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3º módulo: Comparação entre obras

projeto de formação em literatura juvenil

POR:
GESTÃO ESCOLAR
Mark Hamilton/Getty Images

Depois de discutir com os professores os conceitos de literatura (1º módulo) e ter iniciado a primeira fase do miniprojeto com o grupo (2º módulo), é hora de finalizar essa formação. Neste terceiro e último módulo, vamos ajudar os professores a concluir o miniprojeto com a leitura, pelos alunos, de uma obra de ruptura. O professor João Luís Ceccantini, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, que preparou esta série para NOVA ESCOLA GESTÃO ESCOLAR, lembra que, quanto mais miniprojetos realizados, mais crítico o aluno-leitor vai se tornar.

Objetivo geral
Formar professores de Língua Portuguesa do 6º ao 9º ano, bibliotecários e animadores de leitura para o trabalho com narrativas literárias longas.

Objetivos específicos
- Elaborar miniprojetos de leitura para trabalhar com narrativas longas.
- Ampliar o repertório de obras juvenis que podem ser propostas como leitura.
- Contemplar uma gama variada de subgêneros de narrativas literárias.
- Propor atividades que respeitem os diferentes níveis de leitura dos alunos e permitam estabelecer relações entre textos variados.
- Incluir na leitura obras desafiadoras que ajudem no amadurecimento do aluno como leitor.

Conteúdos do 3º módulo

- Comparação entre as obras que atendem às expectativas dos alunos e as que causam ruptura.
- Ampliação do repertório de leitura de narrativas juvenis com diferentes níveis de complexidade.
- Exploração da leitura como propulsora da criação de novos textos em diversas linguagens.

Tempo estimado
Dois meses.

Material necessário
Cópia do texto do quadro da terceira página, obras literárias da biblioteca escolar e livros adquiridos especificamente para o projeto.

Desenvolvimento
1ª etapa: apresentação
 
Antes de começar este terceiro e último módulo, lembre os professores que este trabalho de formação de leitores tem como objetivo a realização de miniprojetos com narrativas juvenis, sempre constituídos de duas fases.

Na primeira fase, apresentada no módulo anterior, os alunos leram uma obra juvenil que atende ao horizonte de expectativas deles - com características próximas a seu universo em relação ao gosto, à linguagem, aos interesses etc. Eles também fizeram a comparação com textos curtos que têm algo em comum com a obra principal e realizaram atividades relacionadas.

Agora, é hora de dar prosseguimento ao miniprojeto. Nesta fase, o foco é o contato com uma obra de ruptura, que tenha temática e linguagem mais complexas e uma estrutura diferente da que os alunos estão acostumados. O objetivo é fazer com que os jovens se surpreendam com o texto e haja uma quebra naquilo que eles esperam da obra.

Essa nova narrativa, é claro, deve ter algo em comum com a primeira. Pode ser o tema ou algum aspecto formal, de maneira que ambas possam ser comparadas, num contínuo jogo de aproximações e distanciamentos (veja o passo a passo da segunda fase do miniprojeto no quadro da última página).

Baseado na lista de narrativas elaborada pelos professores no módulo anterior (na 3ª, 4ª e 5ª etapas), explique que agora eles devem escolher o segundo livro do miniprojeto para trabalhar no próximo encontro e já preparar outras duplas de obras para os seguintes. Para a seleção, vale discutir assuntos relativos à apresentação dos livros que farão aos estudantes, à adequação às séries, às questões que devem ser inseridas nos questionários orientadores (veja exemplo no 1º módulo) para as conversas em sala de aula e as atividades a ser propostas.

2ª etapa: comparação das obras
 
Para ajudar os docentes no planejamento final, prepare com eles um quadro comparativo entre duas narrativas, conforme o exemplo abaixo.

Quadro comparativo
Um exemplo de como traçar com os alunos um paralelo entre uma obra mais simples e outra complexa

