Regimento interno em dia
Para atualizar o documento, vale rever os capítulos referentes às normas de convivência e aos processos de avaliação
POR: Noêmia LopesAno após ano, algo sempre muda dentro da escola. Novas salas e turnos são abertos depois da chegada de uma grande fábrica ou de um assentamento ao bairro. Diferentes aparelhos eletrônicos aparecem nas mãos dos estudantes e são incorporados à mochila. Tudo isso faz com que os modelos de ensino e avaliação, os padrões de comportamento e as regras de convivência - assim como a maneira de tratar os conflitos - também se modifiquem e demandem atualização.
Seja qual for a envergadura e a complexidade das transformações, todas elas têm um ponto em comum: precisam estar registradas no regimento escolar. Além disso, manter em dia as normas a serem seguidas pela comunidade dá respaldo às decisões que você, gestor, toma no dia a dia, e o protege de fazer julgamentos arbitrários, exagerados ou insuficientes.
Todos os itens do regimento precisam ser compatíveis com o projeto político-pedagógico (PPP). "Não faz sentido o PPP propor a formação de cidadãos críticos e atuantes se não houver fóruns nos quais os alunos deem opiniões e participem de algumas decisões internas. E isso dever ser previsto em um dos artigos", afirma Edna Prado, professora do setor de Políticas e Gestão do Centro de Educação da Universidade Federal de Alagoas (Ufal).
Antes da atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 1996, o regimento escolar era conhecido pelas proibições rigorosas que trazia - certamente fruto do momento político dos anos 1970. Hoje, a gestão participativa é garantida por lei e as regras de cada unidade precisam estar adequadas.
Mexer nesse documento de formato rígido e linguagem técnica exige disposição e boa vontade dos gestores. Por isso, algumas secretarias disponibilizam um modelo e oferecem auxílio jurídico durante o processo. O regimento tem de ser aprovado pela Secretaria da Educação para entrar em vigor. A revisão é de responsabilidade do diretor. Porém as regras terão mais a cara da escola se professores, funcionários, pais e alunos forem ouvidos, especialmente quando já existe uma cultura de participação da comunidade escolar. Uma vez em vigor, é preciso dar visibilidade ao regimento (leia sugestões para a divulgação no quadro da página 3).
Certos tópicos - como caracterização da escola, objetivos, princípios, currículos e acompanhamento da frequência - dificilmente mudam em curto prazo. Já outros, como os cinco que GESTÃO ESCOLAR lista a seguir, precisam ser revistos pelo menos a cada dois anos. Vale apurar o olhar e agir com sensibilidade frente às transformações - como fizeram as diretoras que dão seus depoimentos nesta reportagem.
1 Avaliação da aprendizagem
Sem atualização constante dos critérios de aprovação e retenção dos alunos e da maneira de promover o reforço do ensino, corre-se o risco de o regimento ficar distante do que acontece de fato dentro das salas de aula, não acompanhando as transformações no modo de aferir se o aluno avançou ou não nas expectativas de aprendizagem. Para evitar tal descompasso, gestores e professores ganham ao discutir periodicamente, por exemplo, se a avaliação dos alunos está sendo eficaz, se os instrumentos usados - como provas, seminários, trabalhos individuais e em grupo, participação em classe e lições de casa - são adequados, assim como o peso de cada um na composição da nota. E, claro, mudá-lo se for o caso. Assim, ao receber o regimento no início do ano, os alunos ficarão cientes de como e quando serão avaliados, das médias mínimas para a aprovação e das formas de recuperar notas e repor aulas. "Cabe ainda descrever as estratégias que serão utilizadas para melhorar o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e os resultados no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem)", sugere Edna Prado, da Ufal.
2 Normas de convivência
Desde os tempos mais remotos, o homem estabelece regras para viver em grupos. Dentro da escola, onde se aprendem também conceitos de cidadania e respeito, não poderia ser diferente. "Direitos, deveres e consequências das transgressões precisam estar descritos de forma clara", afirma Catarina Iavelberg, especialista em Psicologia da Educação e colunista de GESTÃO ESCOLAR. Regimentos mais antigos não preveem o bullying, o cyberbullying e o uso de aparelhos eletrônicos - novidades que demandam um entendimento sobre como tratar com elas. No caso dos celulares, a proibição nem sempre é o único caminho. É possível pensar em um uso consciente, estipulando quando o aparelho está liberado.
Palavra de quem fez Rosilene Zago, diretora da EEB Professora Adelina Regis, em Videira, a 409 quilômetros de Florianópolis, ainda se lembra do rigor do regimento escolar de seus tempos de estudante, na época da ditadura. Hoje, como gestora de anos finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, ela busca construir as regras com a comunidade: "Nem usamos a denominação 'regimento', pela herança negativa da palavra. Preferimos chamar de normas de convivência". Na Adelina Regis, o documento é atualizado anualmente, com a participação dos professores. Os alunos elegem representantes e os pais são chamados para uma assembleia. Em 2012, foram acrescentadas regras para lidar com bebidas alcoólicas, drogas e fumo. A proibição do uso na escola já existia, mas não estava previsto o que fazer caso alguém a transgredisse. "Hoje sabemos como proceder: primeiro entrar em contato com as famílias e buscar ajuda do Ministério Público quando os envolvidos são maiores de idade", afirma a diretora. Foi acrescentada a possibilidade de professores e funcionários registrarem ocorrências quando se sentirem ofendidos no período de trabalho. Ao final de cada revisão, todos recebem cópias do novo conjunto de normas internas.
