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Formação continuada ainda é ficção no país

Pesquisas apontam que, para avançar, é preciso investir em programas de capacitação dentro das unidades escolares

POR:
Noêmia Lopes, Dagmar Serpa

Em boa parte dos estados e municípios do país, a formação docente não dá conta de seu objetivo principal, que é aprimorar a prática pedagógica para fazer os alunos avançarem. As políticas públicas implantadas pelas Secretarias de Educação ainda não conseguem auxiliar as escolas e os professores em suas reais necessidades, pois os programas existentes são voltados para as demandas gerais do sistema. Além disso, nem todas as redes contam com um coordenador pedagógico por escola e, quando há, ele não recebe uma capacitação específica para ser formador.

Essas são as conclusões de duas pesquisas realizadas pela Fundação Carlos Chagas (FCC) sob encomenda da Fundação Victor Civita (FVC) em 2010:

- A Formação Continuada de Professores no Brasil: Uma Análise das Modalidades e Práticas, coordenada pelas pesquisadoras Cláudia Davis, Marina Muniz Rossa Nunes e Patrícia Cristina Albieri de Almeida, da FCC, traça um panorama do que é oferecido pelas secretarias a docentes de diferentes regiões brasileiras.

- O Coordenador Pedagógico e a Formação de Professores: Intenções, Tensões e Contradições, supervisionada por Cláudia Davis e coordenada por Vera Maria Nigro de Souza Placco e Laurinda Ramalho de Almeida, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), e Vera Lucia Trevisan de Souza, da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Camp), revela o perfil dos coordenadores pedagógicos do país.

Os estudos constataram que os governos estão conscientes de que investir na qualidade do ensino requer necessariamente olhar para o desenvolvimento profissional dos docentes. Contudo, falta eficácia nas iniciativas. "Apesar das ações em favor da formação continuada, os programas ainda carecem de planejamento", afirma Bernardete Gatti. Nos sistemas de ensino pesquisados, verificou-se a existência de dois tipos de capacitação: a individualizada, centrada no aprimoramento profissional individual, e a colaborativa, focada na capacitação conjunta de equipes de professores e gestores. Patricia Almeida, da FCC, defende: "O Brasil não pode investir apenas em uma dessas abordagens, pois é essencial corrigir sérias deficiências na formação inicial de professores que estão em atuação. É preciso combinar os dois modelos para conciliar diferentes demandas e auxiliar professores com características, necessidades e perfis distintos".

A estrutura da formação

Os estados e municípios consultados esquematizam os programas de capacitação da seguinte maneira: 

Conteúdo As propostas são elaboradas pela própria Secretaria de Educação, pelo Ministério da Educação (MEC) ou por instituições parceiras. 

Quem ministra a formação Um grupo técnico da própria Secretaria, selecionado por modalidade de ensino ou projeto, ou uma equipe externa.

Níveis de ensino atendidos Prioritariamente, os iniciais do Ensino Fundamental. 

Disciplinas contempladas Principalmente Língua Portuguesa (em especial, os conteúdos relacionados à Alfabetização) e Matemática.

 

Condições de estudo e capacitação ainda estão muito longe do ideal

Os resultados sobre a atual formação continuada oferecida aos professores tiveram como base investigações qualitativas sobre as práticas e modalidades usadas por Secretarias de Educação. Constatou-se que nem todos os sistemas preveem horas de trabalho coletivo na jornada docente, o que compromete a obrigatoriedade e a regularidade dos momentos de estudo, reflexão e planejamento junto aos pares. Fazer essa incorporação é uma das medidas essenciais para a formação em serviço funcionar. Outra maneira de obter avanços é fazer com que ela ocorra na própria escola. "É nela que a realidade se mostra com toda a complexidade e onde está a possibilidade de construir conhecimento por meio da prática", diz Isabel Alarcão, doutora em Educação e vice-reitora da Universidade de Aveiro, em Portugal.

Para tanto, é preciso ter um educador que se responsabilize por ela: o coordenador pedagógico. O problema é que muitos sistemas de ensino ainda não têm esse cargo ou função previstos no organograma de suas unidades e os que têm cometem alguns equívocos, como oferecer formação diretamente aos professores e não dar orientação para que esse profissional se aprimore como líder de equipe. "Algumas práticas podem exigir da Secretaria uma ação generalizada diretamente com os professores", pondera a professora Laurinda Ramalho de Almeida, da PUC-SP. "Mas o coordenador precisa de monitoria para identificar as prioridades específicas de sua escola e traçar as estratégias para atendê-las."

A metodologia dos estudos

Confira os detalhes de como foram realizadas as duas pesquisas da Fundação Victor Civita 

- A Formação Continuada de Professores no Brasil: Uma Análise das Modalidades e Práticas Investigação qualitativa sobre as práticas formativas de 19 Secretarias de Educação - seis estaduais e 13 municipais - das cinco regiões do país. Em cada uma, foram feitas entrevistas com o secretário de Educação (ou seu representante), com o coordenador da formação continuada na rede e com o responsável por um projeto em andamento. 

