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2º módulo: as condições didáticas de produção escrita

Formação continuada em produção de texto

POR:
GESTÃO ESCOLAR

Ao produzir um texto, seja qual for o gênero - romance, carta, crônica -, é essencial levar em conta por que e para quem se vai escrever. Também é importante ter informações sobre o assunto que enriqueçam o conteúdo em questão. Os propósitos da escrita e a alimentação temática são alguns dos aspectos abordados neste segundo módulo sobre produção textual. A ideia é que você, coordenador pedagógico, investigue com os professores, por meio do gênero carta, características como estilo, recursos linguísticos e organização textual. Ainda nesta edição vamos tratar da relação da produção escrita com outros eixos do ensino da Língua Portuguesa, como leitura, oralidade e análise linguística. O projeto foi produzido com exclusividade por Maria Cristina Zelmanovits, pesquisadora do Centro de Estudos e Pesquisa em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), em São Paulo.

Objetivo geral
Formar professores do 1º ao 5º ano para trabalhar com a produção textual dos alunos.

Objetivos específicos deste módulo
- Aprofundar o olhar do grupo sobre algumas das condições envolvidas na produção de texto - o trabalho com gêneros, os propósitos da escrita e a alimentação temática.
- Observar a relação entre produção escrita e os outros eixos do ensino da Língua Portuguesa (leitura, oralidade e análise linguística).

Conteúdos 
- Condições de produção escrita.
- Estilo.
- Recursos linguísticos.
- Organização textual.

Tempo estimado
Um mês (três reuniões de duas horas cada uma).

Material necessário
Cópia das cartas 1, 2 e 3 deste encarte.

Desenvolvimento

1ª reunião: Modelos de cartas 

Para iniciar o encontro, retome com os professores duas questões tratadas no primeiro módulo. Peça para que eles as comentem:

1. Na lista de checagem, qual a diferença entre o item que afirma que os autores foram informados sobre o gênero a ser escrito e o que diz haver uma preocupação da professora em apresentá-lo aos alunos? A intenção dessa atividade é fazer a distinção entre nomear um gênero e dar a conhecê-lo. Ao propor à turma uma produção textual com base em determinado gênero, explique aos professores que é preciso investigar o conhecimento da classe sobre o assunto para poder planejar as atividades.

2. Analisando a situação em que a professora promove um estudo sobre os índios e a turma escreve uma carta coletiva à Funai, observou-se que faltaram atividades para que os alunos se apropriassem das características do gênero carta antes de produzi-lo. Diante disso, pergunte ao grupo que tarefas poderiam ter sido propostas com esse fim. Na sequência, sugira a leitura das correspondências a seguir para que o grupo as classifique e identifique as semelhanças e os propósitos de cada uma.

Carta 1

São Paulo, 21 de março de 2011

E aí, prima querida! Você não sabe como sinto saudades de nossas férias. Agora, de volta às aulas, acabaram-se os dias de sol e mar com a galera animada que você me apresentou. E as noites então?

Falando nisso, acho que deu pra perceber o quanto fiquei a fim da Carol. Além de muito gata, ela tem um humor contagiante! Queria escrever pra ela. Me passa o endereço por favor? Acho que carta entregue pelo correio vai convencer mais...

Por aqui, tudo bem. Aulas pela manhã, esporte à tarde e baladas no fim de semana. Numa delas encontrei o Caio, lembra? Ele perguntou de você, contou que andam trocando mensagens no Face e sondou se está namorando.

Meus pais mandam um abração pra todos. Eles planejam ir à festa de aniversário de sua mãe em abril. Quem sabe eu me dou bem e consigo um lugar no voo? Se rolar de eu ir, dá um jeito de levar a Carol, tá?

Bom, vou nessa porque tenho que estudar para a primeira prova do ano.

Beijão e tudo de bom pra você,
Marquito

Carta 2

Rio de Janeiro, 14 de agosto de 2011

Ao Gerente da Loja Vende-se,
No último dia 10, recebi o fogão que comprei em seu estabelecimento, mas, após instalá-lo, vi que não funcionava. Diante disso, recusei a entrega e solicitei que me enviassem outro o quanto antes, pois já paguei pelo eletrodoméstico e tenho uma família de cinco pessoas para alimentar. Porém até a presente data continuo sem fogão.

O inadmissível atraso na resolução do problema vem causando vários transtornos ao cotidiano da família. Por esse motivo, ou a loja entrega em no máximo três dias outro fogão ou anularei a compra e exigirei o pagamento de volta.
Sem mais,
João Castro

P.S. - Entre em contato o quanto antes para me dar uma posição no telefone 8156-2061.

