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Maria do Carmo Brant: "A escola fracassa com o adolescente"

Para a pesquisadora, o insucesso é consequência da falta de conhecimento sobre as transformações naturais da adolescência

POR:
Karina Padial
Maria do Carmo Brant. Foto: Raoni Madalena
Maria do Carmo Brant

A pesquisa Anos Finais do Ensino Fundamental: Aproximando-se da Configuração Atual, realizada em agosto de 2012 pela Fundação Victor Civita (FVC), de São Paulo, revelou que a segunda etapa do Ensino Fundamental carece de identidade própria e não consegue atender bem os estudantes que estão deixando a infância e entrando na adolescência - tanto que as maiores taxas de repetência do Brasil aparecem no 6º ano. Um dos motivos para o fracasso é a inadequação da escola a esse público por falta de compreensão sobre essa etapa do desenvolvimento dos jovens.

"A Educação não sabe lidar com o adolescente e não se adequou a ele, tornando-se, portanto, pouco sensível às suas necessidades de aprendizagem", explica Maria do Carmo Brant, consultora do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), em São Paulo, em que já foi superintendente entre 2000 e 2010. Além das mudanças inerentes à fase entre os 11 e os 14 anos, há as transformações no ambiente escolar: o número de professores e de disciplinas se multiplicam e o tempo se fragmenta. Na entrevista concedida a GESTÃO ESCOLAR, Maria do Carmo diz que, além de aprender a lidar com a passagem da infância para a adolescência, falta à escola integrar o desejo de socialização, comunicação e autonomia dos jovens às estratégias de ensino.

Quais são os desafios dos educadores ao lidar com alunos da segunda etapa do Ensino Fundamental?
MARIA DO CARMO BRANT
A escola tem sido um fracasso com o pré-adolescente e o adolescente ao não reconhecer as particularidades desse público. Pouco se fala sobre as características e dificuldades que eles enfrentam no fim da infância. Além disso, o jovem de hoje é um nativo da era digital e da informação. Seu raciocínio é descentrado e difuso e ele faz muitas tarefas ao mesmo tempo - ou abre várias janelas, como dizemos, e transita entre elas. Ele assiste a três ou quatro programas de TV simultaneamente e escuta música no celular enquanto lê. Daí é possível entender a dificuldade dos alunos em acompanhar a sequência linear de pensamento que a escola propõe.

Como essa facilidade em trabalhar em diversas frentes ao mesmo tempo deve ser usada?
Repensar o planejamento e a estrutura das aulas é o primeiro passo para as mudanças. Ficar muito tempo no mesmo espaço não é estimulador para um garoto que tem raciocínio disperso. O adolescente pode aprender em organizações e espaços diferentes. Uma escola aberta à cidade e ao bairro e que use os equipamentos urbanos para incentivar as pesquisas é um caminho. Outro é investir em salas-ambiente e laboratórios. O adolescente precisa experimentar. A escola exige muito pouco do aluno em termos de descoberta e não o ajuda a fazer perguntas ao mundo.

Uma das preocupações do adolescente é com a socialização e o pertencimento a um grupo. Como a escola encara esse ponto?
Na verdade, ela não aceita bem o fato de o aluno começar a descobrir a turma e querer ter autonomia. Esse processo traz insegurança e o leva a incorporar a cultura do zoar, pois não sabe se relacionar como os adultos esperam. Ele não é capaz de formular perguntas e respostas diretas nem agir de forma disciplinada. Ao não identificar esse comportamento como normal, a escola impõe sanções, em vez de refletir sobre suas atitudes.

É esse comportamento que a escola costuma rotular de indisciplina?
Uma das causas da indisciplina é a energia mal canalizada. Ficar confinado durante muito tempo na sala de aula, em cadeiras e carteiras que inibem o movimento e ouvindo explicações que se repetem, é maçante. Por isso - e por ajudá-lo a expressar emoções e controlar a concentração -, as atividades esportivas e artísticas, embora pouco contempladas na rotina, são importantes.

O aluno sente as mudanças na passagem do 5º para o 6º ano, com a chegada de vários professores. Como isso impacta a aprendizagem?
Do 1º ao 5º ano, a professora é a grande referência. É o adulto que ensina e orienta. Já no 6º, são vários docentes que entram e saem da sala de aula, todos com pouco tempo para olhar atentamente para cada um dos alunos. Essa é uma ruptura drástica e um dos motivos para as altas taxas de reprovação nessa série.

De que forma é possível reduzir os efeitos dessa mudança?
Atualmente observamos duas alternativas que têm tido sucesso. Uma delas é manter um ou dois professores polivalentes também no 6º e no 7º ano. A outra é ter um número grande de professores, mas com um tutor por turma, com quem o jovem vai discutir os conflitos, as dificuldades e os avanços da vida escolar.

A pesquisa da FVC revela que cerca de 30% dos alunos do 6º ao 9º ano estão com defasagem idade/série. Como diminuir esses números?
Não tem cabimento reprovar um adolescente quando sabemos que existem várias maneiras de evitar isso. Existem programas de aceleração de aprendizagem e outros procedimentos conhecidos dos educadores para evitar a repetência. Além disso, a escola precisa aceitar que há alunos que vão bem em Matemática, mas não em Geografia. Nesses casos, seria possível propiciar a ele o avanço no processo de aprendizagem com base em suas habilidades e estimulá-lo a conhecer oportunidades de desenvolver seus talentos.

O que a escola pode fazer para melhor atender os pré-adolescentes?
Certamente envolvendo-os na construção de um espaço que, na verdade, é deles. Há escolas onde existem momentos da rotina em que eles refletem e discutem com professores e gestores o que fazem, o que sentem em relação às aulas e ao aprendizado. É um espaço para os alunos sugerirem modificações em processos e procedimentos. Porém é preciso lembrar que não é fácil dar esse protagonismo aos jovens porque eles zoam, não se concentram e economizam palavras e argumentos. Cabe à escola trabalhar os valores e a ideia de que aos seus direitos correspondem também os deveres.

Quer saber mais?

INTERNET 
Estudo Ensino Fundamental 2: Dicas
, Maria do Carmo Brant de Carvalho e Maria Amabile Mansutti
Íntegra da pesquisa Anos Finais do Ensino Fundamental: Aproximando-se da Configuração Atual