Entrevista com Francisco Longo
Pesquisador espanhol defende avaliações de desempenho mais criteriosas para evitar a acomodação de professores e gestores no cargo
POR: Aurélio AmaralEmbora o acesso à Educação pública seja gratuito e não haja grandes desigualdades de oportunidade entre classes sociais, o sistema de ensino da Espanha ainda apresenta lacunas na aprendizagem. O país é o 33o colocado no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), coordenado pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), atrás de quase todos os vizinhos europeus. As dificuldades se devem, em grande parte, à cultura corporativista, que emperra o profissionalismo, segundo o pesquisador espanhol Francisco Longo, diretor do Instituto de Governança e Gestão Pública da Escola Superior de Administração e Direção de Empresas (Esade), da Universidade Ramón Llull, em Barcelona.
No Brasil, um dos sintomas desse amadorismo é a falta de rigor nas avaliações iniciais e periódicas. Por lei, ao ingressar na carreira pública por meio de concurso, o servidor passa por um período de estágio probatório, que dura três anos, ao final do qual ele tem seu desempenho apreciado. Segundo o artigo 41 da Constituição brasileira, uma vez aprovado no estágio, ele conquista a estabilidade no emprego. Nessa condição, só perde o cargo quem é condenado judicialmente ou sofre processo administrativo. A questão é que nem sempre a avaliação é levada a sério. Para Longo, é aí que está o problema. "A profissionalização da Educação pública depende da realização de verificações que realmente meçam o trabalho do servidor e deem autonomia às instituições para eventualmente afastar quem não se esforça", explica.
Uma das maneiras de incentivar a busca pela excelência, de acordo com o pesquisador, seria oferecer incentivos financeiros às escolas que alcancem as metas de aprendizagens estabelecidas. "Valorizar a competência é o caminho para combater a improdutividade", afirma. Em setembro de 2011, o pesquisador esteve no Brasil para participar do Ciclo de Debates de Gestão Educacional, promovido pela Fundação Itaú Social. Em entrevista à GESTÃO ESCOLAR, ele defendeu a chamada meritocracia flexível, na qual os incentivos financeiros são distribuídos coletivamente e as metas para obtê-los são estipuladas de acordo com as particularidades das escolas.
O que fazer para que haja mais produtividade no ensino público?
FRANCISCO LONGO Em primeiro lugar, são necessárias leis claras sobre as estruturas do emprego público que definam formas de ingresso, sistemas de avaliação, plano de carreira e mecanismos de remuneração. Além disso, instituições judiciais e extrajudiciais devem garantir o controle sobre essas normas. Só marcos regulatórios não são suficientes. É preciso acabar com a cultura de usar as garantias do funcionário público como desculpa para a improdutividade.
Que garantias do servidor são deturpadas e em que circunstâncias?
LONGO A estabilidade é uma delas. Por um lado, ela protege o docente de ter seu cargo ameaçado por decisões políticas ou interesses particulares. O problema é quando a garantia funciona como impedimento para que ele não seja transferido ou exonerado, mesmo quando tem um péssimo desempenho. Se o período de estágio nos anos iniciais é falho e as avaliações dos profissionais efetivos não são sérias, pode haver acomodação. Na Espanha, os professores ingressam na carreira como trainees e, durante essa etapa, devem comprovar habilidades na pesquisa acadêmica e na prática pedagógica. Se as exigências forem cumpridas, eles se tornam efetivos por quatro ou cinco anos. Contudo, a permanência no cargo está sujeita à verificação periódica de desempenho. Se não há engajamento, assiduidade ou eficiência, eles são exonerados.
A decisão sobre a permanência de um docente na escola, na sua opinião, deveria ficar a cargo de quem?
LONGO Estou convencido de que o papel das escolas na efetivação do professor deve ser determinante. Elas deveriam ter um projeto de gestão próprio, com capacidade para formar suas equipes de acordo com as características que se encaixassem melhor no projeto político-pedagógico. Reconheço, porém, que a mudança de um sistema centralizado na Secretaria de Educação para este que estou propondo não pode ser feita da noite para o dia. Ela exige o amadurecimento das lideranças escolares e requer um longo processo de formação para que a autonomia que as instituições recebam não descambe para interesses particulares. Se um professor ou um funcionário estão afinados com o PPP, não vejo problema que eles permaneçam lá. O contrário pode ser nocivo para o clima de trabalho entre os colegas e, consequentemente, para a aprendizagem dos alunos.
Qual é então o modelo ideal de seleção de docentes?
LONGO Os cargos dos funcionários públicos normalmente são providos por concursos, nos quais são exigidos títulos acadêmicos e provas de conhecimento. Mas esses não devem ser os únicos pré-requisitos. Há outras competências que definem um bom educador, como o poder de se comunicar bem com os alunos. Essas habilidades podem ser testadas em entrevistas individuais ou aulas simuladas. Quanto mais se conhece o candidato, maiores são as chances de assegurar a escolha de um profissional competente.
O provimento do cargo de diretor deve seguir a mesma linha?
