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Festa junina, só se fizer sentido

Conheça duas experiências de escolas que fazem da festa um momento para ampliar a integração com a comunidade e oferecer novas aprendizagens aos alunos

POR:
Paula Nadal
Festa junina em São Gonçalo do Rio Abaixo. Reprodução
São Gonçalo do Rio Abaixo
A festa junina do Centro Educacional

Antes de planejar a festa junina da escola é preciso saber se a comemoração realmente faz sentido para a comunidade escolar. As ações para o dia do evento devem ser programadas com antecedência para que não interfiram negativamente no calendário letivo e todos - alunos, professores, pais e funcionários - têm de ser envolvidos no planejamento.

Para Roberta Panico, especialista em gestão escolar e coordenadora pedagógica da Comunidade Educativa CEDAC, em São Paulo, é preciso muita atenção para não submeter os alunos a situações de constrangimento - como obrigá-los a dançar ou comparecer fantasiados, sem que entendam o propósito das atividades.

Usar o evento para arrecadar fundos para a escola, seja pela venda de produtos (alimentos, ingressos ou "vales" para as brincadeiras), seja pela promoção de concursos como o "Miss Caipira", bastante comum em alguns estados, é outra ação que tem de passar longe dos objetivos listados pela equipe gestora.

Conheça a seguir experiências de duas escolas que pensaram a festa junina como um bom momento para oferecer novas aprendizagens aos alunos e trazer as famílias para dentro da escola.

Uma festa para unir a comunidade
O Centro Educacional de São Gonçalo do Rio Abaixo, a 84 quilômetros de Belo Horizonte, foi criado há dois anos e tem 410 alunos matriculados no Ensino Fundamental II - 70% deles de comunidades rurais do município. Em 2010, para apresentar a escola aos moradores do entorno e aproximar as famílias, a equipe da diretora Geiza Maciel resolveu promover a festa junina - uma das manifestações culturais mais tradicionais na cidade.

A equipe se reuniu para pensar nos objetivos do evento e nas estratégias adotadas para envolver a comunidade. Uma lista de atividades foi elaborada - organização da estrutura física da escola para a festa, montagem do cardápio e distribuição dos convites. Professores e funcionários candidataram-se à coordenação e realização das funções.

Para não esbarrar em questões religiosas (no Catolicismo, as festas juninas são celebrações dos dias de Santo Antônio, São Pedro e São João), a festa foi planejada somente com foco nas manifestações culturais de São Gonçalo. "A escola é uma instituição laica. Trabalhamos para não conferir qualquer caráter religioso à festa", afirma a diretora. Uma gincana foi organizada envolvendo pais, alunos, professores e funcionários. Cada turma da escola tinha como missão trazer participantes para a festa e preparar números artísticos, desde que não fossem religiosos. Os ensaios aconteciam fora do horário de aulas, de acordo com o combinado entre os membros de cada equipe.

Alguns pais tocaram violão, os alunos mostraram coreografias e ajudaram na decoração, enquanto os professores foram personagens do casamento caipira. O objetivo era que cada turma organizasse apresentações relacionadas às manifestações culturais das comunidades em que vivem - por exemplo, as músicas e a dança das congadas, no caso dos alunos vindos de comunidades quilombolas da região; ou as modas de viola, entoadas por pais e alunos de comunidades rurais. "De forma alguma permitiríamos que a figura do caipira fosse estereotipada. Muitos dos nossos alunos são de comunidades rurais e isso é de uma riqueza cultural enorme", conta Geiza.

O Centro Educacional conseguiu transporte público gratuito para levar os moradores à festa junina. Com apoio da Prefeitura Municipal, cada aluno da escola tinha direito a um "vale-transporte" para quatro pessoas. Na festa, pipoca, caldo de feijão e outros pratos tipicamente juninos, todos preparados pelas merendeiras da escola, foram distribuídos gratuitamente. "A festa aconteceu em um sábado e as funcionárias que trabalharam na sexta à noite foram devidamente remuneradas por isso. Não podemos fazer da festa junina uma fonte de arrecadação de fundos para a escola. É um momento de comemoração e de engajamento da equipe", afirma a diretora.

As barraquinhas foram montadas na área externa da escola, com a ajuda de professores e funcionários e fora do horário de aulas. No fim da festa, todos os participantes - inclusive pais e alunos - colaboraram com a limpeza. Ajudaram a desmontar as barracas e a separar os materiais recicláveis do lixo orgânico.

Para a festa de 2011, a origem e as tradições juninas estão sendo trabalhadas nas aulas de Língua Portuguesa e de História. "Queremos reforçar o caráter laico de nossa festa ao trabalhar com os alunos as diferentes manifestações culturais do período e as origens dessa celebração que, antes de tornar-se uma festa católica, surgiu como uma celebração pagã", explica Geiza.

Alunos como protagonistas da festa
No Colégio Giordano Bruno, da rede particular de São Paulo, a festa junina é parte do projeto pedagógico. O evento é incluído no calendário escolar antes do início do ano letivo, nas reuniões de planejamento. Os professores de Educação Física, Música, Arte e Literatura trabalham em conjunto no projeto da festa e fazem acordos com os docentes das demais disciplinas para que trabalhem em sala os conteúdos relacionados ao tema anual da festa.

Em 2011, a festa do Giordano Bruno terá como mote as tradições populares da região Centro-Oeste do Brasil. Durante o mês de junho, o planejamento de uma ou duas aulas das disciplinas de Geografia, História e Língua Portuguesa vai tratar de aspectos socioeconômicos, históricos e culturais dos estados dessa região do país - as etnias presentes, a literatura, os hábitos e costumes de cada estado. As danças típicas são ensinadas nas aulas de Arte, Música e Educação Física, que também contemplam parte dos ensaios para as apresentações do dia da festa. "É um momento de resgate da cultura popular e não apenas uma situação festiva a mais", explica o diretor Nivaldo Canova.

Os alunos são os protagonistas. Eles podem escolher a forma de participação no evento de acordo com uma série de propostas elaboradas em conjunto com os professores - dançam, tocam instrumentos, fazem apresentações teatrais, organizam as barraquinhas de brincadeiras e de comidas típicas. Para o diretor, a participação dos estudantes deve ser evidenciada como contribuição, como possibilidade de construção coletiva e não como mera obrigação. Por isso, ninguém é obrigado a ir fantasiado à festa. "Respeitar as individualidades é mais produtivo do que reforçar estereótipos que não condizem com o projeto do nosso evento", afirma Canova.

As barracas são montadas pelos próprios adolescentes, no caso das turmas do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio, fora do horário de aulas. Os alunos do 1º ao 5º ano são ajudados pelos professores. O dinheiro arrecadado pela garotada que administra as barraquinhas serve para projetos específicos de cada turma - como a festa e a viagem de formatura, no caso dos alunos do 9º ano. Para o diretor Canova, se a escola utilizasse a festa junina para arrecadar fundos, isso prejudicaria o objetivo pedagógico do evento, que é justamente o de engajar toda a comunidade escolar e fazer com que todos voltem os olhares para a riqueza da cultura popular brasileira.