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Merenda escolar sustentável

Saiba qual é o caminho do alimento que nutre o estudante, mas também educa e movimenta a economia local

POR:
Ocimara Balmant
Produtos fresquinhos. Foto: Erônemo Barros
Produtos fresquinhos Escolas de Maracaju (MS) consomem alimentos da região, como leite, mel, feijão e hortaliças
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O feijão servido na EM Júlio Müller, em Maracaju, a 160 quilômetros de Campo Grande, não vem de longe. É produzido ali perto por um pequeno agricultor. A farinha de mandioca, alimento típico que não falta na merenda, vem de outro sítio da região. O leite que abastece toda a rede municipal também é originário do rebanho da mãe de um aluno, que se tornou parceira da escola. Depois que os ingredientes passaram a ser adquiridos dos produtores locais, as crianças consideram que a comida ficou mais gostosa. Carolina Ferreira, secretária de Educação da cidade, acrescenta outros dados nessa avaliação: "Os alunos estão mais sadios e interessados, faltam menos às aulas e o rendimento aumentou. Ao mesmo tempo, as famílias também se beneficiaram, já que muitas são produtoras e, antes do convênio com a prefeitura, não tinham com quem fazer comércio."

A história de Maracaju, município de 40 mil habitantes, é uma mostra do que deveria se repetir em todo o Brasil. A lei nº 11.947/2009, que regulamenta a alimentação escolar, trata o conceito de sustentabilidade a sério, levando em conta não apenas o meio ambiente, mas também a cidadania e o desenvolvimento local. Ela exige, por exemplo, que o cardápio respeite as tradições e os hábitos culinários regionais e que pelo menos 30% dos recursos repassados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para alimentação sejam gastos na aquisição de produtos da agricultura familiar. Além disso, essa legislação prevê a inclusão da Educação nutricional no processo de ensino e aprendizagem, transporte e armazenamento corretos de frutas, verduras, carnes e outros itens, preparo adequado das refeições e forma de servir que estimule a autonomia dos alunos (veja o box desta página).

Em toda essa trajetória, a participação do diretor é fundamental para que as pausas para refeição não virem apenas momentos de interrupção das aulas. Ao entender a forma de se alimentar como conteúdo pedagógico, ele transforma o ato de comer em uma prática educativa. "Quando o gestor é nosso parceiro, a equipe toda funciona melhor", afirma Marcelo Colonato, diretor do departamento de alimentação da rede municipal de Guarulhos, na Região Metropolitana de São Paulo. Até o ano passado, ele presidiu o Conselho de Alimentação Escolar (CAE) da cidade, órgão responsável por acompanhar a aplicação dos recursos transferidos pelo Governo Federal e zelar pela qualidade dos produtos. "Os problemas mais comuns eram merendeiras trabalhando sem os equipamentos e as roupas necessárias, a troca de itens do cardápio e o uso de utensílios quebrados. Quando o diretor está envolvido, isso quase não ocorre." A seguir, a GESTÃO ESCOLAR traz histórias de municípios e escolas que cuidam dos alimentos que compõem a merenda, desde a produção até o descarte.

Comprar de pequenos agricultores fortalece a economia local

Uma alimentação sustentável começa na escolha do modelo apropriado de produção. Assim como o feijão que está no prato dos 5 mil alunos de Maracaju não é cultivado em latifúndios, a mandioca, o leite, o mel e as hortaliças são comprados de agricultores da região. A cidade investiu, no ano passado, 32% dos recursos do FNDE na produção local e está entre os cerca de 28% dos municípios brasileiros que compram do pequeno empreendedor rural, segundo questionário feito em 2010 pelo FNDE e pelo Ministério de Desenvolvimento Agrícola (MDA) e respondido por 14 secretarias estaduais e 3.122 municipais. "O processo de aquisição das mercadorias é extremamente complexo porque envolve as Secretarias de Educação, da Agricultura e seus departamentos de planejamento e compras. O Brasil tem investido nesse setor, a exemplo das políticas públicas de crédito e seguro que estimulam o pequeno agricultor a produzir sem precisar competir com os grandes", afirma Flávia Schwartzman, coordenadora regional do Curso de Alimentação Escolar da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO/ONU).

Cumprir a meta dos 30% não é simples, independentemente do tamanho da rede. Nos pequenos municípios, é preciso articular e formar os empreendedores rurais. Foi o que ocorreu em Maracaju. Para ultrapassar o mínimo legal estabelecido, a prefeitura teve que combater os dois principais problemas apontados no levantamento do FNDE: a falta de estrutura dos produtores e a dificuldade logística. Como as 20 famílias que fornecem para as escolas ainda não se reuniram para organizar a produção, o empacotamento e o transporte dos alimentos, o município cedeu maquinários - como tratores e plantadeiras - e se responsabiliza pela entrega nas escolas.

