelas crianças e jovens com deficiência

Apesar de a inclusão não receber a devida atenção no âmbito das políticas públicas, inclusive quando se trata da formação dos docentes, é importante que os profissionais da Educação entendam que é possível tornar o processo de inclusão mais digno, mais respeitoso e mais eficaz para os alunos e as suas famílias. Nesse sentido, o primeiro consenso que deve ser construído na escola é que a inclusão é uma ação institucional e de responsabilidade coletiva. 

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Ainda que isso seja desejável, nem todas as escolas contam com a figura do PAEE. Isso não significa que o processo de inclusão está totalmente inviabilizado. Além de continuar exigindo melhores condições de trabalho, um quadro de pessoal satisfatório e qualificado e uma política de formação consistente para os educadores, as unidades educacionais podem seguir exemplos exitosos de outras escolas que decidiram tomar as seguintes iniciativas:

Designar um professor articulador do projeto de inclusão na unidade escolar;

- Criar um grupo de trabalho para discutir e implantar o projeto de inclusão, que pode ser coordenado pelo professor articulador ou pela gestão escolar, e que conte com a participação de todos os segmentos da escola, principalmente dos pais e mães dos estudantes;

- Definir uma agenda mensal para os encontros e que as reuniões sejam realizadas no dia em que haja a maior participação dos pais e mães. Na nossa escola, por exemplo, ela acontece na última segunda-feira de cada mês;

- Promover atividades pedagógicas e lúdicas que possibilitem a participação das crianças com deficiências;

- Promover a adaptação ou a mediação curricular para assegurar a aprendizagem aos alunos que fazem parte do público alvo da Educação Especial;

- Priorizar a compra de material pedagógico voltado para a Educação Inclusiva;

- Implantar um projeto pedagógico interdisciplinar que abarque o corpo docente, os alunos, funcionários e pais de alunos;

- Trabalhar as potencialidades dos estudantes, sensibilizar para a diferença e proporcionar a resolução de conflitos.

De acordo com D.R., mãe da aluna M.H., o papel da escola diante do desafio da inclusão é

“[...] Ter um projeto que possibilite que nossos filhos possam lidar com isso de uma forma saudável, pois faz parte do processo de aprendizagem. Para além de acessar o currículo, eles também aprendem a se relacionar socialmente. Isso é muito importante para todas as crianças, mas para as crianças especiais é mais importante ainda, pois elas sabem que são diferentes, sabem que têm limitações que outras crianças não têm e é muito difícil lidar com isso. Mas quando a vivência escolar proporciona explorar suas potencialidades, elas se tornam mais confiantes nas suas próprias capacidades e até a postura corporal delas muda, pois aflora o sentimento de pertencimento e de autoestima”.

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Por fim, é importante lembrar que a política de inclusão dos alunos com deficiência é de responsabilidade de vários atores sociais, principalmente dos formuladores e dos gestores de políticas públicas, mas isso não significa que a falha de um justifica a omissão ou a negligencia dos demais, principalmente daqueles que estão na ponta do processo e atendem diretamente esses estudantes.

O que a experiência tem mostrado é que os bons exemplos de inclusão no Brasil vêm de profissionais e instituições que reconhecem o direito à Educação das crianças e jovens com deficiência, ainda que isso não exima a responsabilidade do poder público de criar as condições adequadas para a política de inclusão nas escolas.

 

Para escrever esse texto eu contei com a colaboração de Amanda Santana, PAEE na Escola Espaço de Bitita/Infante Dom Henrique.  

Cláudio Neto

 

Claudio Marques da Silva Neto é diretor da EMEF Infante Dom Henrique, em São Paulo. Tem experiência em direitos humanos, formação docente, cultura escolar, indisciplina, violência e gênero. É mestre e doutorando em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). 


Para saber mais      

PRIETO, R. G.; PAGNEZ, K. S. M. M.; GONZALEZ, R. K. Educação especial e inclusão escolar: tramas de uma política em implantação. Educação e Realidade. Porto Alegre, v. 39, n. 3, p. 725-743, 2014.

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