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Assim não dá! Trabalhar valores com ações pontuais e desconectadas

A Educação moral deve ser foco de uma prática contínua, com experiências concretas e significativas

POR:
Larissa Teixeira, Rosi Rico
A Educação moral deve ser foco de uma prática contínua, com experiências concretas e significativas. Ilustração: Raphael Salimena

Produzir cartazes sobre respeito e solidariedade e distribuí-los nos murais. Organizar atividades sobre sustentabilidade ou combate ao bullying. Projetos como esses, voltados à Educação moral, são frequentes. Ainda que sejam bem- intencionados, eles muitas vezes são feitos por um período curto e desconectados da experiência no ambiente escolar, o que pode torná-los insuficientes.

"Práticas pontuais, arbitrárias ou irrefletidas não asseguram uma direção para a Educação moral e não respondem à questão sobre quais seres humanos queremos formar", diz Maria Suzana de Stefano Menin, professora de Psicologia da Educação da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), campus de Presidente Prudente. Segundo ela, com projetos bem conduzidos, a escola, uma das instituições importantes para a formação do ser humano, ajuda o estudante a refletir sobre atitudes que indicam respeito, honestidade, generosidade e justiça e colabora para que ele escolha como agir no mundo.

"Muitos acreditam que a Educação em valores é responsabilidade apenas da família. Essa é uma visão equivocada, porque, por possuir um caráter socializador, a escola trabalha isso quer queira, quer não", acrescenta Adriana de Melo Ramos, coordenadora do Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação Moral (Gepem) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Crianças e jovens permanecem nas instituições de ensino várias horas por dia durante anos. Então, esse acaba sendo um espaço em que os alunos têm a oportunidade de praticar ações essenciais para o exercício da cidadania.

Suzana coordenou uma pesquisa realizada entre 2009 e 2011, em vários estados brasileiros, em que investigou o que as escolas públicas consideravam ser seus bons projetos nessa área. Dos quase 1,1 mil trabalhos avaliados, só 13 foram considerados bem-sucedidos. "Os demais eram muito pontuais e desconectados das vivências escolares. Alguns partiram da iniciativa de um único professor. Muitos tinham finalidade disciplinar. Houve casos, ainda, em que os valores não apareciam nas práticas diárias e só estavam nas falas para os estudantes ou eram transmitidos apenas em situações de campanha", explica. O estudo resultou no livro Projetos Bem-Sucedidos de Educação em Valores (280 págs., Ed. Cortez, tel. 11/3611-9616, 49 reais), com autoria da própria Suzana, Patricia Unger Raphael Bataglia e Juliana Aparecida Matias Zechi.

Espaço garantido para a reflexão e a prática

Joe Garcia, doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), esclarece que a Educação moral requer uma ancoragem na percepção e no desejo compartilhados sobre a necessidade de agir diferente. "Isso implica uma metodologia que não é de simples transmissão e recepção. Escolher previamente os conteúdos, sem diálogo com os alunos, significa adotar outra prática de aula expositiva e restringir o alcance da aprendizagem", explica. "Valores precisam ser desejados para ser escolhidos. E não conseguimos instalar um desejo genuíno por meio apenas da transmissão de ideias."

Para que seja um trabalho efetivo, portanto, os estudantes precisam vivenciar as atitudes em questão. "Se a instituição não tem um clima condizente com a promoção daqueles valores, não adianta", diz Adriana. A escola se firma, então, como um modelo. Para ensinar sobre respeito, por exemplo, é preciso que professores e gestores ajam assim entre si e com as crianças e que as situações de conflito sejam resolvidas seguindo esse princípio.

Segundo os pesquisadores, não há uma maneira única de abordagem, uma vez que as possibilidades mudam de acordo com o nível de ensino e as características do público atingido. O essencial é que a instituição como um todo se envolva na reflexão e que exista um investimento sistemático de tempo, com ações articuladas entre si e inseridas no currículo de diversas disciplinas.

Para garantir essa atenção constante ao tema, a EEEP Monsenhor Expedito da Silveira de Sousa, em Camocim, a 365 quilômetros de Fortaleza, criou a disciplina Formação para a Cidadania. Nas aulas, os alunos elaboram, em conjunto com o professor, as temáticas que serão contempladas ao longo do ano. São abordadas questões como bullying, cidadania, violência, sexualidade e saúde. "Queremos colocar o estudante como protagonista da cidadania e discutir os direitos e deveres dele", diz Ednásio Paulo do Nascimento, coordenador pedagógico. Os assuntos são trabalhados em oficinas, debates, rodas de conversa e seminários. A reflexão, no entanto, não se restringe às aulas. "Convivência e cooperação estão entre os pilares da Educação na escola. Os professores, por exemplo, devem ajudar os estudantes, mesmo fora da sala, mediante as necessidades deles, e orientá-los sobre questões como respeito ao outro. Os jovens, por sua vez, são estimulados a auxiliar aqueles que têm dificuldade", explica Nascimento.

No Colégio Inovati, em Valinhos, a 87 quilômetros de São Paulo, além da preocupação em desenvolver a sensibilidade de todos para pensar sobre os valores cotidianamente, também há um horário reservado para a Educação moral. As aulas de Convivência Social, ministradas para as turmas do Ensino Fundamental, preveem reflexões sobre temas como ética, espaço e ambiente. Entre as atividades realizadas estão assembleias quinzenais. "Nesses encontros, sentamos em roda e discutimos as demandas que os alunos colocam como pauta, os problemas que enfrentam, os conflitos e as situações comuns do dia a dia. Enquanto um fala, o outro não pode cortar. Eles, então, aprendem a ouvir e a falar na hora certa", diz Alexandre Vieira da Silva, psicólogo responsável por conduzir o trabalho. "No final, resumimos as deliberações. As discussões não necessariamente resolvem os problemas, mas só o fato de abrir esse diálogo, ter essa escuta ativa e organizada e dar espaço para todos falarem já cria um movimento de Educação moral."

Mensalmente, também são feitos encontros com os responsáveis, nos quais são discutidos como se dá o desenvolvimento moral e o que pode ajudar na formação das crianças e dos jovens. "As aulas de convivência e toda essa prática moral criaram um ambiente cooperativo. Também geraram um maior senso de pertencimento ao espaço escolar, porque os alunos participam dos encontros e pensam sobre os problemas", diz Silva. Como não são apenas os estudantes que precisam exercitar a democracia, os professores também realizam assembleias. Assim, todos refletem sobre valores e praticam cotidianamente.