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"Não é certo relacionar investimento com desempenho no PISA"

Para o professor da Universidade de São Paulo e especialista em financiamento da Educação, não tem sentido comparar o investimento de países com históricos e conjunturas diferentes. Melhor do que isso é encarar os aspectos que atravancam nosso crescimento

POR:
GESTÃO ESCOLAR
José Marcelino Rezende Pinto, especialista em financiamento na Educação. Foto: Marina Piedade

José Marcelino de Rezende Pinto,
especialista em Financiamento
na Educação.

O investimento em Educação praticado por Brasil e Coreia do Sul é parecido: em torno de 5% e 6%. Apesar disso, os resultados em avaliações internacionais são muito diferentes. Essa comparação, apesar de comum, não se justifica. Entre os principais motivos listados pelo texto "Por que é preciso investir mais em Educação?", publicado na edição de abril de NOVA ESCOLA, está a existência de déficits no sistema educacional já superados há décadas pelos coreanos.

A receita para superar essas deficiências: mais recursos e gestão eficiente. Nesta entrevista, José Marcelino de Rezende Pinto, professor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, campus de Ribeirão Preto (FFCLRP-USP) e especialista em Financiamento da Educação, avalia os gargalos do nosso sistema educacional e sugere alguns caminhos para resolvê-los. Explica porque não é adequado fazer comparações com a situação de Coréia do Sul ou Finlândia, e aponta problemas na estrutura que envolve a gestão escolar, o modo de utilizar as verbas voltadas ao setor, um déficit histórico com creches e Ensino Superior e ainda as desigualdades na Educação do país.

É válido relacionar o percentual do Produto Interno Bruto (PIB) investido por diferentes países em Educação e os resultados de avaliações, como o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa)?

JOSÉ MARCELINO REZENDE PINTO Não é adequado fazer comparações como essa e indicar o investimento como único determinante para o desempenho escolar dos estudantes. Por um lado, é necessário comparar os gastos de diferentes países por critérios mais adequados, que considerem fatores como as dimensões do país e o tamanho de sua economia. Por outro, precisamos entender que tanto esses índices econômicos quanto as avaliações externas não consideram o contexto local. Um dos poucos consensos de todos os estudos da área de avaliação é que os resultados refletem o capital cultural de cada família, como a escolaridade dos pais. Por isso é necessário considerar que na nota do Pisa o fator de desigualdade socioeconômica está presente, o que dificulta comparações.

Mas qual o papel do investimento para influenciar na qualidade da Educação?

REZENDE PINTO O investimento é essencial. Mesmo os países que já têm sistemas educacionais consolidados, ou seja, que não possuem déficits grandes como o Brasil, continuam fazendo um esforço grande. Isso é provado quando vemos o valor de investimento anual por aluno e também quando pensamos o volume de recursos em relação ao PIB per capita. Esses países sabem que uma Educação boa tem seu custo e que ele não é baixo. Mesmo países cuja economia não é tão forte quanto a brasileira, colocam a Educação como prioridade em seus orçamentos. Isso ainda não acontece conosco, infelizmente.

Os atuais recursos são suficientes para solucionar os problemas da Educação brasileira?

REZENDE PINTO Não. Basta dividirmos o gasto em Educação no país pela quantidade total de alunos e vemos que, a grosso modo, gastamos entre 200 e 300 reais na média, por mês, por aluno. Que pai de classe média matricularia seu filho em uma escola cuja mensalidade custa 300 reais? Esse valor é pelo menos metade do que é pago em uma escola particular, e não é à toa. Estamos gastando cerca de 3% do PIB na Educação Básica pública. Isso é pouco. Temos um PIB baixo e uma porcentagem baixa de uso dele.

Então, para superarmos os déficits citados anteriormente, é necessário investir mais?

REZENDE PINTO Sim. Temos de fazer investimentos pesados, e sabe-se que tudo isso não se faz da noite para o dia. Ainda existe um grande caminho à frente. Há uma grande proporção de pessoas sem o Ensino Fundamental completo, habitantes com mais de 15 anos sem o Ensino Médio, um grande gargalo na creche e outro no Ensino Superior. Um país que o tempo todo investiu menos do que o necessário vai precisar, por algum tempo, gastar mais e fazer um esforço extra - mas isso não significa que precisará usar 10% ou uma grande proporção do PIB para sempre.

E quanto tempo de grande investimento seria necessário para diminuir esses gargalos?

REZENDE PINTO O Plano Nacional de Educação (PNE), ainda em tramitação no Senado, prevê que o investimento em Educação chegue a ser equivalente a 10% do PIB em 10 anos. Calculo que precisaremos manter esse pesado investimento por mais cinco anos, e então nos manter em 6% do PIB, que é a média dos países ricos. Acredito também que esse maior investimento no setor refletirá no PIB, fazendo com que ele cresça. Assim, a porcentagem poderia ser menor, mas ainda significaria alcançar altas cifras.

Além dessas questões de verbas, existem problemas de gestão?

REZENDE PINTO Sim, muitos. Ainda não resolvemos, por exemplo, o problema da aposentadoria. O dinheiro pago aos aposentados em muitos estados ainda sai da verba da pasta da Educação, e não da Previdência, como determinava o PNE que esteve em vigor até 2010. Além disso, existem desvios de verbas para outras áreas, seja para saúde, combustível, compra de pneus, peças de carros ou até com cabos eleitorais. A lei determina que estados e municípios invistam 25% do seu orçamento em Educação, mas não especifica como eles serão gastos. O que acontece na prática é que muitas despesas não relacionadas à aprendizagem dos alunos entram nessa conta.

E como combater esses problemas?

REZENDE PINTO Precisamos criar uma estrutura que permita resolver os problemas de gestão. Esclarecer qual deve ser a destinação dos recursos e deixar a sua gestão com as Secretarias de Educação são pontos importantes. Há muitos casos em que as necessidades de material das escolas não são atendidas justamente porque os responsáveis pelas compras são de outras áreas. Além disso, precisamos de Conselhos de Educação fortes, que sejam independentes das secretarias. Como eles podem fiscalizar um órgão do qual dependem? Alguns Conselhos específicos, como os do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), fazem um trabalho importante nesse sentido, mas são responsáveis por acompanhar apenas parte dos processos, e não a Educação como um todo. O Ministério Público também pode ser um bom aliado nesse trabalho de fiscalização.

Diante desse contexto, a chegada de novos recursos garante por si só a melhora na qualidade da Educação?

REZENDE PINTO Não. É por isso que o financiamento deve ser uma das metas dentro de um plano maior, com ações simultâneas, mudanças na avaliação, na carreira etc. Além dos ajustes de gestão, acredito que seja essencial aumentar o salário inicial dos professores e modificar a maneira de eleger diretores das escolas, entre tantas outras providências.

Com reportagem de Wellington Soares. Colaborou Beatriz Santomauro