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Heterogeneidade nas turmas e o desafio constante para todos os alunos

Como orientar os professores para o planejamento de atividades que atendam aos estudantes que estão à frente da classe

POR:
Raissa Pascoal
A diretora Rosane e a coordenadora Darlene discutem estratégias com a equipe docente. Foto: Tamires Kopp
Sempre de olho A diretora Rosane e a coordenadora Darlene discutem estratégias com a equipe docente

Muito se fala em não deixar ninguém para trás. No entanto, a escola não pode esquecer de olhar para aqueles que estão lá na frente, mais adiantados que a turma porque têm algum tipo de facilidade para aprender os conteúdos, tiram boas notas e terminam as tarefas rapidamente. Sem propostas diferenciadas, esses estudantes podem se tornar até indisciplinados. A necessidade de sugerir desafios constantemente é explicada pelo psicólogo bielo-russo Lev Vygotsky (1896-1934). Segundo o teórico, o educador não deve se contentar apenas com aquilo que o aluno já sabe fazer, mas prestar atenção no que ele tem potencial de realizar com o suporte de alguém mais experiente (leia mais no quadro abaixo).

Para dar conta de atender a todas as necessidades, a equipe de docentes e gestores precisa levar em consideração a diversidade que é inerente à escola. "O trabalho com heterogeneidade deve ser incorporado às ações dentro das instituições. Essa preocupação precisa ser considerada para construir boas situações didáticas", explica Débora Rana, coordenadora de projetos do Instituto Avisa Lá e coordenadora pedagógica de Educação Infantil da Escola Projeto Vida, em São Paulo. Isso significa que, ao planejar as aulas, os educadores devem ter consciência de que as situações precisam ser diversificadas para respeitar o ritmo de cada um.

Na EEEM Cônego Leão Hartmann, em Canoas, região metropolitana de Porto Alegre, o primeiro passo para lidar com a heterogeneidade é mapear os níveis de conhecimento das crianças e dos adolescentes em relação aos diversos conteúdos. "Isso facilita a identificação das potencialidades e das fragilidades. Quando observamos que um aluno tem mais facilidade para entender alguns conteúdos, procuramos não desestimulá-lo, e sim potencializar seu desenvolvimento", explica a diretora Rosane Zimmer, que também é professora da Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Esse trabalho tem sido bem-sucedido porque é uma das prioridades da gestora. "Eu faço questão de participar de todo o processo, acompanhando atentamente a evolução das turmas, que é discutida durante as reuniões de formação. Só assim consigo garantir uma Educação de qualidade para todos", diz.

Planejamento de aulas diversificadas

Rosane conta que o planejamento é revisto trimestralmente, com a participação de toda a equipe. "Essa periodicidade nos ajuda a refletir se o currículo que pensamos inicialmente está dando certo", afirma. Darlene Santos, coordenadora pedagógica da escola, explica que o planejamento periódico é o ponto de partida para o desenvolvimento de todos os trabalhos na instituição. "Avaliamos as turmas de forma contínua, o que nos permite analisar se algum estudante tem condições de realizar algo mais avançado."

Para Débora, a definição dos objetivos e dos conteúdos a ser abordados permite à equipe saber o que esperar de cada aluno e refletir sobre os graus de complexidade que podem ser propostos. "O ajuste dos desafios é a pérola do planejamento. Só o professor é capaz de propor atividades tendo em vista quem é cada um, uma vez que ele atua diretamente com a classe. No entanto, cabe ao coordenador atuar como um terceiro olho, analisando se a proposta está ajustada", resume.

O educador Antoni Zabala descreve no livro A Prática Educativa - Como Ensinar (224 págs., Ed. Artmed, tel. 0800-703-3444, 67 reais) que o ensino adaptativo é aquele que tem como característica distintiva a "capacidade para se adaptar às diversas necessidades das pessoas que o protagonizam". Segundo o autor, os professores podem pensar em variadas estratégias, uma vez que "os meninos e as meninas, e as situações em que têm que aprender, são diferentes".

A coordenadora do Instituto Avisa Lá exemplifica esse ensino com uma situação numa turma de alfabetização. Segundo ela, é possível pedir àqueles que estão mais avançados que façam uma lista com os títulos das histórias preferidas, enquanto outros escrevem os nomes dos personagens principais com letras móveis. "Às vezes, o docente acha que os alunos se sentirão mal porque fazem atividades diferentes. No entanto, isso não é um problema se for conversado. Se alguém questionar, o educador pode explicar que as pessoas têm habilidades distintas, então, a hora de fazer as tarefas também pode ser diversificada", diz Débora. Dessa maneira, as diferenças são vistas com naturalidade.

O conceito de zona de desenvolvimento proximal, de Lev Vygotsky

Os alunos, suas habilidades e seus ritmos são diferentes e, por isso mesmo, a interação entre eles contribui para o avanço das aprendizagens de todos. Para explicar esse processo, Lev Vygotsky propôs a existência de duas zonas de desenvolvimento humano: a real e a proximal. A primeira diz respeito às habilidades e aos conhecimentos que a criança já tem; a segunda se refere aos que ela é capaz de desenvolver em interação com parceiros mais experientes, seja um colega ou um adulto. Diante disso, o teórico acreditava que o ensino deve se adiantar ao desenvolvimento, ou seja, precisa se dirigir às potencialidades do estudante. No entanto, Bettina Steren, da PUC-RS, faz uma ressalva. "A teoria de Vygotsky não deve ser tratada como um método de ensino, mas como um princípio norteador da prática pedagógica", diz. Portanto, com base no princípio, o professor pode propor atividades desafiadoras e construir uma sala de aula interativa, onde os alunos possam trocar ideias e ter autonomia para procurar as informações que desejarem.