Da produção ao descarte

Da produção ao descarte. Ilustração: Flávia Marinho

1. Produção A Lei da Alimentação Escolar define que 30% dos recursos repassados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para a merenda sejam aplicados na compra de produtos de agricultura familiar. O objetivo é respeitar os hábitos alimentares da região e, ao mesmo tempo, fomentar a economia local.

2. Distribuição O trajeto até a escola depende do tamanho da cidade e da organização dos produtores. Os municípios maiores costumam ter cooperativas que cuidam de agrupar os alimentos antes de levá-los ao consumidor final. Já nas cidades menores, em que os agricultores não têm infraestrutura, a prefeitura pode assumir o transporte dos alimentos - os perecíveis exigem veículos refrigerados.

3. Armazenamento A escola precisa ter uma cozinha equipada com refrigeradores e dispor de prateleiras instaladas em locais frescos e secos para a estocagem dos alimentos. O indicado é que os perecíveis, como carnes, verduras e legumes, sejam consumidos em até uma semana.

4. Cardápio O cardápio deve ser elaborado por um nutricionista habilitado e planejado de acordo com a faixa etária, sempre respeitando os hábitos alimentares, a sustentabilidade e a diversificação agrícola da região. Para cada novo item incluso, é preciso aplicar o teste de aceitabilidade (previsto pela resolução nº 38, de 2009).

5. Consumo A escola deve prever no currículo a Educação alimentar e nutricional. Adotar o sistema self-service, por exemplo, ajuda a desenvolver a disciplina e a autonomia das crianças, fazendo com que elas mesmas montem um prato diversificado, com alimentos que supram as necessidades de proteínas, fibras e carboidratos.

6. Descarte A quantidade de comida produzida deve atender ao consumo per capita de cada escola de forma a evitar sobras. Ainda assim, após as refeições, o lixo reciclável deve ser reaproveitado. Já o lixo orgânico pode ir para uma composteira, virar adubo e ser utilizado na própria terra em que os alimentos são produzidos.

Cooperativas de produtores rurais são opção para os grandes centros

Cardápio regional. Foto: Odair Leal
Cardápio regional Rede de ensino de Rio Branco (AC) incluiu a castanha do Brasil e a tapioca na merenda
Política premiada. Foto: Sheila Marangoni
Política premiada Merendeiras têm plano de carreira e cuidam das planilhas de estoque em Concórdia (SC)

Nas cidades grandes, um dos principais entraves é a quantidade de alimentos necessária para dar conta de todas as escolas. A prefeitura de Rio Branco só chegou a 40% de consumo da produção rural porque negociou com quatro cooperativas que agregam 280 produtores e cuidam de toda a logística. "Eles têm boa infraestrutura e se organizam para atender à demanda", diz Francisco Marcelo da Silva Araújo, coordenador geral de alimentação do município. Foram eles, inclusive, que sugeriram incluir no cardápio produtos típicos, como a tapioca e a castanha do Brasil.

Outra opção para quem compra um volume maior de alimentos é ampliar o raio de procura. Santo André, na Grande São Paulo - rede que conta com 115 mil alunos -, foi buscar produtores rurais no interior do estado. "O suco de laranja vem de Itápolis, distante 375 quilômetros", diz Alessandra Martins de Souza, supervisora de alimentação escolar do município. Essa é uma estratégia que tem amparo legal, explica Flávia, da FAO: "A lei prioriza o município, depois a região, o estado e, por fim, o país". Favorecer alimentos regionais não implica em excluir itens da cultura nacional, como o arroz. "Se não há produção local, o jeito é comprar mais longe", afirma Alessandra.

Carnes e hortaliças exigem transporte em veículos refrigerados

A produção adequada e diversificada, no entanto, é apenas o início do caminho. Para que todo o processo seja sustentável, o alimento precisa chegar à escola com qualidade, o que exige transporte e armazenamento bem feitos. Antes de virar suco, o cajá que sai de uma pequena propriedade de Rio Branco é levado em caminhão refrigerado até a sede da cooperativa. Lá, vira polpa, é embalado, recebe o selo de qualificação e só depois é distribuído. Todo o procedimento é de responsabilidade das cooperativas, com a fiscalização da vigilância sanitária e o acompanhamento dos gestores. Ao receber qualquer carregamento, as instituições de ensino respondem a um relatório, no qual atestam a quantidade recebida, a qualidade e a regularidade. "Aos diretores, cabe supervisionar o trabalho do funcionário que recebe o caminhão ou o carro com caixas isotérmicas e confere a limpeza e refrigeração do veículo. Queremos garantir a idoneidade", explica Araújo.

