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Nigel Brooke fala sobre eficácia escolar

Professor inglês explica como surgiu esse conceito e como ele está sendo incorporado na Educação brasileira

POR:
Gustavo Heidrich
Nigel Brooke. Foto: Pedro Motta
Nigel Brooke

Quando se fala em um profissional eficaz, entende-se que se trata de uma pessoa competente, que desempenha bem suas funções e atinge seus objetivos. O mesmo acontece quando o adjetivo é relacionado a uma empresa ou a um processo. Contudo, o que vem a ser uma escola eficaz, termo que tem sido usado pelos mais diversos interlocutores quando o assunto é qualidade de ensino?

Quem responde é o pesquisador inglês Nigel Brooke, professor convidado da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde atua no Grupo de Avaliação e Medidas Educacionais (Game): "Escola eficaz é aquela que ensina bem os conteúdos curriculares e se preocupa com o aluno de maneira global, com a formação de valores, ética e cidadania e a criação de oportunidades." Doutor em Educação pela Universidade de Sussex, em Londres, Brooke estuda esse tema desde que ele entrou em pauta nos Estados Unidos, na década de 1960. No Brasil, o debate sobre a eficácia chegou 30 anos depois e sua principal consequência foi a criação de sistemas de avaliação.

Para atingir a plena eficácia, os gestores devem dar atenção a uma série de fatores que influenciam os resultados, como a formação de professores e gestores, a infraestrutura, o clima de trabalho e o próprio funcionamento da escola enquanto instituição, entre outros.

Nesta entrevista, concedida à NOVA ESCOLA GESTÃO ESCOLAR no campus da UFMG, em Belo Horizonte, Nigel Brooke explica como surgiu esse conceito e como ele afeta as políticas públicas na área de Educação.

Quando surgiu o interesse em saber se uma escola é ou não eficiente?
NIGEL BROOKE
Foi nos Estados Unidos, em meados da década de 1960, quando foram realizadas algumas pesquisas com o objetivo de explicar por que em algumas escolas os alunos aprendiam e, em outras, não. Naquela época, observando o que era mais visível e comparando os resultados, chegou-se à conclusão de que o desempenho dos estudantes dependia de sua origem e condição socioeconômica. Deu-se o nome de efeito família à influência que os pais e o ambiente em que a criança é criada têm na aprendizagem. Essa ideia predominou durante algum tempo, mas deixou alguns pesquisadores inquietos. Eles acreditavam que a eficácia da escola não pode estar ligada somente a circunstâncias externas a ela. Elaboraram, então, outros estudos nos quais começaram a relacionar alguns fatores internos com as notas.

Que elementos foram analisados?
BROOKE
As novas pesquisas constataram que o que acontece na escola faz, sim, diferença no desempenho do aluno. Criou-se então o efeito escola, que é composto por uma série de itens que impactam os processos de ensino e de aprendizagem e, portanto, a eficácia da instituição. A constatação foi que a relação professor/aluno é o fator que tem maior peso nessa composição. A formação, o comprometimento e a capacidade de ensinar desse profissional têm de fato poder de alterar o desempenho das turmas.

Além do professor, que outros fatores influenciam a aprendizagem?
BROOKE
A presença de uma liderança, o bom relacionamento com a comunidade e mecanismos de autoavaliação e monitoramento das metas da escola. E ainda um ambiente focado na aprendizagem - o que envolve desde a estrutura física e a organização do trabalho até a clareza nas estratégias de ensino.

Com isso, o peso atribuído à família ficou menor?
BROOKE
Não, mas o que se descobriu deixou mais evidente que ela não é determinante. Hoje sabemos que pelo menos 20% do desempenho do aluno é determinado pelo que acontece dentro da escola. Pode parecer pouco, mas não é. Imagine 20% de influência positiva a cada ano de escolaridade. Uma trajetória de boas instituições e bons professores, além da possibilidade de acesso e ampliação cultural que o espaço escolar oferece, podem transformar a vida de uma criança, por mais desfavorável que seja o ambiente em que é criada. É o trabalho dos professores e gestores que vai ou não permitir que esses 20% façam a diferença.

A eficácia escolar é um conceito bem amplo. Como medi-la?
BROOKE
Realmente, ela abarca itens difíceis de mensurar, pois, para atingi-la, é preciso um trabalho bem feito em todas as áreas da escola, do administrativo ao pedagógico. O que se faz para efeitos da pesquisa educacional são alguns recortes. Por exemplo, analisar as notas dos alunos é um viés possível para medir a eficácia, porém sozinho ele não basta. Hoje temos mecanismos refinados de pesquisa que permitem desvendar pontos específicos, como a qualidade do trabalho de um professor e da coordenação pedagógica ou ainda a capacidade de liderança de um gestor. É um estudo mais detalhado que envolve o acompanhamento de um grupo de estudantes, gestores e docentes durante um período, em um ambiente com condições controladas. Por isso, exigem mais tempo e investimentos para produzir resultados. Já a avaliação de desempenho dos alunos, por exemplo, pode ser feita em larga escala - por isso é o formato mais utilizado hoje.

Há algum mecanismo que o gestor pode utilizar para monitorar a eficiência da escola?
BROOKE
Sim, isso é possível com a autoavaliação ou a avaliação institucional. Ou seja, a equipe se mobiliza para olhar criticamente seu ambiente humano, físico e pedagógico e fazer uma revisão de seus princípios e metas, com a finalidade de estabelecer novas ações e projetos.