Ajustes alimentados por diálogo e observação

Como a equipe gestora pode avaliar se os desafios propostos estão ajudando ou não a classe a avançar? Isso deve ser feito pela observação da sala de aula e por diálogos e reflexões constantes com os docentes. Dessa prática, o coordenador pedagógico consegue levantar dados, como a rapidez com que uma criança finaliza as tarefas e como acontecem as interações na turma. "O gestor pode conversar com o professor sobre por que um determinado aluno terminou a atividade proposta em cinco minutos e ficou sem nada para fazer depois", diz Débora. Sem uma análise cuidadosa de como os estudantes estão respondendo ao que é proposto, aqueles que já avançaram em determinado conteúdo podem ser identificados como indisciplinados quando terminam as tarefas e, por não terem outras, se dispersam e atrapalham os demais.

Darlene, coordenadora da escola de Canoas, conta que abriu uma via de comunicação direta com os docentes. "Minha função é de parceira pedagógica dos professores. Por isso, estabeleço um diálogo para ajudá-los a melhorar a prática", afirma. Em reuniões de formação, ela garante que todos compartilhem dados sobre as classes em que atuam. "Acompanho o trabalho dos educadores com base nos registros deles e na socialização feita nas reuniões. E também assisto a algumas aulas", diz.

Para Ana Inoue, diretora do Centro de Estudar Acaia Sagarana, em São Paulo, a observação da sala de aula é uma das práticas que mais surte efeito na melhoria do processo de ensino e aprendizagem, desde que ela gere algum retorno para o docente. "O coordenador precisa planejar a atividade junto com o professor, observar a prática e dar um retorno para ele, ajudando-o a entender o que está por trás do que acontece em aula", alerta.

A troca de experiências entre os alunos

O ajuste de desafios, no entanto, não é a única maneira de contribuir para que os estudantes progridam. A formação de diferentes agrupamentos favorece a interação entre a turma e contribui para o desenvolvimento de todos. "Na troca, aqueles que podem ajudar os colegas em conteúdos que dominam mais também ganham, porque têm a oportunidade de desenvolver outras competências, como justificar o que pensam e defender as estratégias usadas", avalia Bettina Steren, professora da PUC-RS. Débora Rana complementa que, ao convencer o outro sobre determinado assunto, a criança consegue avançar no patamar de compreensão do objeto estudado.

Para trabalhar o conceito de intercâmbio entre pares na formação dos docentes, Bettina indica que o coordenador leve para discussão os escritos de Vygotsky e também do cientista suíço Jean Piaget (1896-1980). "Segundo os estudos de Piaget, o ideal é que os agrupamentos sejam dinâmicos, porque, se toda vez você coloca um aluno que sabe muito sobre um conteúdo com outro que tem muita dificuldade, pode não se estabelecer um diálogo entre os dois", explica. Esse tipo de organização também pode evitar que quem está mais avançado faça toda a tarefa, deixando ao outro apenas a observação ou a cópia. Não esqueça, também, de incluir nos estudos da equipe autores que abordam o conhecimento didático, como Guy Brousseau e Delia Lerner.

A diretora da EEEM Cônego Leão Hartmann costuma questionar a equipe sobre como os alunos podem ajudar com os saberes que eles têm. "Em sala de aula, é natural que surjam aqueles mais aptos a colaborar nas explicações em determinadas áreas. Às vezes, a fala do colega é mais entendível do que a do próprio professor", diz Rosane. "O docente precisa trabalhar com a perspectiva de ajuda mútua e com a disponibilidade de compartilhar o saber. Se eu tenho esse conhecimento, como eu posso compartilhar com os demais?", complementa.

Propostas além da sala de aula

O incentivo ao constante avanço e à troca de saberes não precisa se limitar à sala de aula. "Se o gestor perceber que existe um terreno fértil para o aluno aprender mais, isso deve ser cultivado com iniciativas diversas", explica Ana. Uma possibilidade é criar espaços de estudos voluntários no contraturno e convidar quem tiver interesse para participar. "O grupo não pode ser exclusivo, uma vez que tudo o que tem na escola é para todos. O que o gestor pode fazer é, com base nas competências dos estudantes, convidá-los a participar de uma ou outra equipe", diz Débora. Na escola da diretora Rosane, por exemplo, alguns jovens foram encorajados a dar aulas de Música para os colegas. "Animados, eles fizeram um cronograma para ensinar a tocar instrumentos típicos do samba, ritmo bastante difundido na comunidade", conta.

A família também pode colaborar com os avanços. "A escola deve informar aos responsáveis como ela está vendo a criança. É possível fazer uma parceria com os pais, pedindo que eles promovam aprendizados extras", diz Ana. Em uma ida ao mercado, por exemplo, os filhos pequenos podem ficar responsáveis por fazer a lista do que precisa ser comprado e somar os preços. No caso de um adolescente, ele pode ser estimulado a fazer pequenos consertos em casa ou ajudar os pais a controlar as finanças. "Práticas como essas ajudam o estudante a desenvolver habilidades e competências", diz Débora.