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Coabitação: escolas dividem o mesmo espaço por conveniência

O casamento por conveniência ainda existe: para poupar gastos, unidades da rede pública dividem o mesmo teto

POR:
Elisa Meirelles, GESTÃO ESCOLAR, Aurélio Amaral
Professora Marie-Mônica Vasconcelos e Diretor José Almir Viamonte, das EEEF Major Guapindaiá e EMEF Henrique Dias, juntas desde 2009. Foto: Dany Iyn/Fotomontagem Romulo Pacheco
Professora Marie-Mônica Vasconcelos e Diretor José Almir Viamonte, das EEEF Major Guapindaiá e EMEF Henrique Dias, juntas desde 2009

Dizem que o segredo de uma vida em casal duradoura está em estabelecer normas claras de convivência, ceder em alguns momentos e, principalmente, dialogar com frequência. Bom, a coabitação de escolas não é exatamente um casamento - pelo menos não como o conhecemos hoje, em que os pares se juntam por livre e espontânea vontade. O compartilhamento de espaço entre instituições municipais e estaduais se assemelha mais aos matrimônios arranjados de antigamente, já que o acordo é selado por seus responsáveis - as Secretarias de Educação - por questões de conveniência. Geralmente, para evitar gastos. Da mesma forma que as uniões forçadas, esse tipo de parceria - chamado de coabitação ou compartilhamento - nem sempre é do agrado dos envolvidos. No entanto, eles não podem perder de vista que as decisões - tomadas ou não em conjunto - afetam professores, funcionários e alunos - e que o compromisso com a aprendizagem deve estar acima de qualquer rusga.

Não é tão raro que instituições municipais e estaduais, ou até da mesma rede de ensino, compartilhem espaço físico. Segundo o Censo Escolar de 2011, há 9.812 instituições de Educação Básica nessa situação - cerca de 6,2% das escolas públicas brasileiras. Se contarmos as 5.305 que têm turmas em outras instituições, esse número chega a 9,6%. Muitos casos de coabitação decorrem do processo de municipalização - diretriz expressa na Constituição de 1988 e ratificada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 1996, que deixou os municípios responsáveis prioritariamente pela Educação Infantil e pelo Ensino Fundamental, e os estados, pelo Ensino Médio. Foi o que aconteceu na EMEF Henrique Dias, em Porto Velho. Localizada a 60 quilômetros do centro, a instituição atendia a todos os segmentos da Educação Básica quando, em 2009, a rede estadual assumiu toda a oferta do Ensino Médio.

Até que o estado construa uma unidade nessa comunidade ribeirinha para atender à crescente demanda - o que ainda não tem previsão para acontecer -, a Henrique Dias cedeu espaço no turno da noite a um polo da EEEF Major Guapindaiá, cuja sede é no centro da capital de Rondônia. Por se tratar de uma extensão da unidade principal, o estado não designou uma equipe gestora para administrar o turno pelo qual é responsável e dividir as decisões com o diretor da Henrique Dias, José Almir Viamonte. Marie-Mônica Vasconcelos, que leciona Inglês de manhã e à tarde, assume à noite as funções que seriam da cordenação da Major Guapindaiá. Como toda a equipe docente também tem vínculo com a prefeitura, não há dificuldade para organizar os horários de planejamento e formação.

Regime de colaboração é previsto pela LDB

Diretora Alcina Batista dos Reis e Diretor Juscelino Ribeiro Costa, das EM José Estevão e EE Pe. Carlos Roberto Marques, juntas desde 2000 Foto: Dany Iyn/Fotomontagem Romulo Pacheco
Diretora Alcina Batista dos Reis e Diretor Juscelino Ribeiro Costa, das EM José Estevão e EE Pe. Carlos Roberto Marques, juntas desde 2000

