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Educação afirmativa já

Debate legal

POR:
Juca Gil
Foto: Tamires Kopp
Juca Gil

Ações que permitem o acesso de grupos à universidade revelam as diferenças do sistema de ensino

Ao longo do tempo, fomos doutrinados a tolerar o intolerável, a considerar normal a indignidade, a apagar o passado como se isso, por si, fizesse justiça. Decoramos o bordão que diz que "somos todos iguais", como se a natureza ou a lei garantissem o exercício pleno da igualdade. No entanto, tem se ampliado muito a compreensão de que para superar as desigualdades não basta só criar uma legislação e contar com a boa vontade das pessoas. A igualdade, via de regra, precisa ser construída com base em atos que levem a sociedade a um caminho diverso daquele que a tradição aponta, o que inclui, fora o amparo nas leis, a ação direta do Poder Judiciário.

Em 20 de novembro, comemoramos o Dia da Consciência Negra e o ano de 2012 entra para a história repleto de conquistas antirracistas no Brasil. A cúpula do Judiciário debateu ações afirmativas em curso no setor educacional, explicitando a exclusão social e no ensino de parcela da população devido a traços físicos, identidades culturais, religiões e outros aspectos característicos de pessoas negras. O Supremo Tribunal Federal (STF) considerou que a política de cotas étnico-raciais da Universidade de Brasília (UnB) - que reserva 20% de suas vagas para estudantes negros ou pardos - está de acordo com a nossa Constituição.

A decisão confirma que tratar os desiguais como iguais é injusto. Sim, as cotas discriminam, favorecendo grupos que eram obrigados a concorrer em condições de desigualdade. E isso é justo! Assim como é justo que idosos tenham direito a vagas reservadas, grávidas não disputem filas e pessoas com deficiência tenham assentos prioritários no transporte coletivo. O intrigante é que esses tipos de discriminação não sejam alvo da mesma ira que as cotas étnico-raciais para ingresso no ensino superior. Por que será?

Diferentemente do que se pensa, ação afirmativa não é sinônimo de cota. Por exemplo, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) tem, desde 2004, um programa que soma pontos no vestibular a candidatos vindos de escolas públicas. Não há cota, e sim bônus. Já na Universidade Federal da Bahia (UFBA), também desde 2004, há cota de 45% das vagas para estudantes de escolas públicas. Os exemplos revelam que há anos as universidades adotam ações afirmativas por livre iniciativa - e agora terão de seguir a lei nacional nº 12.711/2012, que define o mínimo de 50% das vagas nas universidades federais para alunos que cursaram o Ensino Médio na rede pública, prevendo ainda critérios de renda e de raça.

E o que isso tem a ver com as escolas da Educação Básica? Tudo. As universidades denunciam que os sistemas de ensino reproduzem as desigualdades e não vão esperar a justiça chegar à escolarização inicial para garantir acesso a grupos discriminados. Marcos legais apontam para a necessidade de reverter o quadro na Educação Básica ao tornar obrigatório, nos ensinos Fundamental e Médio, o estudo de História e cultura afro-brasileira (lei nº 10.639) e de povos indígenas (lei nº 11.645) - medidas criadas depois de constatada a exclusão desses grupos dos conteúdos escolares. O desejo é que exista uma consistente Educação afirmativa para que, no futuro, não seja preciso fazer uso de ações afirmativas. Mas até lá...

Juca Gil 
É professor de Políticas Educacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).