Ensino Médio: etapa sem identidade
Debate legal
POR: Juca GilJuca Gil é professor de Políticas Educacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
O Ensino Médio brasileiro oscila entre seguir um modelo nacional ou ficar a cargo dos projetos das próprias escolas.
O Ensino Médio sofre um problema crônico de identidade. Alguns consideram a etapa uma preparação para a Educação Superior, enquanto, para outros, ela tem como objetivo a profissionalização e o ingresso no mercado de trabalho. Historicamente, a primeira concepção atende aos filhos das classes dominantes, que seguem os passos dos pais e perpetuam a elite. A segunda é vista como a solução para os pobres, que não poderiam esperar por um diploma superior para começar a contribuir com o sustento doméstico.
As instituições privadas, responsáveis hoje por 13% das matrículas no Ensino Médio, sabem muito bem que lado escolher: prometem aos clientes o acesso às melhores universidades. Já o modelo de escola pública que tentou imitar o da particular e competir com ele naufragou. Caso contrário, não teria sido necessária a criação de uma lei reservando 50% das vagas do ensino superior público a estudantes da rede pública.
Em 2004, o país tinha 9,2 milhões de estudantes no Ensino Médio. Em 2012 o número caiu para 8,4 milhões - uma redução de 800 mil alunos. É como se todas as escolas de Educação Básica do Mato Grosso tivessem fechado as portas. Considerando que só metade dos jovens entre 15 e 17 anos está matriculada naquele segmento, a cifra deveria estar crescendo e não diminuindo.
Em busca de uma solução para esse tipo de apagão, a Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou, em janeiro de 2012, a Resolução nº 2, definindo as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Uma das principais novidades é a organização do currículo em quatro áreas de conhecimento: Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza e Ciências Humanas. Faltam, contudo, soluções para a crise de identidade. As diretrizes apontam para a valorização das múltiplas realidades das escolas, mas propõem, em certa medida, a padronização.
O artigo 17 destaca o respeito às diferenças de condições e necessidades de espaço e tempo para a aprendizagem e incentiva a organização de atividades educacionais e socioculturais que favoreçam a iniciativa, a autonomia e o protagonismo social dos estudantes. Nessa perspectiva, cada escola brasileira teria direito a elaborar seu próprio projeto.
No entanto, o artigo 20 estabelece que o Ministério da Educação (MEC) deve encaminhar ao CNE uma proposta de expectativas de aprendizagem dos conhecimentos escolares e saberes que devem ser atingidos pelos estudantes durante o Ensino Médio. O artigo 21 reforça o tom unificador, destacando o papel do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) no sistema de avaliação do país.
A contradição entre os objetivos de valorizar a diversidade e garantir padrões nacionais desafia as escolas que atuam nesse segmento a escolherem seu rumo. Os gestores escolares terão de compreender as propostas em pauta, debatê-las com os professores e esclarecer as famílias e os estudantes. Afinal, é seu papel coordenar ações para trazer de volta os jovens que abandonaram a escola, acolher os adultos que não concluíram o Ensino Médio e dar condições para que todos tenham o direito de avançar na formação.