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Não seja maquiavélico: o diálogo como alternativa a ser amado ou odiado

Ao assumir a gestão, nos tornamos chefes de nossos colegas de trabalho. Empatia e diálogo são ferramentas para garantir a saúde dessa relação

POR:
José Marcos Couto Júnior
Imagem: GettyImages

Ser amado ou odiado por professores e funcionários? Esse é um desafio que muitos gestores, principalmente os iniciantes, encontram quando assumem esse posto. A questão não é nova: aparece no livro O Príncipe, escrita pelo filósofo Nicolau Maquiavel (1469-1527). Ao dar conselhos aos futuros governantes do seu país – que ainda estava em formação – ele ressalta a necessidade de dosar a sua bondade e o peso de sua mão no momento de punir. “O Príncipe não deve ser amado, nem odiado”. Antes destes extremos, dizia o autor, seria melhor ser “respeitado”, ou até “temido”, se necessário.

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Não acredito que qualquer relação pessoal ou de trabalho baseada no medo seja frutífera. No entanto, mais do que defender um ambiente de terror, no cerne da ideia de Maquiavel está uma lembrança constante de que nenhum governante que fosse apenas amado ou odiado todo o tempo teria vida longa em sua posição. O autor afirmava que se todos só amassem o Príncipe, ele estaria passivo às traições e à quebra de obrigações, já que “os homens sentem menos inibição em ofender alguém que se faça amar”. Por outro lado, se todos o odiassem, ele fatalmente “sofreria com a conspiração de seus inimigos”, que buscariam retirá-lo do poder. 

Traçando um paralelo com a obra de Maquiavel, a equipe gestora de uma escola, assim como o Príncipe, ora é amada, ora é odiada, por vezes é temida e chego a acrescentar que, diariamente, é testada por professores, funcionários, alunos e responsáveis. Os gestores provocam uma montanha russa de sentimentos na comunidade escolar. 

Muitas vezes somos amados quando relevamos um atraso, compreendemos um problema pessoal da equipe ou conseguimos atender a algum pedido administrativo com prontidão. Por outro lado, nos tornamos tiranos ao cobrarmos pontualidade, pedirmos os planejamentos e lançamentos em dia ou advertirmos um docente por algum problema ocorrido em sala de aula. 

O fato é que há momentos em que ser amado aparentemente não é uma opção, tornando-se necessário agir pragmaticamente. Neste ponto, amigo leitor, resta ao gestor agir com sabedoria diante dos desafios cotidianos, entendendo o melhor momento para ser compreensivo e o tempo correto de punir. De forma literal, segundo a obra de Maquiavel, curiosamente, isto nos tornaria maquiavélicos. 

Um gestor, mas dois professores.
No meu primeiro texto publicado aqui em Gestão Escolar contei sobre algumas descobertas como diretor iniciante e os motivos que me levaram ao gabinete. Em uma espécie de balanço da minha carreira, confessei, logo na introdução, que ser gestor escolar nunca esteve em meus planos. Um dos grandes motivos para a esta aversão estava na necessidade de "virar chefe" de outros professores.

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Não sei se com o tempo irei me acostumar, mas nestes nove meses como diretor da EM Ivone Nunes, os meus piores momentos se deram quando tive de intervir, chamando a atenção, ou advertindo um colega de trabalho. Sou licenciado em História, não em Recursos Humanos. Logo, fui formado para apoiar meus alunos a conquistarem novas aprendizagens, não para liderar outros professores, meus colegas, na realização do trabalho deles.

Aplicar sanções administrativas, intervir em planos de aulas, ser crítico à didática de um professor são algumas das situações desconfortáveis que enfrentamos todos os dias.  Quando somos professores, é comum que observemos e comparemos nosso trabalho com o de nossos colegas. Isto não deixa de ser um julgamento informal, até instintivo. O problema é que, ao fazermos esses apontamentos como gestores, eles se tornam oficiais, ainda que nunca deixemos de ser professores.