Esse tipo de parceria é legítimo do ponto de vista legal. O artigo 10 da LDB prevê que os estados definam com os municípios formas de colaboração na oferta do Ensino Fundamental e assegurem a distribuição proporcional das responsabilidades, de acordo com a população a ser atendida e os recursos financeiros disponíveis em cada uma das esferas de poder. "O problema é que, por ser ampla, a lei acaba permitindo tanto experiências pertinentes como algumas absurdas", afirma Carlos Roberto Jamil Cury, professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG). Há casos em que a disputa entre as esferas administrativas provoca uma cisão do espaço físico - às vezes até por meio de divisórias e grades -, impedindo alunos de uma escola de usar a biblioteca ou o laboratório da outra, por exemplo.

Felizmente, existem gestores que conseguem proporcionar boas condições de ensino nas duas instituições. Em São Joaquim das Bicas, a 45 quilômetros de Belo Horizonte, a coabitação entre a EM José Estevão e a EE Padre Carlos Roberto Marques começou no improviso, em 2000, para atender à procura por vagas nas séries iniciais do Ensino Fundamental. Porém, com o passar do tempo, o prédio ficou superlotado.

Em vez de pedir a separação das instituições, os diretores Alcina Batista dos Reis (municipal) e Juscelino Ribeiro Costa (estadual) solicitaram às Secretarias um novo - e mesmo - espaço para as duas escolas, para o qual se mudaram no ano passado. "Seria injusto uma instituição ter de ficar em um local com infraestrutura precária e a outra se mudar para um prédio bem equipado", explica Juscelino.

Para nenhum aluno ser prejudicado, a coabitação não pode implicar na redução de carga horária de nenhuma turma nem na carência de espaço e suprimentos. Nesses casos, uma ou ambas as esferas do poder público precisam fazer as adaptações. Contudo, quando o convênio entre o estado e o município deixa lacunas sobre as contrapartidas de cada um - ou, pior, quando nem existe um documento formal explicitando a parceria -, corre-se o risco de haver um empurra-empurra de responsabilidades. "Se uma das esferas é omissa, cabe até mesmo fazer uma denúncia ao Ministério Público", diz Gilda Cardoso de Araújo, professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).

Simplificar a gestão ajuda a minimizar os desentendimentos

Diretora Sandra Bruzon e Diretora Marli Volk Trasfereti, das EM San Remo e EE Coronel Laurindo Gomes Carneiro, juntas desde 2008. Foto: Marina Piedade/Fotomontagem Romulo Pacheco
Diretora Sandra Bruzon e Diretora Marli Volk Trasfereti, das EM San Remo e EE Coronel Laurindo Gomes Carneiro, juntas desde 2008

Mesmo quando o acordo entre os entes federativos funciona, a propensão a atritos é grande. Justamente por isso, a coabitação é vista como um modelo pouco desejável de gestão. Em primeiro lugar, porque cada Secretaria tem planos de carreira, verbas e programas próprios, o que pode provocar um clima de inveja entre os colegas. Depois, porque as decisões do dia a dia - como a definição dos horários de reuniões, a atribuição de funções para os espaços e a decisão sobre a compra de materiais - não competem às redes: precisam ser resolvidas internamente e dependem de um consenso entre os gestores.

Uma solução para esse dilema é a unificar a equipe gestora. "Além de uma economia para as Secretarias, a atitude simbolizaria que a responsabilidade sobre a Educação, antes de ser municipal ou estadual, é pública e que os alunos devem ser atendidos da mesma forma", explica Gilda. Uma das redes de ensino poderia abrir mão do cargo e assumir gastos da outra. Isso exigiria, entretanto, abdicar de influência política e do controle exclusivo sobre o repasse de verbas - na prática, algo bem complicado.

Ainda assim, os dois diretores podem tentar simplificar a gestão. Um primeiro passo é ter um único conselho escolar, com os dois diretores como membros permanentes e o mesmo número de representantes de cada instituição. Dessa forma, as decisões administrativas e pedagógicas são legitimadas por ambas as partes e pela própria comunidade.