LONGO Sim, avaliar os saberes é sempre uma boa fórmula. Na Espanha, são feitas eleições, o que nem sempre garante a melhor escolha. Quando não há interessados em assumir o cargo, as secretarias acabam obrigando qualquer um a se candidatar. No caso da nomeação, há o risco de, por interesses políticos, pessoas mal preparadas assumirem a função. Existem experiências de sucesso nos Estados Unidos, por exemplo, de instituições administradas por diretores não docentes. Mas eu, particularmente, acho que o gestor que já foi professor conhece melhor as necessidades da equipe e dos alunos. Por isso, creio que o ideal é que se fomente o surgimento de lideranças na própria escola para que elas assumam o cargo conforme a necessidade.
Como incentivar os professores líderes a pleitear as funções de gestão?
LONGO Não se conseguem bons diretores apenas oferecendo mais dinheiro. A única coisa que o atrativo financeiro garante é um número maior de postulantes - e isso é bom para que haja mais opções. Contudo, é necessário também reconhecer publicamente a importância do cargo. Por isso, é interessante investir em cursos de formação para aqueles que demonstrem vontade em ser gestor.
Oferecer bônus financeiro à escola pelos bons resultados é uma maneira de incentivar a produtividade?
LONGO Sim, mas os benefícios devem ser concedidos sob duas condições. A primeira é que eles não sejam individuais. Quem é contra esse ponto argumenta que os incentivos coletivos beneficiam, da mesma forma, os que trabalham sério e aqueles que se esforçam menos. É verdade. No entanto, a introdução de diferenças salariais é muito mais nociva. O estímulo à competição vai contra os valores da escola, que depende de colaboração para ter boas condições de ensino. Além disso, a aprendizagem não pode ser facilmente atribuída em maior ou menor proporção ao trabalho de determinado professor. O clima, a estrutura do local, o envolvimento dos pais e a liderança dos gestores também são decisivos nesse processo. Por isso, os bônus devem ser divididos entre a equipe. A segunda condição é que eles não sejam atrelados a resultados absolutos, mas, sim, à melhoria relativa dos indicadores.
Estipular metas iguais para todos não funciona como um estímulo para diminuir a disparidade de resultados?
LONGO Essa pode até ser a intenção. Contudo, o que acontece, na prática, é o contrário. Não se pode exigir de escolas situadas em comunidades violentas, com condições econômicas e sociais difíceis e resultados insatisfatórios, as mesmas metas de instituições que apresentam bons indicadores. Reverter uma situação precária leva certo tempo. Se as expectativas de melhora nos primeiros anos estão em um patamar muito acima do que se é capaz de atingir, a comunidade escolar se frustra. Ao mesmo tempo, as metas comuns não servem de incentivo às instituições que já têm bons indicadores porque o progresso exigido é muito pouco. Por isso, o mais sensato é flexibilizar os objetivos e fechar uma espécie de contrato com a escola, em que se traçam perspectivas de melhora com base no potencial dessa insituição.
Quais são os riscos de uma política de bônus com base em metas?
LONGO Números sozinhos não traduzem necessariamente a melhoria na aprendizagem. São comuns, por exemplo, casos de instituições que se destacam por boas notas que, no entanto, apresentam uma distância muito grande entre os alunos que estão no topo e os que estão na base. Ora, se apenas uma parcela pequena está realmente aprendendo, isso é sinal de que alguma coisa está errada. As escolas que dão mais atenção aos alunos com boas notas para alcançar as médias de rendimento preestabelecidas e se esquecem dos que têm mais dificuldade não deveriam receber o bônus. Por isso, sugiro que haja um pacto entre as secretarias de Educação e as unidades para que essas contemplem indicadores mais profundos do que apenas notas e busquem reduzir as distorções. Essa é uma questão muito importante no caso de países em desenvolvimento, como o Brasil.
Esse pacto existe na Espanha?
LONGO Em partes, sim. Lá o retrato da Educação é consideravelmente equitativo. A origem social das pessoas não é tão determinante em seu desenvolvimento na escola. Por outro lado, estamos falhando em atingir as metas de aprendizagem. Tendemos ao que eu chamaria de mediocridade equitativa. As distorções já foram corrigidas, mas não conseguimos chegar a patamares mais elevados. Creio que isso se deve à falta de incentivos financeiros e, principalmente, à baixa autonomia das unidades de ensino. No serviço público espanhol, existe uma cultura assembleísta muito enraizada: acredita-se que todas as decisões devem ser tomadas por todos e que a posição de cada um tem o mesmo valor. Dessa forma, tem-se uma visão negativa do significado de gerir, dirigir. A palavra liderança - no âmbito escolar, inclusive - provoca rejeição.
Como combinar então liderança com participação?
LONGO A gestão deve, sim, ser democrática. Entretanto, é preciso definir o que é participação. Se isso significa envolver os professores no processo de transformação da escola, abrir espaço para a discussão em fóruns e conselhos é positivo. O que não se pode é confundir participação com defesa de interesses corporativos. O abono de faltas, a tolerância a atrasos e a dispensa de compromissos são práticas que não podem ser endossadas apenas porque é a vontade da maioria dos funcionários. Obviamente, questões como essas já não aparecem quando a experiência de gestão democrática está em um estágio avançado. De todo modo, investir na formação de lideranças é indispensável para que o gestor consiga contar com a colaboração da equipe e ser um modelo no qual a comunidade deve se espelhar.
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Francisco Longo