Tragédia no Rio: como seguir adiante
O fortalecimento da equipe gestora, a criação de espaços para a reflexão e o debate aberto sobre o fato são os caminhos para se criar condições de a escola voltar à rotina
POR: Elisa Meirelles, Castro, Ricardo Ampudia, Paula Nadal, Dagmar SerpaA Escola Municipal Tasso da Silveira, no Rio de Janeiro, foi palco de cenas de terror no último dia 7 de abril, quinta-feira. Wellington Menezes de Oliveira, ex-aluno da instituição, entrou armado no colégio, matou 10 meninas e dois meninos com idade entre 12 e 14 anos, feriu outras crianças, foi alvejado por um policial e em seguida cometeu suicídio. Ele havia cursado parte do Ensino Fundamental naquela mesma instituição. Se o massacre comoveu a sociedade em todo o Brasil e no mundo, o que dizer de quem estava lá dentro e no entorno? "Dá medo voltar à escola", disse uma garota de 13 anos em depoimento publicado na internet.
NOVA ESCOLA ouviu especialistas das áreas da psicologia, da sociologia e da segurança pública e traz nesta reportagem alternativas para lidar com o drama do luto e orientações para que, em um momento tão difícil como esse, a escola se prepare para seguir adiante.
Como lidar com a tragédia
A tragédia carioca lembra que é preciso ter um plano de ação diante de acontecimentos que abalam alunos e funcionários, gerando dor, medo, revolta, raiva e até culpa. "O primeiro passo é fazer com que toda a comunidade entenda que esta é uma situação de exceção", explica a pesquisadora Ana Maria Aragão, do Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação Moral (Gepem) da Universidade de Campinas. Gestores, pais, professores, alunos e funcionários precisam enfrentar o medo. À escola cabe o papel de organizar espaços legítimos para debater o assunto. Todas as perguntas colocadas em jogo têm de ser devidamente respondidas. Não se pode negar a situação ou estereotipar os fatos. É importante que todos entendam o que esse drama significa. "As crianças precisam perceber que há espaço para falar como se sentem, expressar-se, seja por cartas, desenhos ou conversas", observa Ana. "É discutindo o trauma abertamente que se criam condições para que todos acreditem que isso não vai acontecer todo dia", complementa a pesquisadora.
"Evitar o assunto é tratá-lo como tabu, o que só alimenta temores e dúvidas", explica a psicóloga Maria Helena Pereira Franco, coordenadora do Laboratório de Estudos e Intervenções sobre o Luto (Lelu), da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Filósofa, doutora em Educação e colunista de GESTÃO ESCOLAR, Terezinha Azerêdo Rios acrescenta: "Os alunos vão querer falar daquilo e os professores precisam estar preparados".
Para reestruturar emocionalmente a comunidade escolar após o drama, uma alternativa é pensar em ações coletivas, que envolvam professores e equipe gestora. "O diretor da escola tem um papel fundamental e precisa agir rápido, convocar a equipe - professores e funcionários - para uma conversa aberta sobre o fato. A equipe tem de se sentir fortalecida porque, depois, é ela que vai trabalhar com os alunos", afirma Catarina Iavelberg, colunista de GESTÃO ESCOLAR e assessora psicoeducacional especializada em Psicologia da Educação.
Além da chance de diagnosticar o impacto dos fatos sobre cada um, esse momento é uma oportunidade de traçar conjuntamente estratégias para tratar o tema com os alunos e os pais. Uma boa forma de começar a conversa é argumentando que chacinas, assassinatos e outros episódios de violência fazem parte da nossa realidade, mas não são a regra. Ao contrário, são exceções. "E é isso que a gente tem de usar para trabalhar o medo e a insegurança das pessoas", diz Maria Helena. Essa mesma afirmação deve ser utilizada depois pelos professores com as crianças e os adolescentes. Elas estabelecem uma relação de confiança com a escola e esperam encontrar nela respostas e apoio. Quando isso não acontece, o vínculo pode se romper.
Trabalhar em grupo é uma boa medida. Para ajudar os alunos, o ideal é escolher pessoas que tenham bons vínculos com as crianças para conversar com elas - um professor ou um coordenador mais próximo das turmas, por exemplo. Os pais também devem ser estimulados a estar dentro da escola. Ana Aragão lembra que "o que menos deve ser conversado nesse momento é sobre como aparelhar a escola ou impedir o acesso da comunidade ao espaço. É importante não centrar as discussões na busca por culpados nem criar explicações generalistas".
A elaboração do luto
Catarina Iavelberg afirma ser importante haver um momento de luto, com a suspensão das atividades da escola - em geral, por um dia -, após qualquer evento trágico. Logo no retorno, é fundamental fornecer aos alunos canais para que expressem os traumas, as dúvidas, as angústias e os medos, colocando para fora os sentimentos negativos. "O tratamento do estresse pós-traumático, como chamamos o transtorno que pode acometer quem vivencia um episódio de violência, é justamente expor a pessoa ao problema. E isso significa abrir espaço para ela fale, escreva, repita o assunto de várias maneiras, até que a ansiedade em relação ao fato comece a perder a força", diz o médico Fernando Asbahr, coordenador do Programa de Ansiedade na Infância e na Adolescência do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP). Em sala de aula, os professores devem, portanto, estimular os alunos a conversar, redigir textos ou desenhar sobre suas emoções. Há também ações simbólicas que ajudam as pessoas a se manifestar, como a criação de um espaço de homenagens às vítimas, um mural ou um blog para que sejam deixadas mensagens. Essas iniciativas têm o propósito de envolver, além dos estudantes, a equipe escolar e os pais.
