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Aloizio Mercadante: "Sem a valorização do professor não há qualidade na Educação"

Defensor do cumprimento da lei do piso, incluindo 1/3 da jornada para formação, o ministro aponta a necessidade de alfabetizar as crianças até 8 anos para garantir a aprendizagem plena por toda a escolaridade

POR:
Denise Pellegrini, Maggi Krause, GESTÃO ESCOLAR
Aloizio Mercadante. Foto: Carol de Góes
Aloizio Mercadante

Desde janeiro à frente do Ministério da Educação (MEC), Aloizio Mercadante coordena uma estrutura gigantesca, que abarca 2 milhões de professores e 56 milhões de crianças e jovens, da creche à pós-graduação. Ministro da Ciência e Tecnologia por dois anos, ele trouxe para o novo posto sua experiência de mais de 15 anos na docência. Mercadante lecionou Economia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC- SP), onde teve o privilégio de conviver com Paulo Freire (1921-1997). "Ele era um educador em tempo integral. Em todos os gestos, todas as palavras, todas as frases. Para mim, é a melhor referência de professor", afirma.

Preocupado com a valorização da carreira e com a qualidade na Educação, ele defende o cumprimento da lei do piso, inclusive do período de 1/3 da jornada para a hora-atividade - com formação efetiva - e a preparação dos educadores para o trabalho com a tecnologia. Casado com uma professora que lecionou por 20 anos para turmas de alfabetização, o ministro tem nessa fase um dos focos de sua gestão. O objetivo é ensinar todas as crianças a ler e escrever até os 8 anos. "Se há problemas nesse início, toda a escolarização fica prejudicada, levando à reprovação e ao abandono." Numa sala anexa ao seu gabinete, em Brasília, ele recebeu NOVA ESCOLA em meados de março para esta entrevista exclusiva.

O que fazer para tornar a carreira docente mais atrativa?
MERCADANTE
Não existe qua-lidade na Educação se a carreira não for valorizada. E isso começa com melhores salários. É fundamental que o piso seja atrativo, pois ele motiva o ingresso no Magistério. Afinal, os jovens têm várias outras opções. Também é importante na lei do piso o estabelecimento da hora-atividade. Ela não pode ser concebida ape- nas como uma reivindicação sindical. Precisa se traduzir em formação continuada, em troca de experiências na avaliação dos alunos e, principalmente, deve estar associada a um projeto pedagógico da escola.

Mas há estados que ainda não pagam o piso e não disponibilizam 1/3 da jornada para a formação.
MERCADANTE
Reconheço que o reajuste de 22,2% no piso nacional parece alto para alguns estados e municípios que têm dificuldade em pagá-lo. Mas estamos falando de um pouco mais de dois salários mínimos O piso tem de continuar crescendo num ritmo compatível com a situação fiscal e orçamentária. Sobre a hora-atividade, em algumas circunstâncias, não se deve forçar seu cumprimento, mas dar um prazo para que seja implantada. É preciso diá-logo e esse será um esforço do MEC.

Atualmente, 57% dos municípios brasileiros ainda não têm plano de carreira. O que o MEC pode fazer para solucionar o problema?
MERCADANTE
Vincular o acesso a vários programas do Ministério à adoção do plano é uma alternativa. Não queremos punir, mas incentivar boas práticas. Antes, vamos equacionar o problema do piso. Superando isso, discutir a evolução da carreira. Além de ter um bom salário de ingresso, deve-se ter uma perspectiva de promoção, de crescimento. Como os prefeitos estão em fim de mandato, essa é uma pauta prioritária em 2013.

O Ministério tem planos de um contato mais efetivo com as universidades visando a melhoria dos cursos que formam professores?
MERCADANTE
Temos de ter uma relação mais orgânica entre a rede federal de universidades e a formação de professores. Essa distância não pode continuar. Só 16% dos educadores da rede vêm das universidades públicas, que precisam se debruçar sobre o desafio do Ensino Fundamental e do Médio. Mesmo porque são esses alunos que depois, amanhã, vão estar matriculados na faculdade. Estamos em discussão com a Diretoria de Desenvolvimento da Rede de Instituições Federais de Ensino Superior (Difes) para atacar essa questão.

Os cursos de Licenciatura e de Pedagogia não formam os professores para a prática na sala de aula. Como suprir essa deficiência?
MERCADANTE
Oferecendo bolsas de estudos a alunos de Licenciatura para que façam uma residência educacional, semelhante à residência médica. Serão 45 mil. Os professores precisam da experiência do dia a dia, além da teoria. Para os professores que já ingressaram na carreira, estamos elaborando o programa Escolas sem Fronteira, que permite fazer estágio nas melhores escolas e faculdades de Pedagogia do Brasil. A intenção é premiar com bolsas os profissionais cujas unidades de ensino tiveram evolução no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e melhor desempenho na alfabetização.