Carta 3

De: carmemluciasantana@universidade.com.br 
Para: diretorderedacao@escola.com.br 
Assunto: Solicitação de entrevista 
Enviada em: 30/05/2011 11h34
 

Porto Alegre, 30 de maio de 2011 

A/C do Exmo. Senhor Diretor de Redação 

Sou Carmem Lúcia Santana, professora de uma escola estadual e aluna de mestrado da UFRGS. Escrevo para solicitar uma entrevista com o senhor para coletar elementos para minha tese.

O trabalho visa a análise de publicações voltadas aos gestores escolares e a contribuição de sua instituição me será valiosa. Posso entrevistá-lo pessoalmente, por telefone ou e-mail. Peço-lhe a gentileza de me indicar a forma mais adequada, caso minha solicitação seja aceita.

Coloco-me à inteira disposição para prestar maiores esclarecimentos a respeito do trabalho e agradeço antecipadamente a atenção. 

Respeitosamente, 
Profa. Carmem Lúcia Santana

O grupo deve concluir que os exemplos trazem conversas em que um interlocutor identificado se dirige a outro, com fórmulas de abertura e despedida, datas e assinaturas e até uma sigla ("P.S.") - padrões que precisam ser conhecidos e respeitados. Na carta 1, um jovem comenta com a prima sobre as férias e o cotidiano; na carta 2, um comprador explica sua indignação e exige providências do gerente de uma loja; na carta 3, enviada por e-mail, uma universitária pede uma entrevista ao diretor de redação de uma revista. As correspondências são classificadas, respectivamente, como íntima, de reclamação e de solicitação. Mostre outros modelos que sirvam de análise para detectar o que os professores já sabem e (re)conhecem sobre o gênero e o que precisa ser aprofundado. Depois, questione se, assim como eles, os alunos conhecem as características dos diversos formatos a ponto de poderem recorrer ao modelo que mais servir aos seus propósitos no momento de escrever uma carta.

Coordenador, lembre ao grupo que, ao propor essa atividade aos alunos, é preciso escolher modelos adequados à faixa etária, dar mais exemplos (duas cartas íntimas, duas de solicitação etc.) e fazer a leitura em voz alta para a turma

Finalize o encontro lendo em voz alta a crônica Carta a uma Senhora, de Carlos Drummond de Andrade, e, se possível, distribua cópias à turma. Para a próxima reunião, peça que pesquisem diferentes cartas com vistas à ampliação de repertório. Sugestões: Cartas Perto do Coração, de Fernando Sabino e Clarice Lispector; Minhas Queridas, de Clarice Lispector; Cartas da Mãe, de Henfil; Cartas a um Jovem Poeta, de Rainer Maria Rilke.

2ª reunião: Propósitos da escrita

Retome as correspondências deste encarte para propor aos professores as atividades abaixo.

1. Localizar e grifar nos textos palavras ou expressões que mostrem o grau de intimidade entre os interlocutores e o tom (menos ou mais formal) da linguagem utilizada. Ressalte o modo como cada remetente se dirige ao destinatário ("prima querida", "Ao Gerente", "senhor"), as fórmulas de despedida e as assinaturas ("Beijão e tudo de bom pra você", "sem mais", "Respeitosamente") e as expressões e palavras utilizadas ("pra", "galera", "solicitei", "visa a", "peço-lhe"). Fica claro a informalidade da carta 1 e o tom mais sério das outras duas comunicações.

2. Os trechos abaixo têm em comum o fato de os remetentes desejarem algo de seus destinatários - um simples pedido, uma exigência e uma solicitação elegante. Sugira que o grupo localize palavras ou expressões que confirmem essa ideia. Chame a atenção para os recursos linguísticos que evidenciam os diferentes estilos para comunicar um desejo - um simpático pedido ("se rolar"), uma firme exigência ("ou a loja entrega, ou anularei a compra") e uma solicitação ("peço-lhe a gentileza").

Carta 1

"Quem sabe eu meu dou bem e consigo um lugar no voo? Se rolar de eu ir, dá um jeito de levar a Carol, tá?"

Carta 2

"Por este motivo, ou a loja entrega em no máximo três dias outro fogão ou anularei a compra e exigirei o pagamento de volta."

"PS - Entre em contato o quanto antes para me dar uma posição no telefone 8156-2061."

Carta 3

"Escrevo para solicitar uma entrevista com o senhor, para coletar elementos para minha tese."

"Peço-lhe a gentileza de me indicar a forma mais adequada, caso minha solicitação seja aceita."

3ª reunião: Composição de um texto

Use a carta 3 como modelo para observar as partes que a compõem (introdução, desenvolvimento e conclusão). 

- Na introdução (primeiro parágrafo), a autora se apresenta brevemente ao interlocutor, oferecendo apenas as informações necessárias à conversa que quer ter. Observe que a escolha do verbo na primeira pessoa do indicativo se mantém no início dos outros parágrafos. 

