A escola precisa de mais disciplinas?
Propostas de lei desencarnadas e em grande quantidade acabam por transformar a Educação em um balaio de gatos
POR: Aurélio AmaralO projeto de lei que tramita no Congresso Nacional para a inclusão das disciplinas "Cidadania Moral e Ética" no currículo do Ensino Fundamental e "Ética Social e Política" no Ensino Médio é mais uma das muitas propostas de políticos para pautar o que deve ser ensinado nas escolas. O texto do projeto tem poucas frases e informa que o ensino deve ter como diretriz o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) - e só. Não há uma linha sequer sobre quais conteúdos constariam nas duas disciplinas, nem orientações sobre como elas deveriam ser ensinadas, ou como seriam encaixadas na grade curricular.
Assim como essas, diversas propostas - Educação para o Trânsito, Cultura da Paz e Organização dos Poderes, entre outras - fazem parte do imenso balaio de gatos que, nos últimos anos, passou pela Câmara e pelo Senado e, felizmente, não vingou. Via de regra, são projetos rasos, que apresentam apenas o nome da disciplina, sem detalhar o que se pode esperar com ela.
Além de vagos, os projetos não levam em conta as implicações de uma nova disciplina para escolas e Secretarias de Educação. A primeira delas está na contratação de docentes para lecionar. Qual deve ser a formação desses profissionais? Música, Espanhol, Filosofia e Sociologia - que foram incluídas por lei no currículo da Educação Básica (as três últimas, apenas no Ensino Médio) - sofrem, hoje, com o déficit de professores especializados.
A segunda consequência é o rearranjo da grade curricular: a menos que a carga horária total das escolas aumente, as matérias que já existem terão seu tempo reduzido. É positivo que os alunos tenham menos aulas de Matemática ou Língua Portuguesa, por exemplo?
Indo um pouco mais a fundo, vale perguntar: o que caracteriza uma disciplina curricular? Muitos dos assuntos que constam dos projetos de lei são pertinentes à escola, mas não lhes cabe o status de disciplina. Ética, por exemplo, é considerado pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) um tema transversal, que permeia todas as áreas do conhecimento - assim como saúde, meio ambiente, orientação sexual e pluralidade cultural. Quando, então, uma nova matéria deve ser incorporada ao currículo?
Claramente, não cabe ao Poder Legislativo responder a essas questões. Alterações no currículo não deveriam partir dos parlamentares, mas sim do Ministério da Educação (MEC) e do Conselho Nacional de Educação (CNE), em conjunto com as redes de ensino, por meio da revisão dos PCNs. Como consta no Art. 9º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), "a União incumbir-se-á de (...) estabelecer, em colaboração com os estados, o Distrito Federal e os municípios, competências e diretrizes para a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum".
Na prática, no entanto, todo parlamentar pode propor projetos que alterem a LDB e incluam nela novas disciplinas obrigatórias, desconectadas de uma proposta curricular consistente. É necessário rever esses mecanismos de modo a aumentar a participação do MEC, do CNE e dos educadores no debate. Caso contrário, continuaremos a dar a assuntos sociais tratamento teórico em disciplinas vagas, correndo o risco de fazer com que a escola deixe de cumprir seu principal papel: garantir a aprendizagem dos conhecimentos básicos à formação dos alunos.