Aprendizagem também é responsabilidade do diretor
Então, por que muitos ainda resistem a ter este foco?
POR: Dimítria CoutinhoCom nota 4.0 no Ideb em 2013, Oeiras, no sertão do Piauí, atingiu nota 7.1 em 2017. De quase 40% de distorção idade-série em 2013, índice que mede a proporção de alunos com mais de dois anos de atraso escolar, o município reduziu para 6% hoje. Em pouco tempo, o salto educacional de Oeiras a fez ficar conhecida em todo o país, transformando a cidade em referência para a gestão de outros municípios. Ela chegou a ser chamada de “Finlândia brasileira”.
Para Tiana Tapety, secretária municipal de Educação de Oeiras desde 2013, reações do tipo chegam a ser exageradas. “Na realidade, não fazemos nada extraordinário. Garantimos o direito de aprender das crianças, que está na lei”, afirma. Segundo a secretária, os resultados registrados no município são fruto de um trabalho de gestão escolar voltada para a aprendizagem.
Esse tipo de gestão, na verdade, é assunto antigo entre os teóricos de Educação. Cristiane Machado, professora da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), conta que os debates sobre o tema começaram ainda na década de 1930.
Inicialmente, acreditava-se que as instituições de ensino poderiam ser administradas da mesma maneira que as empresas e as indústrias do período. Assim, o diretor era a figura que cuidava única e exclusivamente das questões administrativas desta organização chamada escola. Com o passar dos anos, iniciou-se um debate a respeito da diferença entre as escolas e as demais organizações. “A escola não produz produtos que serão vendidos no mercado, mas forma seres humanos. Então, ela tem que se ocupar com a cidadania”, ressalta Cristiane.
E é nesse momento que surge a ideia de uma gestão escolar voltada à aprendizagem, um modelo que se preocupa não somente com os aspectos administrativos, mas também com os pedagógicos. “A aprendizagem dos alunos é o objetivo central da escola. Mas é só na concepção de gestão que ele aparece de maneira evidente. Focar só na administração é desconsiderar o papel da instituição de ensino”, explica Cristiane.
Mudança de postura
Embora atualmente seja quase um consenso na área que a gestão deve ser voltada para a aprendizagem, isso não é tão visto na prática. “É como se a gente ainda estivesse aprendendo a colocar a escola para cumprir seu objetivo”, afirma Cristiane.
Essa postura exige mais do gestor, que assume responsabilidades administrativas e pedagógicas. O diretor deve dominar os processos pedagógicos, acompanhar as formações dos professores e demais funcionários, articular projetos, saber o que ocorre dentro das salas de aula, abrir espaços de escuta e participação, entre outras ações.
Sobre a experiência prática de Oeiras, Tiana conta que os gestores tiveram que passar por uma mudança de pensamento. Se engana quem pensa que focar na aprendizagem passa apenas por olhar para aquilo que acontece dentro de sala de aula. Um gestor com foco em aprendizagem deve estar atento para tudo o que ocorre dentro da instituição, buscando identificar possíveis causas para o baixo rendimento escolar. “A gestão deve ser eficiente desde o acolhimento da criança quando ela chega, até a inserção dela na sala de aula. Tem também a merenda, o transporte, entre outros pontos. São muitos detalhes para se mudar”, conta a secretária.
Quando assumiu a Secretaria Municipal de Educação, Tiana encontrou muitos problemas de infraestrutura. Dentre as 77 escolas da rede em 2013, apenas quatro tinham o pátio coberto – isso em pleno sertão piauiense – e 26 unidades sequer possuíam banheiros. “Diante de estruturas como essas, como a criança aprende? Foram coisas básicas que a gente teve que resolver porque afetavam diretamente na aprendizagem das crianças”, lembra Tiana.
Como implementar a gestão da aprendizagem
Apesar de trazer bons resultados, a gestão voltada à aprendizagem ainda enfrenta obstáculos para ser disseminada por todo o país. O principal deles é a falta de políticas públicas que incentivem sua implementação. Para Cristiane, o ponto de partida é o oferecimento de capacitação. “E a formação tem de ser proposta de estado e não de governo. Porque todos os gestores (diretores, vice-diretores, coordenadores e orientadores pedagógicos) precisam ser formados o tempo todo nessa perspectiva”, afirma a professora.