- No desenvolvimento (segundo e terceiro parágrafos), a autora explica objetivamente o motivo do contato e presta um breve esclarecimento sobre o tema de seu trabalho. Em seguida, apresenta possibilidades para a realização da entrevista e pede orientações sobre como encaminhá-la. 

- Na conclusão (último parágrafo), a autora se dispõe a ampliar as informações oferecidas e agradece a atenção de seu interlocutor. Sugira ao grupo que repita o exercício com as outras cartas, fazendo a localização e a análise das partes que as compõem e observando a articulação entre elas. Alguns aspectos merecem destaque: 

- Introdução A carta 3 é a única que deixa claro quem é o remetente logo no primeiro parágrafo. Na carta 1, a apresentação seria completamente inadequada e o remetente já começa relembrando momentos vividos com a destinatária. Na carta 2, a descrição do fato leva o destinatário a inferir que se trata de um comprador. 

- Desenvolvimento Na carta 1, as lembranças da introdução abrem espaço para novidades e, na carta 2, são apontadas as consequências do fato descrito no início do texto. 

- Conclusão Na carta 1, há uma explicitação de motivo para a interrupção da conversa, enquanto na carta 2 é feita uma exigência de providências diante da situação e de suas consequências. Assim, é possível perceber que, embora as três cartas tenham começo, meio e fim definidos, o conteúdo e os propósitos comunicativos exigem diferentes articulações entre os elementos que constituem o discurso e o uso da forma mais adequada diante do que se quer comunicar, promovendo ainda a reflexão sobre as escolhas lexicais (vocábulos utilizados). Abaixo, algumas questões para debate.

Discuta

1. Ao trabalhar em sala de aula com a produção de textos escritos, só a aprendizagem da escrita é privilegiada? 

2. Como o eixo da escrita se articula com escuta e produção de textos orais, leitura e análise linguística? 

3. Essa articulação entre os eixos é sempre possível? Para articular a escrita aos demais eixos, observe que: 

- Para conhecer as características de um gênero e incorporá-las aos seus textos, os alunos têm de ler e escutar leituras em voz alta de textos desse gênero, de modo que se apropriem de suas regularidades e variações. 

- Para saber o que e como dizer nos textos que irão produzir, os alunos devem conversar e debater, ou seja, envolver-se com questões da oralidade. 

- Para dominar os recursos linguísticos envolvidos na construção da textualidade, os alunos têm de refletir sobre eles e se apropriar dos conceitos necessários para compreendê-los, isto é, realizar operações de análise linguística. (Observação: as cartas analisadas são um ótimo contexto para o trabalho com pronomes de tratamento, nomes próprios, verbos, sinais de pontuação e outros.) Lembre que a articulação entre os eixos é possível desde que o professor saiba o que explorar em cada etapa. Isso vale para as cartas e outros gêneros.

4ª reunião: Alimentação temática

Para discutir como ajudar os alunos em relação à produção textual, lance a dúvida: ter apenas o contato com textos do mesmo gênero que será escrito basta para inspirar uma produção textual? Já vimos que só se descobre o perfil de um gênero lendo textos desse gênero. Mas, para ter o que dizer é preciso ler sobre o assunto e conversar sobre ele baseado em outras fontes. Para esclarecer essa ideia, retome, lendo em voz alta, a situação 4 do primeiro módulo, que mostra o esforço da professora em ampliar o repertório dos alunos. Em seguida, peça aos professores que narrem suas experiências sobre o assunto. Eles se preocupam com a alimentação temática antes de pedirem que os alunos escrevam? Selecionam fontes variadas e adequadas à faixa etária da turma? Propõem questões para observar se os alunos entenderam as informações? Para finalizar, entregue a cada professor uma cópia do texto Caminhos da Escrita, de Egon de Oliveira Rangel, disponível no site. Após a leitura em silêncio, sugira aos professores que selecionem os principais dados, relacionando-os com o que estudaram neste módulo. No próximo encarte, além seguir com as condições de produção, vamos abordar outros aspectos: qualquer gênero pode ser explorado com alunos das séries iniciais do Ensino Fundamental? Como trabalhar o tema com alunos não alfabetizados? Até breve!

Quer saber mais?

BIBLIOGRAFIA
Gêneros Orais e Escritos na Escola
, Bernard Schenewly, Joaquim Dolz e colaboradores, 240 págs., Ed. Mercado das Letras, tel. (19) 3241-7514, 58 reais.
Ler e Escrever na Escola: O Real, o Possível e o Necessário, Délia Lerner, 128 págs., Ed. Artmed, tel. 0800-703-3444, 36 reais.