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Entrevista com Luiz Marduk, diretor da EM Tasso da Silveira

O gestor da escola que foi palco da tragédia em abril de 2011, no bairro do Realengo, no Rio de Janeiro, conta como conseguiu fazer a instituição voltar a funcionar

POR:
GESTÃO ESCOLAR, Aurélio Amaral
Luiz Marduk. Foto: Fernando Frazão
Luiz Marduk

A EM Tasso da Silveira quase não guarda semelhança com a escola que o Brasil conheceu de perto após o massacre que aconteceu em abril deste ano, quando um ex-aluno matou a tiros 12 crianças dentro de uma sala de aula. Desde junho, a Tasso - como é conhecida entre os moradores de Realengo, bairro da Zona Oeste do Rio de Janeiro - se transformou em um canteiro de obras. Cerca de 30 profissionais trabalham diariamente na reforma do prédio, que, até dezembro, deve ganhar uma biblioteca, laboratórios de informática e de ciências, uma sala multiúso para aulas de dança, um auditório com capacidade para 100 pessoas e uma quadra de esportes inteiramente reformulada.

Porém não é só a estrutura física da instituição que está diferente. O clima por lá também mudou. Quase todos os professores, funcionários e alunos retomaram a rotina de aulas e aqueles que continuam sob o acompanhamento de médicos e psicólogos mantêm contato frequente com a comunidade escolar e pretendem voltar logo à rotina. A evasão que marcou as primeiras semanas após o atentado se reverteu: um terço das crianças que mudaram de escola voltou e o restante de vagas foi preenchido por alunos que pediram transferência de outras escolas para a Tasso. Resultado de um espírito de equipe e de solidariedade que surgiu sob a liderança do diretor, Luiz Marduk: "Depois de tudo o que passamos, conseguimos reerguer emocionalmente a escola e cumprir com os objetivos de aprendizagem".

Na última avaliação externa realizada pela Secretaria Municipal do Rio de Janeiro, os estudantes do 9º ano, por exemplo, obtiveram notas 5,9 em Ciências, 3,6 em Matemáica e 6,1 em Língua Portuguesa, números próximos aos do ano passado. Na entrevista concedida em novembro a GESTÃO ESCOLAR, Marduk conta como conseguiu garantir a aprendizagem em meio a condições adversas e explica o papel que desempenhou para reconstruir a confiança sobre a escola.

No dia 7 de abril, logo depois do episódio que tirou a vida de 12 dos seus alunos, o senhor achava que ia terminar o ano ainda como diretor da Tasso da Silveira?
LUIZ MARDUK
Foi difícil. A comoção era muito grande, dentro e fora da escola, e, a princípio, parecia que tudo estava perdido, que nada tinha solução. Contudo, não tinha muito jeito: era encarar o desafio ou desistir. A realidade nos faz colocar os pés no chão e mal tive tempo de chorar e de vivenciar o luto. Percebi que havia muitas outras pessoas que dependiam das minhas ações - os alunos, os professores, as famílias. Precisei imediatamente conversar com representantes do governo e atender a mídia. Não sei como encontrei coragem para fazer coisas que eu não imaginava ser capaz, como recolher, depois da perícia policial, os pertences das crianças espalhados pela escola e devolvê-los aos pais. Alguém tinha de fazê-lo - e esse alguém era eu. Professores e funcionários me perguntavam como eu conseguia me manter centrado naquele momento. Respondia que era a responsabilidade de não deixar minha equipe cair junto comigo.

Como gestor, o que mais aprendeu nesse processo?
MARDUK
Aprendi a estar mais presente. Eu era muito discreto. Achava que, para realizar uma boa gestão, não era necessário ser conhecido de todos. Para ter uma ideia, muitos alunos da noite achavam que o diretor era o meu adjunto, o responsável por coordenar diretamente aquele turno. Eu realmente não me importava e preferia dedicar meu tempo a resolver as questões pedagógicas e administrativas. De uma hora para a outra, as grandes dificuldades da escola passaram a ser de ordem emocional e precisavam ser enfrentadas de forma coletiva. Não achava que seria capaz de liderar tantas pessoas. Porém como diretor tive de ser o exemplo para que os professores, funcionários, alunos e familiares voltassem a ter uma boa relação com a escola. Hoje, tenho um contato muito mais estreito com a comunidade. As pessoas me procuram com mais frequência.

Como a equipe gestora reagiu à evasão que aconteceu após a tragédia?
MARDUK
É compreensível que alguns pais, assustados pela violência do episódio, julgassem melhor tirar os filhos da Tasso. No total, 50 alunos nos deixaram. Não é muito, se considerarmos que atendemos cerca de mil estudantes. Porém 15 voltaram nos meses seguintes e recebemos inclusive muitos pedidos de novas matriculas - que, infelizmente, tivemos de recusar por causa da reforma.

Esses dados poderiam servir de estímulo aos professores licenciados voltarem a dar aulas?
MARDUK
Temos apenas dois docentes que ainda estão afastados e conversamos frequentemente com eles. Não queremos forçar um retorno antes do tempo. Temos uma equipe de psicólogos fazendo o acompanhamento e também eles próprios devem se sentir preparados para isso. No geral, percebemos que a volta à sala de aula foi positiva tanto para os estudantes quanto para os docentes que ficaram um período afastados. O apoio dos colegas e da equipe gestora ajudou a criar um ambiente positivo de trabalho.

