Ir ao conteúdo principal Ir ao menu Principal Ir ao menu de Guias
Notícias
5 4 3 2 1

Organização em ciclos respeita as diferenças

A progressão continuada ainda é confundida com aprovação automática. Saiba por que esse mal-entendido causa tantos danos

POR:
Verônica Fraidenraich

No horário político gratuito no rádio e na televisão antes das eleições, nos debates entre os candidatos aos cargos majoritários e nos programas de governo, era comum ouvir afirmações como estas: "Pelo fim da aprovação automática!" e "Pela volta da reprovação nas escolas públicas!". Alguns pretendentes aos cargos públicos - assim como boa parte da população - têm uma ideia equivocada sobre o processo educativo em ciclos plurianuais, que elimina a reprovação anual e cuja denominação correta é progressão continuada. Na verdade, o desconhecimento sobre esse conceito (e sua implantação de maneira inadequada em algumas redes de ensino) fez com que muita gente passasse a chamá-lo de aprovação automática (numa referência à não retenção anual). E ainda contribuiu para que pais - e inclusive alguns educadores - o rejeitassem.

Pesquisa realizada pela Fundação Victor Civita (FVC) em parceria com o Ibope, que ouviu 500 docentes em todo o país, em 2007, mostrou que 74% dos professores são contra a progressão continuada. Mesma opinião têm 95% dos 840 pais paulistanos ouvidos pelo Instituto Fernand Braudel naquele mesmo ano. Então, nada melhor do que esclarecer os conceitos.

Tempo maior para que todos atinjam as expectativas de aprendizagem

Fonte: UNESCO
O Brasil é o país que mais reprova Compare os índices de reprovação do Brasil e de outras regiões e países.
Fonte: UNESCO

O princípio da progressão continuada é justamente garantir a todos o direito de aprender. Ele reconhece que as crianças passam por ciclos de desenvolvimento - como ensinou o psicólogo suíço Jean Piaget (1896-1980) e que as aprendizagens ocorrem dentro desses ciclos. Mas cada criança tem um ritmo e uma maneira de aprender, que devem ser respeitados. Por isso, em vez de uma organização curricular dividida por séries, anual, a progressão prevê a possibilidade de ciclos de dois, três ou quatro anos e elimina a retenção dentro desse período, por acreditar que, com um tempo maior disponível, todos podem atingir as expectativas de aprendizagem.

Dessa forma, se uma rede organiza o Ensino Fundamental em dois ciclos - sendo o primeiro do 1º ao 5º ano e o segundo do 6º ao 9º -, o aluno só pode ser retido ao fim de cada uma dessas etapas, caso não tenha alcançado os objetivos definidos para o período. "O sistema foi adotado por algumas redes públicas brasileiras na década de 1960, como uma alternativa para diminuir os altos índices de evasão escolar e repetência", explica a pesquisadora Márcia Aparecida Jacomini, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Contudo, o maior ganho não está nos números, mas no impacto sobre o desenvolvimento da criança. A reprovação, tida no sistema seriado como uma "nova chance de aprendizagem", transformou-se, no decorrer dos anos, num instrumento de exclusão de boa parte das crianças e dos adolescentes da escola: a repetência é uma das grandes causas do abandono e da evasão escolar. E o Brasil é um dos países que mais reprovam (veja o gráfico acima).

Além disso, os que não desistem passam a frequentar turmas com colegas mais novos - o que é um desestímulo e leva a novas repetências. A defasagem idade/série no Brasil (uma das consequências da retenção) chega a 60% nos 9º anos, segundo dados de 2006 da Organização das Nações Unidas para a Educação Ciência e Cultura (Unesco).

Por isso, os autores da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 1996, e dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental (PCNs) consideraram a possibilidade de a escola organizar seu tempo por ciclos. Estima-se que metade das redes públicas siga tal proposta, entre elas as municipais de Belém, Belo Horizonte, Blumenau, Fortaleza e São Paulo, mais o Distrito Federal. Inglaterra, Japão, Coreia, Finlândia e Suécia são alguns dos países que também seguem
esse modelo.

Progressão exige avaliação permanente e apoio pedagógico

Para que a progressão funcione, porém, são necessários investimentos, comprometimento e, principalmente, mudanças na escola. A primeira delas - e a mais importante - é saber que a responsabilidade pelo aprendizado e por uma possível reprovação não é do estudante. Com base no princípio de que todos podem aprender, se um aluno não alcançou os objetivos de aprendizagem é porque não lhe foram dadas as condições necessárias para tal. A progressão continuada pressupõe a existência na escola de:

- Um sistema de avaliação contínua em que seja possível detectar qualquer dificuldade de aprendizagem assim que ela aparece.

- Tempo e espaço para o apoio pedagógico durante todo o ano aos alunos que necessitarem.

- Formação permanente de professores para que aprendam várias maneiras de ensinar - atendendo, assim, às diferentes formas de as crianças adquirirem conhecimento nas diversas áreas.

Pesa muito a favor da seriação a cultura produzida historicamente pela escola - que propagava a crença de que só aprende quem é ameaçado de punição, no caso, com a reprovação. "A mesma escola que não soube ensinar - e é responsável pelos históricos índices de reprovação, evasão e baixas notas nas avaliações externas que temos hoje - não pode ser vista como um exemplo de excelência. Não é possível reproduzir nas novas gerações as marcas do medo e da culpa que a reprovação traz", afirma Vitor Henrique Paro, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). "O objetivo da escola é ensinar. Se ela não faz isso, ou se não faz para todos em nível de igualdade, ela não cumpre seu papel social." Entender o conceito da progressão continuada e tudo o que ele implica é, portanto, essencial para que seja implantado com êxito e elimine qualquer chance de interpretação equivocada.

Quer saber mais?

CONTATOS
Márcia Aparecida Jacomini
Vitor Henrique Paro

BIBLIOGRAFIA
Educar sem Reprovar, Márcia Aparecida Jacomini, 264 págs., Ed. Cortez, tel. (11) 3864-0111, 38 reais
Reprovação Escolar - Renúncia à Educação, Vitor Henrique Paro, 168 págs., Ed. Xamã, tel. (11) 5083-4649,
24 reais