"No caso da Escola Municipal Tasso da Silveira, a equipe certamente será beneficiada se houver ajuda de psicólogos para lidar com o trauma", acrescenta Miriam Abramovay, coordenadora da área de Políticas Públicas da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO). Mostrar que o medo é real e dar tempo para que equipe escolar, alunos e comunidade lidem com o trauma são atitudes fundamentais. Nesse momento, deve-se acolher os sentimentos de todos para fazer com que a escola volte a funcionar.
Depois da ação coletiva, a observação individual
Enquanto conduz aos poucos a escola à rotina, o gestor ainda tem mais uma atribuição: observar os mais próximos às vítimas, numa tentativa de identificar quem sofreu um impacto maior e está mais fragilizado, demandando um apoio individual. No caso dos alunos, o diretor pode pedir a colaboração de professores e funcionários e convocar a família quando detectar a necessidade de um acompanhamento psicológico. Mas o que é preciso observar? "Basicamente, mudanças de comportamento: a criança que não brinca como antes, o adolescente que deixa de conversar com os colegas ou, ao contrário, era quieto e passa a falar demais", responde Asbahr. Às vezes, essa reação mais intensa se manifesta até seis meses depois - e esse é um bom período para o gestor intensificar a observação tanto das crianças como dos adultos.
Como fazer da escola um espaço seguro
Além de lidar com a comunidade escolar quando acontecem episódios como o do Rio de Janeiro, é importante o trabalho cotidiano que garanta um ambiente de segurança e de acolhimento. Para tanto, há que se colocar em xeque a ideia recorrente de que violência na escola se combate com mais policiamento e com a instalação de grades, catracas e outros dispositivos semelhantes. "No calor do momento, o trauma gerado por eventos como o do Rio leva a uma reação mais irracional e produz o efeito inverso ao necessário: a escola se fecha, se isola e investe em vigilância", explica o sociólogo Pedro Bodê, especialista em segurança pública da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Esse não é, no entanto, o melhor caminho. "Afastar a escola do mundo exterior vai contra a função dela, que é integrar", complementa.
Catarina Iavelberg vê com bons olhos um controle maior de entrada e saída. "Os gestores precisam avisar o porteiro das visitas agendadas, mesmo se forem de pessoas conhecidas", sugere. Mas ela não acha adequado revistar alunos e visitantes, usar detector de metais ou solicitar policiamento ostensivo. "Isso só aumenta o medo e passa a sensação de que a instituição não dá conta de resolver o problema. A polícia deve ser acionada somente em casos extremos, quando houver questões que envolvem o Código Penal, como o tráfico de drogas", afirma Miriam Abramovay, coordenadora da área de Políticas Públicas da Faculdade Latino- Americana de Ciências Sociais (Flacso). Terezinha Rios concorda: "Não adianta ter a polícia presente durante 24 horas por dia. É necessário criar o sentimento de pertencimento na equipe, nos alunos e na comunidade". Trocando em miúdos: todos precisam se sentir participantes e donos daquele espaço para que a segurança seja fortalecida.
Mais do que fechar as portas e isolar os alunos, é importante trazer a comunidade para perto e tê-la como aliada. Isso se faz organizando uma espécie de "rede de proteção" que aproxime a escola de famílias, de lideranças comunitárias, de associações de bairro, de associações comerciais etc. Manter esta interação diminui a incidência de casos de violência e aumenta a capacidade de resposta a eventos imprevisíveis.
Para Bodê, outro equívoco é fazer comparações com episódios violentos ocorridos em escolas estrangeiras. "São todos casos excepcionais, com características e contextos particulares", afirma. Como explica o sociólogo, "é preciso criar condições de segurança não só na escola, mas em toda sociedade. E essa responsabilidade, ainda que o Estado tenha um papel importante, é da própria sociedade".
Reflexões para o futuro próximo
Outra reflexão depois da tragédia é ainda mais ampla. De acordo com o filósofo espanhol Fernando Savater, a ética é para tempos difíceis. Quando tudo vai bem, basta a rotina. Porém, se algo sai dos eixos, as questões éticas são lembradas. Nesse contexto, Ana Maria Aragão defende que, após a superação do trauma causado pelo episódio do Rio de Janeiro, é necessário realizar um debate mais profundo: o de como a escola deve agir para ter sempre em pauta discussões sobre valores e relações interpessoais. "É preciso rever o que nós, educadores, estamos fazendo dentro dos muros da escola, principalmente com os alunos que passam apáticos pela sala de aula.