Obra
A Gangue do Beijo,
de José Louzeiro
Todos Contra Dante,
de Luís Dill
RESENHA A violência é o tema central desta narrativa e é focada sob diferentes perspectivas. Usando um enredo policial, com ritmo ágil, a narrativa trata de um grupo de estudantes que se diverte beijando à força os colegas da escola, que vão sendo escolhidos para serem as vítimas do bullying. Baseada em fatos reais, a obra também aborda a questão do bullying, revelando uma concepção original e atual. O livro trata da discriminação que Dante, um aluno de classe social desfavorecida, passa a sofrer quando recebe uma bolsa de estudos num colégio de elite. Seus novos colegas criam uma comunidade na internet para hostilizá-lo e ridicularizá-lo, desencadeando uma trajetória de violência com terríveis implicações.
ABORDAGEM
DO TEMA
O bullying é tratado de forma curiosa, explorando a contradição que pode existir num "beijo à força". No texto, a violência praticada tem caráter sobretudo simbólico, com consequências menores sobre a vida das vítimas e da gangue que comete a infração. O bullying praticado por essa outra gangue de estudantes atinge alto grau de intensidade e as novas tecnologias são usadas para intimidar e humilhar o protagonista. Além disso, o crescente estágio de agressão que vai atingindo Dante chega a um ponto devastador, alcança a dimensão física e, frente a ações de pura barbárie, resulta em consequências trágicas para o protagonista.
CARACTERIZAÇÃO
DAS PERSONAGENS
Esquemática, destacando as ações e funções que cada um desempenha na narrativa, mais do que seus traços psicológicos. Densa, ressalta a composição do protagonista, que se mostra um personagem complexo e permeado por dúvidas em sua triste trajetória.
ESTRUTURA Linear, com ações apresentadas em ordem cronológica, como se vê em consagradas narrativas policiais e de aventuras literárias e cinematográ?cas. Fragmentada, com ações de diferentes momentos se alternando, contínuos avanços e recuos temporais, cabendo ao leitor inferências e deduções para unir os diversos ?os narrativos que se desenrolam.
NARRAÇÃO Narração onisciente, em terceira pessoa, faz-se presente o mínimo possível, com o predomínio absoluto de diálogos, à moda dos roteiros de cinema e TV. Múltipla, pois os fatos e pensamentos dos personagens chegam ao leitor por meio de diversas vozes e pontos de vista, em textos que vão sendo justapostos: "links" de natureza diversa, como a comunidade Eu Sacaneio o Dante, o blog de autoria do protagonista e citações do poeta italiano Dante Alighieri (1265-1321). Tudo isso reforça a questão em pauta e permite que o leitor inter?ra e construa sentidos para a narrativa.
LINGUAGEM Simples e objetiva, oscilando entre o tom coloquial (presente nos inúmeros diálogos) e o jornalístico (no discurso do narrador). Caleidoscópica, já que é produto das inúmeras vozes que se fazem presentes em textos de naturezas variadas.
FINAL DA
HISTÓRIA
Fechado, apaziguador, de conotação positiva, com vilões punidos e mocinhos inocentados. Chocante e de grande impacto, desestabilizador e pessimista, deixa pontas desamarradas para que o leitor faça conjeturas, levante hipóteses e re?ita sobre as consequências das ações dos algozes de Dante.
DIÁLOGO COM
OUTRAS OBRAS
Evoca indiretamente romances policiais conhecidos, como os de Agatha Christie. A relação com A Divina Comédia, de Dante Alighieri, merece ser explorada, tal a beleza da obra e a riqueza de informações sobre ela disponíveis na internet.

3ª etapa: debate sobre leitura
 
Para finalizar, reproduza o texto "Escrituras", de Eliana Yunes (no quadro abaixo) e distribua para todos os professores. A intenção é promover um debate sobre o papel estimulante que as leituras de narrativas juvenis podem desempenhar na produção de novos textos, entendidos aqui em sua mais ampla acepção.

Escrituras
(Em Tecendo um Leitor: Uma Rede de Fios Cruzados, de Eliana Yunes, Ed. Aymará, pp. 66-67)

Quem toma gosto pela palavra quer ler mais e quer também escrever. Roland Barthes assinalou uma vez que há livros legíveis, que se oferecem à leitura e nela encerram sua contribuição ao nosso prazer e mesmo fruição. Contudo, há livros escrevíveis, que não nos abandonam sem que tenhamos tomado a palavra para lançá-la mais adiante. Quando li essa passagem, lembrei-me de um poema de João Cabral de Melo Neto intitulado Tecendo a Manhã. Ali ele diz que "um galo sozinho não tece uma manhã".

É preciso que ele lance seu canto e que outro o recolha e o lance ainda adiante. Assim, no entrecruzar de fios dos cantares, o sol desperta e a manhã se estende como um tecido sobre a terra. Acho que a leitura entretecida forma o leitor quando ele finalmente tece sua leitura/escritura barthesiana, e no gesto traça seu próprio perfil e põe sua assinatura, finalmente.

Um leitor de textos em qualquer linguagem sonha em colocar sua própria leitura em um suporte para tornar-se autor. Assim, as duas pontas do fio se aproximam e resultam no diálogo que, mesmo imperceptivelmente, todos os textos mantêm entre si. Essa trama é latente, mas será o leitor que a fará evidente. Dela desponta um fio que ele puxa para realizar sua produção pessoal, inscrevendo-se no seu contexto, na história. Por isso, a escrita depende de seus antecedentes - muita leitura, muita pesquisa - para que o gesto de criar nasça de uma falta que ainda se instale, um querer-dizer que não se reconhece como excesso, mas como suplemento que interroga, desvia e demanda de forma inesperada que o receptor não se cale.