Quais os planos para elevar os índices de alfabetização das crianças?
MERCADANTE
Primeiro ace- lerar o Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a Rede Escolar Pública de Educação Infantil (Proinfância), pois temos uma cobertura ainda insuficiente na Educação Infantil: 23,6% na creche e 80,1% na pré-escola. A creche é importante por causa da nutrição e do acompa- nhamento neurológico e emocional dos bebês. E a pré-escola porque contribui para a alfabetização. Quando as crianças conhecem os materiais, entendem o arranjo social da escola, aprendem a conviver nesse ambiente e são estimuladas intelectualmente, vão para a alfabetização em melhores condições. O Programa Alfabetização na Idade Certa (Paic) tem o objetivo de ensinar todas a ler e escrever até os 8 anos.

O que prevê o programa?
MERCADANTE
Ele vai incluir produção de material didático de me- lhor qualidade, formação inicial e continuada, avaliações aos 7 e aos 8 anos de idade para verificar o aprendizado e orientação à coordenação pedagógica. O país não pode continuar com desigualdades nessa faixa etária. No Paraná, ape- nas 4,9% das crianças não são alfabe- tizadas, enquanto no Pará são 32% nessa situação. Se não resolvermos a questão da alfabetização, todo o processo de aprendizado posterior fica comprometido, o que acaba motivando o abandono.

O que está sendo feito para aprimorar a qualidade de ensino e diminuir os índices de reprovação e abandono?
MERCADANTE
Uma das iniciativas é o Programa Mais Educação, de ensino em tempo integral (sete horas por dia). Com uma jornada escolar maior, melhora o processo de aprendizagem. A prioridade está nas disciplinas de Língua Portuguesa, Matemática e Ciências, que são essenciais, mas o programa inclui dez macrocampos - como arte, cultura e esporte - complementares à grade regular e que podem ser escolhidos pela escola. A meta era chegar em 2014 com mais 32 mil escolas incluídas, mas serão 30 mil só em 2012.

Quais são os planos para levar tecnologia às escolas?
MERCADANTE
Os professores são imigrantes digitais. Os alunos, nativos digitais. Se as mudanças em relação à tecnologia começam pelo professor, ele ganha mais segurança. No momento seguinte, quando os estudantes tiverem acesso, ele estará mais preparado e liderará o processo. A tecnologia não substitui a relação professor/aluno. Mas o educador, na sociedade atual, deve funcionar como uma antena parabólica. Ele precisa captar mudanças, trazer novidades, ser atualizado. Vamos começar pelo Ensino Médio, pois é lá que está o maior nó do sistema hoje.

E qual o futuro do programa Um Computador por Aluno?
MERCADANTE
Fizemos uma experiência em cinco escolas por estado, em que distribuímos 150 mil computadores. Pesquisadores avaliaram o desempe-nho dos alunos, verificaram os maiores problemas de infraestrutura, as dificuldades dos professores, como aconteceu a relação professor/aluno e o impacto na comunidade. O resultado, em geral, é positivo. Mas vamos aguardar a finali- zação da pesquisa, que analisará o uso do computador em sala de aula por um ano. Não iremos avançar sem antes ter segurança pedagógica, sem corrigir as deficiências observadas.

Falamos de computadores, mas muitas escolas não têm acesso à internet e carecem de infraestrutura básica.
MERCADANTE
Devemos dar recursos a obras de saneamento e água, que são elementares e priorizar 11 mil escolas no programa Luz para Todos. A meta é, em três anos, universalizar o acesso à energia elétrica. Além disso, precisamos construir mais de 3 mil escolas. As do campo estão em pior situação: 94% não têm banda larga, 90% não têm internet, 15% não têm luz, 10,4% não têm água e 14,7% não têm esgoto.

O que será feito pela Educação das áreas rurais?
MERCADANTE
O Programa Nacional de Educação no Campo (Pronacampo) vai ser um grande caminho. Ele inclui uma mudança curricular importante, associando o Mais Educação às raízes e aos valores do campo. Além disso, cerca de 156 mil professores da zona rural só têm o Ensino Médio e mais de 4 mil só o Fundamental, o que pede um grande esforço na formação.

O Pronacampo vai funcionar com as escolas maiores e as pequenas serão fechadas?
MERCADANTE
Não. Hoje 22% das matrículas no campo são feitas em unidades multisseriadas, e nosso esforço é no sentido de que as crianças estudem nesse sistema só até o 1º ciclo. Para melhorar a mobilidade, 8 mil ônibus e, na Região Norte, 2 mil lanchas vão permitir o acesso a unidades com maior estrutura. Implantado esse programa, os prefeitos não poderão fechar escolas culpando o custo de transporte. Terão de ter aprovação do Conselho Municipal de Educação para isso. Nos últimos cinco anos, 13.691 foram fechadas. Hoje se considera mais barato fechar a escola e fazer as crianças andarem uma distância cada vez maior, mas é preciso reto- mar a discussão de critérios.

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