Em regime de coabitação desde 2008, as EM San Remo e a EE Coronel Laurindo Gomes Carneiro, em Monte Mor, a 121 quilômetros de São Paulo, mantêm conselhos escolares próprios. Contudo, duas vezes ao ano, são realizadas reuniões deliberativas conjuntas. Graças a esse diálogo, todos são envolvidos nos eventos que têm a participação da comunidade. Também faz parte da agenda das diretoras Sandra Bruzon (municipal) e Marli Volk Trasfereti (estadual) uma conversa diária para tratar de assuntos administrativos e pedagógicos. "Assim, todos os alunos são beneficiados pelos programas e pelas verbas estaduais e municipais", explica Sandra. Também faz parte da pauta comum a transição do Ensino Fundamental para o Médio: os docentes do 1º ano planejam em conjunto com os do 9º ano a continuidade dos conteúdos.

Sandra e Marli têm a vantagem de já terem trabalhado juntas em outra oportunidade e de se conhecerem há bastante tempo - já que a escola, antes de passar pela municipalização, era uma só. Quando não há essa proximidade, as Secretarias de Educação podem contribuir para que os gestores estabeleçam uma boa relação profissional por meio de programas de formação que contemplem essa parceria. "Um estudo prático dos pontos de atrito ajudaria os gestores a pensar em soluções para situações semelhantes", diz Heloísa Lück, diretora educacional do Centro de Desenvolvimento Humano Aplicado (Cedhap), em Curitiba (leia dicas para otimizar a rotina em escolas coabitadas no quadro abaixo). Em caso de dúvida ou desacordo, vale recorrer ao principal mandamento de um casamento duradouro: conversar.

Felizes para sempre

Se os gestores disserem "sim" a uma agenda comum, o acordo de coabitação terá mais alegrias que tristezas - e até mais riqueza que pobreza. Veja como:

- Calendário Imagine a escola sem metade dos funcionários por ser feriado no município, mas não no estado. Para resolver esse problema, elabore um calendário único e negocie a troca dos pontos facultativos para facilitar o planejamento de atividades pedagógicas e poupar gastos fixos, como energia e água.

- Secretaria Caso haja dois secretários, eles podem trabalhar na mesma sala. Centralizar os canais de comunicação, o espaço para atender os pais, a linha telefônica e a conta de e-mail libera um dos profissionais para outras tarefas.

- Merenda O ideal é que uma Secretaria fique responsável por distribuí-la e a outra repasse a verba correspondente para ratear os custos. Se não for esse o caso, os gestores podem pelo menos unificar o estoque e a cozinha, para que as merendeiras trabalhem juntas e cozinhem um só cardápio, evitando o desperdício.

- Manutenção Ainda que uma das secretarias - provavelmente a proprietária do prédio - seja responsável pela manutenção, as reformas precisam da aprovação dos dois gestores. Afinal, todos os alunos serão afetados se algum espaço for interditado.

- Aquisição de materiais Muitos livros solicitados a uma Secretaria por uma equipe gestora podem servir aos alunos da outra escola. Listar os materiais a comprar e cruzar as prioridades é a melhor solução. Quem sabe não sobram recursos para outras necessidades?

- Formação Aproveite o espaço comum e reúna os docentes das duas escolas para discutir a transição entre os segmentos. Caso o turno dos professores não coincida, os gestores podem recorrer às Secretarias para que as horas contratuais de formação sejam cumpridas em conjunto.

Quer saber mais?

CONTATOS
EMEF Henrique Dias
e EEEF Major Guapindaiá, tel. (69) 3234-1004
EM San Remo e EE Coronel Laurindo Gomes Carneiro,  e , tel. (19) 3889-2093
EM José Estevão e EE Padre Carlos Roberto Marques, tel. (31) 3534-8221 

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