- O Coordenador Pedagógico e a Formação dos Professores: Intenções, Tensões e Contradições Na fase quantitativa, foram realizadas entrevistas por telefone com 400 coordenadores de 13 capitais brasileiras A qualitativa envolveu conversas pessoais aprofundadas com 20 coordenadores das cinco regiões do país, os diretores das unidades de ensino onde eles estão locados e 40 professores.

Faltam tempo e preparo para o coordenador formar os professores na escola

Segundo a pesquisa da FVC sobre o perfil e o dia a dia desse profissional, a maioria dos entrevistados faz a orientação da equipe docente, mas nem sempre dedica tempo suficiente a ela e executa só o básico nessa função. Apenas uma minoria cita, por exemplo, a observação de sala de aula (uma das principais estratégias formativas) como parte de suas atividades habituais. Os motivos que levam o coordenador pedagógico a não desempenhar bem seu principal papel passam pela variedade de demandas que chegam às suas mãos e pela falta de uma identidade profissional bem definida, o que faz com que ninguém (nem o próprio) tenha clareza sobre o que é responsabilidade dele e o que deve ser delegado. Desprovido de certezas, ele vai escolhendo o que fazer ou não no dia a dia, durante o exercício da função.

"Algumas tarefas todos sabem que não são suas e as rejeitam no discurso, mas acabam assumindo quando a escola não tem quem as execute ou não é organizada para o trabalho ser bem equacionado", observa Vera Placco. Sem falar nos que invertem totalmente as prioridades, alegando ser difícil cuidar da formação porque têm muitas tarefas. O raciocínio deveria ser o contrário: como a principal atribuição é cuidar da formação docente, eles não poderiam ser sobrecarregados com outras atividades.

Para piorar, ainda há confusão entre essa função e a orientação educacional, uma das habilitações antes oferecidas no curso de Pedagogia. Quem a escolhia se tornava apto a acompanhar os alunos para solucionar dificuldades de aprendizagem e questões disciplinares. A coordenação pedagógica surgiu para melhorar a aprendizagem das crianças e fazer um trabalho direto com os professores sobre o currículo. Nessa época, o orientador educacional foi cortado de muitas redes, deixando como herança uma mistura de papéis e mais atribuições para o coordenador.

Uma dúvida fica no ar: ainda que sobrasse tempo no dia a dia, será que quem está na coordenação desempenharia sua função a contento? A pesquisa constatou que há profissionais que não saberiam o que fazer. Isso porque o curso de Pedagogia não os prepara suficientemente e, em geral, eles também não recebem orientação da rede. Assim, não aprendem em lugar nenhum as práticas que precisa saber para ser formadores. Como é uma profissão em construção, não há unidade no modo de atuar da categoria. Quem atua na Educação Infantil, por exemplo, promove mais reuniões com a equipe do que os que estão no Ensino Médio.

Algumas Secretarias têm investido na criação de centros de formação para dar suporte às escolas, sem anulá-las como um fórum privilegiado de aprimoramento profissional. Essa, aliás, é uma tendência que tem sido verificada em outros países e que está chegando ao Brasil. Para Denise Vaillant, diretora acadêmica do Instituto de Educação da Universidade ORT Uruguay e presidente do Observatório Internacional da Profissão Docente, com sede na Universidade de Barcelona, isso mostra que existem várias instâncias do governo preocupadas com o assunto.

Além de oferta de capacitação, do detalhamento expresso de suas atribuições e de melhores condições de trabalho para que possa se dedicar às prioridades, José Cerchi Fusari, professor doutor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), sugere mais um ingrediente para ajudar esse profissional a cumprir bem sua missão: "O trabalho do coordenador pedagógico tenderá a ser mais eficaz se ele tiver clareza conceitual, teórica e metodológica sobre a função global da escola". A mesma reflexão, aliás, vale para todo educador - do diretor aos professores.

Panorama do trabalho com os professores

Dos coordenadores que afirmam se dedicar à formação dos professores na escola, 26% encaminham os docentes para cursos e oficinas oferecidos pelas Secretarias de Educação.


Trabalho com os professores
O preparo dos docentes é o quarto colocado no ranking dos principais problemas dos coordenadores pedagógicos:

Ilustração: Mario Kanno

A formação oferecida aos docentes na escola, segundo os profissionais da coordenação, tem seu foco dirigido para:

Ilustração: Mario Kanno

 


Encontros mensais de formação entre coordenação e professores:

3,3 na Educação Infantil

2 no Ensino Médio

92% declaram que esses encontros duram 2 horas ou mais