Em Concórdia, a 460 quilômetros de Florianópolis, os gestores também controlam o envio mensal de planilhas - com dados sobre a quantidade e validade dos alimentos - à Secretaria de Educação. Esses documentos são preenchidos pelas merendeiras e permitem que a rede de ensino envie a quantia certa de cada produto, dosando o volume segundo o que está faltando ou sobrando no estoque de cada escola. O município recebeu, em 2011, o prêmio Gestor Eficiente da Merenda Escolar na categoria Valorização Profissional das Merendeiras, resultado de um projeto que reduziu a carga horária de 44 para 40 horas semanais e criou um plano de carreira e uma capacitação trimestral para as profissionais da rede.

Educação nutricional deve estar prevista no currículo

O visual pode agradar e o cheiro até atrair, mas poucas crianças chegam à escola amantes de abobrinha refogada com tomate. "Para que o aluno tenha uma reflexão crítica sobre o ato de comer, o assunto precisa ir além da comida saudável", explica Ligia Amparo da Silva Santos, nutricionista do Centro Colaborador em Alimentação e Nutrição do Escolar da Universidade Federal da Bahia (Cecane/UFBA). "A Educação nutricional deve constar de um projeto político-pedagógico (PPP) que contemple as diversas disciplinas e se aproprie, por exemplo, da história da alimentação na humanidade, desde a revolução agrícola."

Um dos instrumentos mais eficazes para esse aprendizado é a horta, por permitir à criança explorar os alimentos e funcionar como espaço de ensino e aprendizagem. É no meio dos canteiros que um aluno pode ter contato com conhecimentos das áreas de ecologia, saúde, alimentação, trabalho e cultura.

Se depois disso o apreço pela abobrinha não for imediato, certamente a repulsa será vencida. Mesmo que com a ajuda de pequenas táticas. "A torta de carne moída, por exemplo, leva verduras", conta Susy Mônica Pagliarini, nutricionista responsável pela alimentação escolar em Brasilândia do Tocantins, a 234 quilômetros de Palmas. No pequeno município, com três escolas, ela aplica o teste de aceitabilidade todos os semestres a uma mostra de alunos. O objetivo é averiguar a aceitação do cardápio regular ou de pratos novos. Frutas e legumes não entram no questionário: eles devem, obrigatoriamente, ser oferecidos em todas as refeições.

Ao se servir sozinhos, alunos aprendem a valorizar o que comem

Estímulo à autonomia. Foto: Marina Piedade
Estímulo à autonomia Serviço de self-service nas escolas de São Bernardo (SP) funciona como atividade desafiadora
Restos reutilizados. Foto: Aelson Ribeiro
Restos reutilizados Em Londrina (PR), alunos aprendem a transformar sobras de comida em adubo

Investir no serviço self-service também traz benefícios ao aprendizado. Em São Bernardo do Campo, na região metropolitana de São Paulo, os 80 mil alunos da rede municipal se servem em balcões térmicos há 12 anos. "Quando as crianças entendem o que é comer bem, passam a fazer um prato colorido e do tamanho da fome", explica Vanessa Angelo Garcia, chefe de divisão de alimentação escolar da rede municipal.

Essa costuma ser a resposta natural a um desafio instigante, explica Elza Corsi, formadora do Instituto Avisa Lá, em São Paulo: "A criança, ao perceber que o adulto a reconhece capaz de fazer algo sozinha, o faz com muita competência. Com isso, ganha autonomia nessa fase, em que pequenas decisões vão determinar o jeito de comer para toda a vida."

Restos de alimentos servem de adubo em horta pedagógica

Em uma merenda sustentável, nem as sobras vão para o lixo. Em Londrina, a diretora da EM Carlos Kraemer, Suelan Rodrigues Petrini, resolveu, em 2009, evitar o desperdício e, ao mesmo tempo, incrementar o currículo. Com a participação dos alunos, o resto de comida começou a ser pesado e colocado em uma composteira. "Tornou-se um evento. Eles presenciavam todo o processo químico-físico da transformação do composto em adubo, que depois era usado nos canteiros de rúcula, alface e rabanete. Quando as verduras cresceram, fizemos uma pizza de rúcula cheia de "conteúdo": trabalhamos frações no momento de partir a pizza e geometria ao construirmos uma planta tridimensional do refeitório", afirma Suelan.

Modelo, o projeto foi premiado e ampliado para outras escolas da cidade. No entanto, a popularidade da composteira diminuiu por falta de matéria-prima. "O desperdício acabou e a alimentação melhorou. Ao entender o processo de produção, os alunos passaram a comer mais legumes e verduras."

Quer saber mais?

CONTATOS
Conselho de Alimentação Escolar de Guarulhos, tel. (11) 2408-5137
EM Carlos Kraemer, tel. (43) 3337-9581
EM Júlio Müller, tel. (67) 3405-1007
Elza Corsi
Flávia Schwartzman
Ligia Amparo da Silva Santos