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A reprovação na escola é um túnel sem luz no final?

Quando se discute reprovação sempre se coloca a culpa do fracasso no aluno ou na sua família. Toda a escola deve estar envolvida no processo de aprendizagem e avaliação dos alunos

POR:
Joice Lamb
Crédito: Getty Images

Já são mais de 28 anos nas salas de aula da escola pública brasileira e neste tempo todo não tenho visto qualquer mudança de pensamento em relação à reprovação de alunos – seja na prática das pessoas que trabalham em Educação ou da população em geral. A reprovação é, muitas vezes, considerada uma “medida pedagógica” contra a não aprendizagem. Uma medida simples, válida e razoável para a maior parte das pessoas. “Se não aprendeu tem que rodar mesmo”.

Observando os índices mais recentes da Educação pública, verificamos que em 2013 apenas 11% dos alunos que fizeram a Prova Brasil no 9° ano tiveram rendimento adequado em Matemática; em 2015, 14% e em 2017, 15%. Por outro lado, 12,3% dos alunos que cursaram o Fundamental 2 nas escola públicas brasileiras em 2013 foram reprovados. Nos anos seguintes, o índice não muda muito: 12,8% em 2014, 12,3% em 2015, 12,7% em 2016, 11,3% em 2017 e 10,3% em 2018. Não estou incluindo os índices de abandono que beiram os 4% todos os anos. Ou seja, ninguém está deixando de reprovar aqueles considerados inaptos. Ano após ano, as reprovações se acumulam gerando índices de distorção idade-série bem altos. Em 2018, 29% dos alunos que cursaram o Fundamental 2 em escolas públicas estavam em defasagem.

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Quando confrontados com políticas de progressão continuada, as pessoas tendem a se apavorar e dizer que sem a possibilidade de reprovação “os alunos não vão mais aprender” e tudo ficará ainda pior. Mas observando os dados anteriores percebemos que mesmo com altos índices de reprovação, os alunos não estão aprendendo mais. Ano após ano, seguimos enredados nessa ideia de que a reprovação é um fator relevante na busca pela melhor qualidade de ensino e tudo o que geramos é desigualdade, defasagem e fracasso. No fim do túnel não está aparecendo luz nenhuma.

O coordenador pedagógico tem um papel fundamental em trazer essa discussão para a escola em que atua. Não é possível avançar para uma escola de qualidade sem que alguns pontos estejam claros – primeiramente no pensamento de todos os profissionais que trabalham na escola e depois no pensamento de alunos e da comunidade escolar como um todo.

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A reprovação é uma coisa ruim

Não existe reprovação boa. Sempre que se reprova, o aluno se vê como um fracassado. Perde não só um ano da sua vida, mas os colegas que estavam com ele. Perde também a crença de que pode ser capaz. Quando é reprovado mais de uma vez, esse estudante perde a capacidade de se importar com o resultado do seu trabalho ou do seu rendimento escolar. Tanto faz!

 

A culpa da reprovação não é do aluno

Quando se discute reprovação sempre se coloca a culpa do fracasso no aluno ou na sua família. Dessa forma, retira-se da escola qualquer possibilidade de intervenção no resultado final. A escola fez tudo o que podia, mas eles não deram valor, então o aluno foi reprovado. Entender esse processo com essa dicotomia de culpado e inocente não traz nenhum avanço para a discussão. É preciso discutir responsabilidades e perceber que a escola precisa assumir a parte que lhe cabe nas ações necessárias para melhorar a aprendizagem dos alunos.

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Reprovar não é um direito que a escola tem

Aprender é um direito dos alunos e ensinar é obrigação da escola. Toda a escola deve estar envolvida no processo de aprendizagem e avaliação dos alunos. A reprovação não deve ser decidida apenas por uma pessoa que tem poderes ilimitados sobre o destino dos alunos e que pode agir, muitas vezes, guiada por orgulho ou por vingança pelo fato de que se esforçou e os alunos não deram valor.

Existem outros pontos a levar em consideração, mas penso que estes podem ser os mais importantes porque carregam consigo as marcas mais profundas de uma escola da exclusão e do fracasso. Uma escola em que todo mundo sofre: alunos, famílias e professores.

Não é fácil estabelecer estas premissas porque a cultura da reprovação ainda está agarrada muito firmemente no nosso fazer e no nosso imaginário de escola. Tanto que muitos ainda estão céticos enquanto leem este texto. Mas posso afirmar que, como coordenadora da EMEF Adolfina, vivenciando o projeto #aprenderecompartilhar desde o seu início, é possível encontrar essa luz no fim do túnel.

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Se reprovar é uma coisa ruim, então nenhum professor deveria ter que reprovar um aluno sozinho e carregar esse peso. A avaliação dos estudantes deve ser acompanhada de perto pelo coordenador pedagógico, que precisa dividir com os outros membros da equipe as maiores dificuldades encontradas. Nesse momento, ter registros individuais de acompanhamento dos alunos organizados de maneira a dar acesso a todos que precisam consultar ou acrescentar dados, permite que se construa um melhor entendimento de como cada aluno aprende e quais estratégias foram utilizadas  para desenvolver as habilidades dos mesmos ao longo dos anos. Quanto mais aberta a informação, mais pessoas podem contribuir com a avaliação e mais pessoas podem ajudar a resolver o problema.

A responsabilidade de garantir a aprendizagem dos alunos é da escola. Então, é preciso que a equipe pedagógica esteja sempre à frente nas discussões sobre o desempenho dos alunos junto aos professores, famílias ou aos próprios estudantes. Planejar as intervenções necessárias para cada estudante deve ser um trabalho coletivo, mas garantir que tudo seja executado como planejado é um dever da equipe pedagógica. Não é possível deixar tudo na mão dos professores, que se sobrecarregam e não conseguem fazer frente a todas as obrigações que têm.

A escola deve pensar coletivamente e banir a ideia de reprovação como uma maneira de fazer o aluno aprender mais repetindo o ano e o pensamento de que só o esforço individual do aluno é que vai fazer com que ele aprenda mais. A melhoria da aprendizagem dos alunos está diretamente ligada à melhoria nas estratégias de ensino. Se houver um empenho de todos para pensar como podemos fazer para que o aluno aprenda mais e como podemos compreender como cada aluno aprende, não haverá mais necessidade de reprovação. Alunos que aprendem, que são valorizados, que acreditam nas suas potencialidades, tendem a ser mais dedicados porque percebem claramente o resultado de seu trabalho na sua avaliação.

Fomentar a discussão deste tema  e juntar o grupo de professores para desenvolver coletivamente estratégias de ensino e formas de avaliação cada vez mais processuais são responsabilidade da equipe pedagógica da escola. Na verdade, quem segura a lanterna no final do túnel é um coordenador pedagógico.

Joice Lamb

Joice Lamb é professora da rede municipal de Novo Hamburgo-RS desde 1991 já teve turmas em quase todos os anos do Fundamental 1 e 2. Atualmente, atua como coordenadora pedagógica da EMEF Profª Adolfina J. M. Dienfenthäler. É formada em Letras, tem especialização em Gestão Escolar e Coordenação Pedagógica. Foi uma das vencedoras do Prêmio Educador Nota 10 e escolhida Educadora do Ano em 2019.

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