Em Oieras, centrar na formação e na qualificação do gestor foi a estratégia, inclusive, para enfrentar as resistências – alguns diretores abandonaram os cargos por não concordarem com as mudanças. Para Cristiane, isso é herança de um modelo ultrapassado. “Ainda há diretor dizendo que seu papel é só administrar, que fala de boca cheia: eu não cuido do pedagógico”, conta.
Consolidar uma perspectiva ainda considerada nova por muitos é um trabalho contínuo. “Nós temos formações mensais focadas no gestor e realizamos avaliações constantes do que está sendo proposto. Ainda hoje a gente constrói e desconstrói, faz e refaz, até porque não chegamos a um patamar de excelência”, diz Tiana.
Ao lado das formações está a necessidade das redes oferecerem condições de trabalho aos gestores. E isso inclui tempo para o diretor se dedicar também às questões pedagógicas. “Muitas redes exigem tanto do diretor em termos de envio de documentos e presença em reuniões fora da escola, que ele acaba não conseguindo atuar nessa parte central, que é a aprendizagem dos alunos”, explica Cristiane.
A gestão do tempo tem de estar inserida na rotina do diretor. Realizar um bom planejamento é o caminho para encontrar um equilíbrio entre as duas áreas – administrativa e pedagógica – e garantir a aprendizagem dos alunos. É importante também formar uma parceria efetiva com o coordenador pedagógico para identificar dificuldades e criar estratégias e intervenções que atendam as necessidades dos alunos. Com esse trabalho conjunto de estabelecer metas e definir planos de ação, cabe ao diretor buscar os recursos necessários para colocá-las em prática. Vale lembrar também que o papel de liderança do diretor dentro da escola contribui para garantir um bom clima escolar – outro fator importante para favorecer a aprendizagem.
Focar na aprendizagem garante a equidade?
Estar atento às desigualdades deve ser uma preocupação das redes de ensino e das escolas. “É preciso pensar sempre nos dois eixos. Nível de aprendizagem sem equidade é um problema. Equidade sem nível de aprendizagem também é um problema”, afirma Maurício Ernica, professor da Faculdade de Educação da Unicamp. “A gente precisa garantir uma educação pública de qualidade que seja equânime, que garanta esse direito de aprender a todas as crianças e adolescentes independente de credo, cor, raça e condição social”, completa Tiana.
Por isso, considerar apenas os índices de avaliações externas, que trazem só a média dos alunos, é perigoso. Para Maurício, as médias podem trazer a sensação de que os estudantes de determinado município aprendem bastante quando, na verdade, somente um grupo da população puxa essa média para cima, enquanto outros seguem aprendendo pouco. “Alguns estão melhorando mais do que outros, tirando mais proveito das oportunidades que o país vem criando. E é isso que tem produzido o aumento da desigualdade”, diz.
A solução, para Maurício, é um esforço por parte dos gestores públicos de olhar índices que mostram os níveis de aprendizado de grupos específicos, para entender se há estudantes sendo deixados para trás. Identificar os diferentes níveis de aprendizagem permite criar políticas que atendam a todas as demandas. “Uma política que quer produzir resultados mais equitativos não pode ser uma política de estratégia única”, explica o professor da Unicamp.
Gestores e professores também podem ter um papel importante na diminuição da desigualdade. “Quando a escola oferece tratamento neutro, na verdade, ela está favorecendo uns em detrimento de outros”, afirma Maurício. É necessário, porém, pensar em como diferenciar, para que isto não se torne também prejudicial. “A desigualdade começa a ser pavimentada quando os gestores mandam para o noturno alunos da manhã que são considerados bagunceiros, quando montam uma turma com os alunos de maior desempenho ou mesmo na hora que distribuem desigualmente os elogios”, diz o professor da Unicamp. “Existe uma série de mecanismos muito sutis que estão no dia a dia do funcionamento do sistema de ensino que vão permitindo que uns grupos aprendam e outros não”, completa.
Na gestão para a aprendizagem, o olhar é individualizado para cada estudante porque o objetivo é entender as particularidades deles e refletir como a escola pode ajudá-los. “Uma criança que não aprende tem que ser encarada como uma questão a ser resolvida por toda a comunidade escolar”, afirma Cristiane.
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