No entanto, alguém precisa fazer esse trabalho. Desta forma, na relação entre equipe gestora e docenteS acrescentaria uma opção à descrição de Maquiavel. Se não é viável ser sempre amado ou odiado quando se está na direção, um caminho no lugar do temor poderia ser o do diálogo franco e constante. Seguir a trilha da empatia traz frutos melhores do que buscar qualquer imposição hierárquica sobre um profissional com a mesma qualificação que a nossa.

Estar presente no cotidiano escolar, trocando idéias e experiências de forma horizontal com a equipe docente, nos permite antecipar uma série de questões, solucionando a maior parte dos problemas em sua origem, antes mesmo que estes tomem grandes proporções. 

Como dialogar?
Há um ditado antigo que afirma “o chefe é um funcionário comum, com uma única diferença: ele sempre tem razão em uma discussão”. Eu discordo dessa sentença. É importante que os membros da comunidade escolar tenham a consciência de que todos têm voz e que se eu, mesmo em um cargo de chefia, estiver errado, poderei ser advertido e voltarei atrás nas minhas decisões. 

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De forma geral, as posições da equipe diretiva na EM Ivone Nunes já ocorrem coletivamente, com a participação do Paulo Vitor e da Tatiana Moura, diretor adjunto e coordenadora pedagógica. Além disso, buscamos, sempre que possível, elaborar idéias abertas, para que os professores contribuam, critiquem, acrescentem ou vetem as proposições.

Porém há momentos em que o diálogo coletivo, a antecipação dos problemas e a compreensão deixam de ser viáveis e passamos a correr o risco de “sermos só amados”, perdendo, se não um trono, o controle da escola. Nesses momentos, quatro tópicos são imprescindíveis e necessitam ser revisados por todo gestor, quando se adverte um funcionário:

- Em primeiro lugar precisamos compreender que, durante uma advertência oficial, ambos os lados estão passíveis de punição. Uma falta funcional mal administrada pode resultar em problemas para o gestor. É de extrema importância que a regra quebrada seja clara para toda a comunidade e que o diretor compreenda determinados limites em sua cobrança para que não se configure um caso de assédio moral.

É importante que haja sempre um segundo membro da equipe, outro professor, ou um representante do CEC acompanhando a conversa. A sabedoria popular diz que “à  esposa de César não basta ser honesta, ela precisa parecer honesta”. Assim, se a advertência é sobre algo acordado, uma testemunha sempre é bem vinda, para evitar qualquer transtorno, ou denúncia posterior.

- Uma ferramenta importante é o Livro Ata. Especialmente em assuntos mais delicados esse registro se torna o documento que traz segurança legal tanto para o professor quanto para o gestor. Use-o sem moderação.

- Por fim, é importante a perspectiva republicana nas decisões. Isto é, cabe ao gestor aplicar as mesmas regras e punições a todos os funcionários, utilizando-se dos mesmos parâmetros. Poucas ações são tão maléficas a uma comunidade escolar como o tratamento diferenciado entre funcionários.

Partindo desses princípios e somando a eles a compreensão de que o trato humano é importante mesmo quando sanções forem necessárias, a lógica é conseguirmos mantermos a harmonia em nossa comunidade escolar. A ideia é lembrarmos que a advertência é profissional, nunca pessoal. E que pelo diálogo, acabamos construindo um denominador comum: o respeito. Não à toa, este é o elemento citado por Maquiavel, como opção para o medo como o caminho para uma vida longa ao Príncipe.

Um forte abraço, José Couto Júnior.

José Marcos Couto Júnior é formado em História e Mestre em Educação pela Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Em 2018, foi eleito Educador do Ano no Prêmio Educador Nota 10. Servidor da Prefeitura do Rio de Janeiro há 10 anos, atua desde fevereiro como diretor na Escola Municipal Professora Ivone Nunes Ferreira, no Rio de Janeiro.

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