Formação para respeitar a infância
O estudo sobre a Educação Infantil nos ajuda a superar práticas do passado e a planejar atividades adequadas para a faixa etária
POR: Camila ZentnerAssim que me formei em Pedagogia, aos 22 anos, ingressei na carreira de professora em uma turma de 30 crianças da Educação Infantil de uma escola municipal em Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo. Cheguei animada e certa de que iria conseguir fazer maravilhas. Minha vontade era de mudar o mundo, afinal, eu era professora! Foi então que encontrei com as crianças, que também chegavam à escola pela primeira vez. Nosso primeiro encontro, não foi o sucesso que eu esperava: fui recebida com muito choro e acompanhada durante todo o dia da frase “eu quero a minha mãe!”, dita das mais variadas formas. Algumas das crianças tentaram fugir, corri atrás de todas. Terminei o dia acabada e, quando cheguei em casa, fui eu que chorei.
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Logo nesse primeiro dia, que percebi que, por mais que tivesse me dedicado durante a graduação, minha formação inicial não dava conta dos mais variados desafios (e das aventuras) típicas do dia a dia na Educação Infantil. Foi no decorrer da experiência e, principalmente, com as formações continuadas, que ampliei meu olhar para as questões da infância e mudei minha prática.
Ao chegar na coordenação pedagógica, vi essa história se repetir uma porção de vezes com colegas professoras recém-formadas ou recém-chegadas na Educação Infantil. Talvez já tenha acontecido com você também. Diante da surpresa ao encarar os pequenos, vi muitos professores que resgataram suas vivências enquanto alunos para o cotidiano com os pequenos e repetem práticas do passado, trazendo desenhos para pintar, atividades de pontilhado, planejamentos organizados por datas comemorativas. Outros trazem propostas do Ensino Fundamental: cadernos, sondagens entre outras atividades que exigem que a criança fique por muito tempo sentada em uma cadeira. Todos, acredito eu, com as melhores intenções possíveis, mas deixando de lado o importante respeito às características e às necessidades da infância, um momento tão crucial de nossa vida.
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Nesse contexto, as formações continuadas, principalmente em horário de serviço, tornam-se essenciais para provocar reflexões sobre a prática que ajudem os docentes a elaborar planejamentos mais adequados a essa faixa etária.
É na formação continuada que deverão ser levantadas as especificidades da infância. Um bom ponto de partida é o estudo e a reflexão sobre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para a Educação Infantil. Nela, destaca-se a importância do brincar, como atividade principal da criança, a sua expressão por meio de múltiplas linguagens, o contato com a natureza, o afeto nas relações, os valores, entre outras tantas temáticas. Usando esse documento como base, o coordenador pode estimular o professor a conhecer melhor as crianças com quem trabalha: quem são, onde vivem, do que gostam, com quem moram, do que brincam, o bairro onde estão inseridas etc..
Há que se ter clareza que a formação continuada sozinha não dará conta de tamanho desafio. No artigo Múltiplas Linguagens de Meninos e Meninas no cotidinao da Educação Infantil, a professora da USP Márcia Gobbi alerta que para o trabalho com crianças pequenas em atividades que estimulem esse encantamento próprio da infância, o professor precisa também estar em contato com diferentes manifestações artísticas e culturais.“Frequentar cinemas, alugar filmes, ir ao teatro, museus, ter acesso a vários gêneros literários (contos, romances, poesia), assistir a espetáculos de dança, seja nos teatros ou de rua, são atos, senão criadores em si, mas que colaboram com a criação para e com as crianças.”
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Caso não consiga iniciar esse trabalho na sua escola, comece criando pequenos grupos de estudo com seus amigos, busque parcerias, inscreva-se naquele curso de formação que você está ensaiando faz tempo e leva um colega com você para não desanimar, leia mais, faça passeios aos fins de semana, exercite sua escrita, seja autor de sua própria história.
A minha história me trouxe até vocês e, durante dois anos e meio, vivi uma das experiências mais legais da minha carreira: escrever para você, gestor escolar. Já pensou onde sua história pode te levar? Nessa despedida, separei uma frase de Eduardo Galeano: “Muita gente pequena, em lugares pequenos, fazendo coisas pequenas, pode mudar o mundo.” O sonho segue vivo. A gente se encontra por aí.
Um abraço, Camila Zentner.
Camila Zentner Tesche é formada em Pedagogia com especialização em Educação Infantil pela Universidade de São Paulo (USP) e está na coordenação pedagógica da Escola da Prefeitura de Guarulhos Manuel Bandeira há 10 anos. A EPG atende a Educação Infantil e o Ensino Fundamental 1 e, desde 2015, faz parte do mapa de escolas inovadoras do MEC.
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