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Lição da Educação Indígena

Debate legal

POR:
Juca Gil
Foto: Tamires Kopp
Juca Gil

Assim como o atendimento ao índios exige adaptações, as escolas têm de observar as demandas de seu público

Mesmo que você não trabalhe numa escola indígena nem mantenha contato com comunidades originárias do período pré-Cabral, há vários aprendizados essenciais ao pensarmos na Educação desses povos. O principal deles é que a sua existência aponta para o fato de as instituições não poderem, nunca, oferecer o mesmo atendimento a todos, procurando sempre adaptar-se às necessidades de cada local. Essa afirmação ganha contornos inimagináveis se considerarmos que a nossa referência - uma experiência de ensino pretensamente universal - está bem distante dos princípios que regem a legislação voltada à Educação escolar indígena.

Amparado em fundamentos presentes na Constituição Federal de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996, o Decreto Nº 6.861/2009 mostrou-se inovador ao promover uma gestão mais autônoma dos processos educativos das etnias indígenas. A começar pela organização do calendário letivo, que deve respeitar aspectos como o fluxo das atividades econômicas, sociais, culturais e religiosas, independentemente do ano civil. Isso permite que o período de estudos se inicie em abril, por exemplo, após a época de plantio, faça uma pausa em setembro - para a celebração de rituais - e termine em fevereiro.

A norma também propõe o uso de espaços diferentes da sala de aula para a prática didática, deixando claro que eles não têm de seguir, necessariamente, o modelo tradicional de disposição do ambiente - com cadeiras individuais, enfileiradas e direcionadas a um quadro, onde, normalmente, fica o professor.

Outra questão importante diz respeito ao fato de que as escolas indígenas devem funcionar em consonância com a territorialidade de seus povos - e não segundo a divisão político-administrativa brasileira. Isso significa que, enquanto os demais estabelecimentos de ensino pertencem a um município ou a um estado e estão subordinados à sua respectiva Secretaria de Educação, aquelas funcionariam de acordo com os chamados territórios etnoeducacionais. Segundo o decreto, essa denominação se refere a áreas - mesmo que descontínuas - ocupadas por povos indígenas que mantêm vínculos intersocietários, caracterizados por aspectos como raízes sociais e históricas e relações políticas e econômicas. O projeto educacional válido a um território, portanto, independe de sua localização geográfica, podendo abranger diferentes municípios e unidades federativas, do mesmo modo que um único município ou estado pode conter mais de um espaço etnoeducacional, com propostas e medidas diversas.

A lei citada prevê ainda o uso das línguas maternas e a criação de diretrizes curriculares próprias. Disso, entende-se que a centralidade usualmente atribuída a práticas de leitura e escrita pode dar lugar a um trabalho mais focado na oralidade e que priorize idiomas como o guarani, em vez da língua portuguesa.

As escolas, em geral, se fortaleceriam caso revissem a sua gestão diante das demandas de cada lugar. A instituição não pode se limitar a reproduzir os modelos e modismos seguidos pela maioria. Dessa forma, corre o risco de não realizar a sua função elementar de oferecer uma Educação de qualidade a todos.

Juca Gil 
É professor de Políticas Educacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).