O efeito do reencontro das pessoas que presenciaram o massacre poderia ter sido negativo. Como o senhor conduziu a reabertura da escola?
MARDUK
Reservamos a primeira semana de aula apenas para trabalhos artísticos, que é uma maneira de fazer com que todos expressem seus sentimentos. Pensamos que seria melhor do que buscar uma volta por meios tradicionais, até porque as salas estavam interditadas. Em um espaço único, as crianças, sem separação por turmas, pintaram quadros e, por meio deles, transformaram o luto em mensagens positivas.

Como a recuperação do espaço físico está contribuindo para melhorar o clima escolar?
MARDUK
A expectativa de um local moderno, bem equipado e com melhores condições de ensino é animadora por si só. Para nós, a reforma é também um marco simbólico de uma nova etapa. Até mesmo esse movimento extra nos fez bem de certa forma, especialmente aos que estavam nas salas onde aconteceram os disparos. Para eles, as paredes e os corredores evocam lembranças dolorosas. O barulho e o entra e sai de pedreiros dá a certeza concreta de que a Tasso não está parada no tempo. Quando o primeiro andar com as salas de aula foi inaugurado, em junho, fizemos uma comemoração e isso foi muito bom. Os alunos vibraram com os novos ambientes. Reconstruir esses espaços está nos fazendo recuperar a confiança na escola e o orgulho que temos dela.

Que demonstrações de solidariedade vocês receberam?
MARDUK
Chegaram propostas de várias organizações públicas e empresas privadas. Foi até difícil selecionar! Algumas eu tive de recusar porque não se encaixavam no nosso projeto político-pedagógico. Houve, por exemplo, um pedido para realizar um show de samba aqui dentro. Por mais que ideias assim tivessem boas intenções, nós, da equipe gestora, não julgamos adequadas ao momento de luto pelo qual estávamos passando. Outros projetos eu não pude aceitar por falta de tempo no calendário escolar ou de espaço, como as oficinas de xadrez e de jiu-jítsu que a Guarda Municipal do Rio de Janeiro sugeriu. Os alunos já estavam tendo aulas regulares em salas improvisadas por causa das reformas. Não tínhamos condições, naquele momento, de empreender muitas atividades extracurriculares. Mas não descartamos a oportunidade de vez. Temos mantido contato com eles e, provavelmente, começaremos as primeiras turmas no ano que vem.

De tantas iniciativas, quais se tornaram parte do calendário da escola?
MARDUK
O Corpo de Bombeiros fez um trabalho incrível dando aos estudantes noções de primeiros socorros e de prevenção de riscos de acidentes por meio do projeto Bombeiro Mirim, realizado no contraturno. Deu tão certo que já acertamos de repeti-lo no ano que vem. Tivemos a chance inscrever alunos em um torneio de futsal que envolvia várias escolas da cidade e certamente temos a intenção de continuar participando de um evento como esse, que promove o esporte e a socialização com outras crianças. Tenho a consciência de que muitas organizações nos procuraram apenas por causa da tragédia, porque foram cenas fortes, que o país inteiro acompanhou. Contudo, fizemos questão de aproveitar as boas parcerias e dar continuidade a elas.

De que forma os moradores do bairro ajudaram vocês?
MARDUK
O massacre mexeu muito com a vizinhança. Houve gente pedindo para que a escola mudasse de nome e até para que ela fosse fechada e transformada em memorial. Os ex-alunos começaram a sofrer certo estigma em alguns lugares que frequentavam - o que é um absurdo. Por medo, alguns moradores pediram até que a gente proibisse a entrada de jovens não matriculados. Não podíamos deixar essa ideia tomar conta do pensamento coletivo da comunidade. Por isso, convidamos ex-alunos e moradores para pintar os muros de branco antes de reabrir os portões definitivamente, no fim de abril. Todos abraçaram a nossa proposta. As reuniões de pais desde então têm tido grande participação. As famílias estão demonstrando bastante interesse em acompanhar de perto a aprendizagem dos filhos e têm dado sugestões sobre como usar os espaços comuns depois que a reforma acabar.

Como é feito o acompanhamento dos alunos que continuam afastados por motivos médicos?
MARDUK
Além de monitoramento psicológico especializado, os sete estudantes que ainda não voltaram à rotina estão recebendo também atendimento pedagógico domiciliar. Os professores são cedidos pela Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro e, embora não façam parte do nosso corpo docente, eles vêm à escola uma vez por semana para relatar o andamento do processo e eventuais dificuldades que as crianças estejam apresentando na aprendizagem, discutir formas de avaliação do que foi ensinado com os colegas das turmas regulares e receber orientação da coordenação pedagógica - que fornece todo o material didático utilizado na casa dos alunos e alinha os conteúdos aos da sala de aula para que não haja prejuízo algum.

Apesar do ocorrido, será possível cumprir o planejamento do ano?
MARDUK
Imaginávamos que, com o atraso no calendário escolar e o afastamento temporário de muitos estudantes, os resultados poderiam piorar. Porém os professores conseguiram retomar o cronograma. Nos últimos meses, houve poucos casos de indisciplina, de tal forma que as aulas foram mais produtivas. Os alunos que foram voltando do atendimento domiciliar também se esforçaram para retomar o ritmo da sala de aula. Conseguimos manter a nota do ano passado na avaliação externa realizada pela Secretaria Municipal, o que eu julgo uma boa marca para um ano tão conturbado.

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CONTATO
EM Tasso da Silveira, tel. (21) 3465-9242 

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