Qual a melhor maneira de fazer essa autoavaliação?
BROOKE
Uma sugestão é selecionar os itens que mais influenciam nos resultados da escola - como a formação dos professores, a liderança na gestão e o clima de trabalho - e submetê-los à discussão durante as reuniões do Conselho Escolar, de formação e de equipe. Sei que isso é difícil no modelo tradicional de escola, pois ela não foi organizada para o exercício da reflexão. Ao contrário, sempre foi utilitarista, no sentido de ser uma instituição na qual os indivíduos chegam para cumprir tarefas predeterminadas. Essa percepção é ainda mais forte na escola pública, que é vista como algo coletivo - o que, na visão de muita gente, significa que não é responsabilidade de ninguém, o que é um grande equívoco.

O que os resultados de avaliações externas, como a Prova Brasil, dizem sobre a eficácia escolar?
BROOKE
Eles são um bom termômetro. No entanto, oferecem apenas os dados sobre a aprendizagem dos alunos em alguns conteúdos curriculares básicos e dão uma ideia de como estão as condições de ensino no momento em que as provas são aplicadas. Mostram os problemas, mas não as causas. Na verdade, os sistemas de avaliação externa foram criados por três motivos: induzir mudanças nas práticas pedagógicas, definir prioridades de investimento em Educação e responsabilizar os atores escolares (professores, gestores e alunos) pelo desempenho. Nesse sentido, com várias ressalvas, o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e a Prova Brasil são um sucesso. Claro que ainda não há grandes mudanças na prática escolar. Contudo, os exames induzem os professores a adequar o que ensinam ao que é cobrado. Todos começam a prestar mais atenção na forma como avaliam os alunos. E esse é um efeito bastante positivo em um sistema educacional federativo e desintegrado como o brasileiro e, certamente, se constitui em um indutor de melhorias.

Na sua opinião, como a avaliação externa poderia ser mais eficiente?
BROOKE
Acredito que é preciso dar um passo além. Na minha opinião, esse passo tem de ser no sentido de melhorar o processo de responsabilização com base nos resultados dos testes. Isso tem sido feito por algumas secretarias com a distribuição de premiações para os profissionais cujas turmas conseguem melhores resultados. O problema é que, ao fazer isso, o gestor público assume que a melhora no desempenho do professor depende apenas de um incentivo financeiro e que os docentes são capazes de ensinar melhor, mas não o fazem porque não são bem remunerados. Na Bahia, por exemplo, somente os 15% dos docentes que têm melhores notas no processo de certificação do Estado e cujos alunos conseguem boas notas no sistema de avaliação local recebem esse adicional no salário. Já no Espírito Santo, a concessão do bônus leva em consideração o perfil socioeconômico das turmas, os anos de permanência do professor na mesma escola e a assiduidade. Essas são alternativas mais interessantes por incluir fatores diretamente ligados à competência individual. Mas ainda estamos longe de um modelo ideal. O correto seria a rede oferecer suporte e instrumentos para que a formação continuada fosse realizada de maneira a suprir as necessidades dos docentes. Sempre pensando em melhorar a atuação dos que precisam em manter o nível dos que vão bem, estimulando-os a compartilhar suas experiências com os colegas.

De que maneira um gestor deve interpretar as médias da escola nos testes externos?
BROOKE
Com cautela. Uma flutuação na nota da Prova Brasil ou no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), para cima ou para baixo, nem sempre quer dizer que houve melhora ou piora no desempenho da escola como um todo. O gestor tem de fazer o que os exames de avaliação não fazem: usar os resultados para detectar as deficiências. E, claro, visualizar as virtudes para que elas sejam disseminadas. O número não revela se o trabalho de coordenação pedagógica é frágil ou se os alunos estão sem materiais básicos - mostra apenas as consequências. Avaliações e índices fornecem informações para que metas sejam estabelecidas e concretizam o desafio de alcançá-las. E isso já é um avanço na busca pela eficácia, já que por muito tempo se falou em melhorar a Educação, mas não havia medidas para isso. Um bom gestor, que organiza e divulga esses números, identifica as falhas e traça um planejamento coletivo para cumpri-las, já está usando as avaliações como um motivador para a melhoria da escola.

Qual a tendência dos estudos e práticas de eficácia escolar no mundo?
BROOKE
Há uma tendência pela sofisticação estatística. O objetivo é chegar a fórmulas que levem em consideração o maior número possível de variáveis para obter resultados bem próximos da realidade. Existem também propostas de tornar avaliações e índices mais interativos e acessíveis às escolas, ao ponto de professores e gestores terem condições de contribuir inclusive na elaboração da pesquisa. Na Nova Zelândia, por exemplo, a prova nacional de avaliação de desempenho dos alunos é montada online pelos docentes. Eles acessam um banco de dados e escolhem as questões que acreditam ser as mais adequadas. Depois de aplicado o teste, eles voltam ao sistema e inserem os resultados. Em seguida, uma equipe de pedagogos e especialistas faz uma devolutiva específica para cada escola.

Quer saber mais?

BIBLIOGRAFIA
Pesquisa em Eficácia Escolar: Origem e Trajetórias
, Nigel Brooke e José Francisco Soares (orgs.), 552 págs., Ed. UFMG, tel. (31) 3409-4642, 51 reais

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