3 Organização da escola
Nessa parte do documento estão descritos os núcleos gestor, pedagógico, docente, operacional, administrativo e discente. Além de eventuais modificações nesses quadros, vale rever a concepção do organograma. "Se a escola se diz democrática, não pode manter uma pirâmide que leva do diretor, no topo e ao aluno, lá embaixo. Há uma instância maior em gestões participativas: o conselho escolar", diz Edna Prado. Também é possível inovar e redigir o texto de forma que a aprendizagem dos alunos seja o centro de todas as iniciativas. Dizer quem é quem no regimento e quais os direitos e deveres de cada um faz com que todos saibam o seu papel no processo educacional. Se couber à rede fornecer uniforme e ela atrasa a entrega, não é possível punir o aluno que esteja sem ele. As regras precisam existir, é certo, porém sempre levando em consideração a realidade local e a do público.
Como divulgar
Para chegar a todos os membros da comunidade, pense em diferentes formatos:
- Síntese em livreto Com apenas algumas folhas de sulfite, pode ser entregue aos alunos e familiares no ato da matrícula e também aos professores e funcionários.
- Agenda Uma versão reduzida, anexada à agenda escolar, faz com que todos tenham acesso às normas a qualquer momento.
- Versão online A íntegra deve ser disponibilizada no blog ou site da escola e o endereço eletrônico divulgado em murais ou cavaletes dispostos na entrada, na secretaria e nos corredores.
- Posts Caso a escola faça uso de redes sociais, publicar pequenos trechos, artigos, dicas e comentários ajuda a tornar públicos os pontos mais importantes.
- História em quadrinhos Funciona com os alunos mais novos. Pode ser feita pelos próprios e compartilhada com a família.
- Encadernação Uma versão completa e encapada na biblioteca facilita a consulta.
4 Projetos especiais
A cada período, o regimento deve contemplar o que a escola oferece em termos de grupos de estudo e pesquisa, iniciativas voltadas ao lazer e à cultura, atividades nos finais de semana, projetos institucionais, passeios e viagens. Ele vai estabelecer entre outros aspectos, as situações em que a construção do conhecimento se dará em outros locais. Como o documento é de todos e para todos, um professor que encontre resistência de pais para fazer uma pesquisa de campo pode usar seus artigos para justificar a importância da participação do aluno na saída da escola.
Palavra de quem fez Em 2011, a EM Maria Elvira Nascimento, em Governador Valadares, a 323 quilômetros de Belo Horizonte, debruçou-se sobre o regimento para registrar que as 20 turmas do 1º ao 9º ano ficariam na escola em período integral. Isso significou relacionar, no documento interno, o trabalho das oficinas (percussão, dança, futsal, jornal, meio ambiente, mídias sociais e brincadeiras). "Se antes o foco era nos conteúdos clássicos, hoje a matriz é mais rica, contemplando essas e outras atividades", conta a diretora, Sandra Guedes Rogai de Souza. A revisão durou seis meses, houve discussões no conselho escolar e a redação final foi elaborada pelos gestores.
5 Horários e rotinas
Esse capítulo vai mudar toda vez que houver alteração no horário de funcionamento da escola, nos turnos, nas modalidades de ensino, nas formas de avaliação, nos cursos e nos procedimentos internos em geral. Por vezes, as imposições vêm de fora: se há uma portaria da Secretaria de Educação para acrescentar uma nova disciplina ao currículo, a escola precisa contemplá-la no regimento.
Palavra de quem fez O regimento do CE Professor Victor do Amaral, em Curitiba, estava há 12 anos sem revisão. O trio de diretoras que assumiu em 2012 o atualizou entre fevereiro e outubro. "Como oferecemos os anos finais do Ensino Fundamental, registramos a nova nomenclatura de série para ano, divulgando-a aos pais. Muitos tiveram dificuldade em entender como o filho aprovado na 5ª série seria matriculado no 7º ano", conta Cláudia Gruber, uma das gestoras. Outros itens foram revistos: as sanções ao uso de aparelhos eletrônicos, o controle de atrasos e a participação dos pais. A também diretora Claudia Machado conta que foi preciso pedir ajuda: "Colocamos painéis na sala dos professores solicitando sugestões e discutimos alguns tópicos com os representantes dos alunos e o grêmio estudantil, como o uso de calça jeans".
Quer saber mais?
CONTATOS
CE Professor Victor do Amaral, tel. (41) 3377-2386
EEB Professora Adelina Regis, tel. (49) 3566-1049
EM Maria Elvira Nascimento, tel. (33) 3277-5145
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