Esse exercício, longe de ser mecânico, como tarefa escolar obrigatória, desborda o exterior e se impõe como demanda interna: o leitor quer desenhar, dizer, pintar, musicar, dançar, arquitetar o novo, como fruto de um desejo despertado tão súbito que os antigos falavam em inspiração das musas. Ver um filme, conhecer uma cidade a pé, contemplar um quadro, ler um livro podem ser práticas de leitura que façam o receptor "lembrar-se" de que tem algo mais a dizer, mesmo que sejam perguntas, discordâncias, devaneios. A escritura se propõe como comentários, ensaios, críticas, mas também como novos contos, nova ficção, criação. As crianças não resistem diante do novo e insistem em algo mais novo. Os adultos temem se expor com frequência.

Passo a passo da segunda fase do miniprojeto
Como trabalhar com os alunos as narrativas juvenis de ruptura em sala de aula

1ª aula
Retomar rapidamente a primeira fase do miniprojeto, destacando a importância de ler narrativas longas e estar aberto ao novo e ao diferente. Explicar como será realizada a atividade e propor a leitura individual da segunda obra (que vai romper os horizontes dos alunos). Explorar a ideia da leitura como um desafio pessoal, especialmente para o caso de um título que apresente aspectos com os quais possamos estar pouco familiarizados.

2ª aula
Realização dos dois primeiros momentos de exploração do livro (como apresentado no 1º módulo), com as respectivas sugestões de perguntas para cada um deles. A intenção é conduzir um bate-papo descontraído para que os alunos se expressem sobre a leitura que fizeram.

3ª aula
Execução do terceiro momento de exploração do livro para aprofundar a leitura realizada e compará-la, sobretudo, com a narrativa longa lida anteriormente, na primeira fase. Se no debate aflorarem aproximações e distanciamentos com os textos curtos também já lidos, isso deve ser aproveitado na discussão.

É essencial, nesse momento, que o questionário orientador da conversa com os alunos tenha diversas perguntas que busquem a comparação entre aspectos pontuais das duas narrativas lidas. O objetivo é discutir e avaliar o nível de complexidade de diversos aspectos das duas obras.

4ª aula
Após a discussão, eleja um tópico que a turma considere produtivo para elaborar uma análise sistemática, detalhada e vertical dos livros. Opções de atividades a propor:

- Uma resenha que discuta a qualidade e o nível de complexidade das duas leituras em relação à questão eleita, com o objetivo de publicá-la em algum periódico que circule na escola ou na comunidade;

- Um quadro comparativo, com fragmentos dos textos que são ligados ao tópico em pauta, separados em colunas, a ser exposto na classe para a discussão;

- Uma exposição de fotos, dividida em dois núcleos, cada um deles inspirado por uma das obras - sempre considerando o assunto selecionado para a análise;

- Uma página na internet, reunindo textos que podem auxiliar na compreensão aprofundada dos livros, podendo ser de natureza diversa - literária, jornalística, não verbal etc. Essa atividade pode ser feita de forma individual, em duplas ou em grupo.

5ª aula
Finalizar o miniprojeto retomando todo o caminho percorrido. É hora de comentar os resultados obtidos, considerando a primeira e a segunda fases, sugerindo uma reflexão sobre os efeitos provocados pela leitura de cada uma das duas obras e a contribuição dada por elas para o amadurecimento individual do aluno.

Propor, afinal, uma reflexão sobre o alargamento (ou não) dos horizontes de cada estudante e da classe em modo geral. Discutir o novo patamar de compreensão e capacidade de fruição a que essas leituras conduziram, ainda que, no caso da obra de ruptura, isso possa não ter significado prazer imediato em todo o processo.

É um momento propício para discutir a própria natureza da literatura, as diferenças entre os diversos gêneros, as características de textos produzidos para seduzir o leitor jovem de forma mais direta e aqueles em que o escritor faz menos concessões a seu público. Essa discussão deve ser ponderada, evitando os julgamentos que aniquilam títulos voltados ao entretenimento e que endeusam aqueles de teor artístico.

Faça isso mesmo com o risco de prejudicar o engajamento dos alunos nos próximos miniprojetos, na medida em que eles costumam se identificar com obras menos complexas. A meta é levá-los, a longo prazo, a adquirir repertório e competências que permitam identificações e projeções com narrativas mais densas e de melhor qualidade estética, aproveitando de maneira plena até as leituras menos accessíveis - resultado que exige tempo.

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