O desenvolvimento do projeto institucional
Diretor deve levantar aspectos que precisam de mudança e articular todos os públicos para que se sintam parte do processo
POR: Maria Maura Gomes Barbosa“Um galo sozinho não tece uma manhã: / ele precisará sempre de outros galos. / De um que apanhe esse grito que ele / e o lance a outro; de um outro galo / que apanhe o grito que um galo antes / e o lance a outro; e de outros galos / que com muitos outros galos se cruzem / os fios de sol de seus gritos de galo, / para que a manhã, desde uma teia tênue,/ se vá tecendo, entre todos os galos.
E se encorpando em tela, entre todos, / se erguendo tenda, onde entrem todos, / se entretendendo para todos, no toldo / (a manhã) que plana livre de armação. / A manhã, toldo de um tecido tão aéreo / que, tecido, se eleva por si: luz balão.”
Tecendo a Manhã, de João Cabral de Melo Neto
Se considerarmos a definição da palavra projeto, segundo Ferreira (2003 apud Rios), vemos que ela vem do latim projectu, particípio passado de projicere, que significa lançar para adiante. Isso significa que, no presente, temos a necessidade de movimento, no sentido de nos esforçar para mudar o que já não queremos mais que seja de determinada maneira. Por exemplo, uma escola que deseja fazer com que os livros da biblioteca sejam utilizados pelos alunos para além da leitura feita em sala de aula, com o propósito de constituir uma comunidade leitora, precisará investir nessa mudança. A transformação nos tira do que se costuma chamar de zona de conforto. Para que isso seja possível, o projeto também precisa ser entendido como um plano, pois, assim, a ideia de mudança não nos causará tanto receio. Ou seja, se uma mudança é desejada ou necessária, o gestor deverá agir por meio de planos para extinguir as incertezas trazidas pelo receio: ele precisará ter clareza dos propósitos, planejar estratégias de envolvimento da comunidade, ter metas de curto, médio e longo prazo, avaliar cada passo dessa construção e repensar o todo para novas investidas.
A ação exigida para a mudança ruma, então, para a construção do novo, que deve ser entendido como o futuro. Rios (2003) diz que “ao organizarmos projetos, planejamos o trabalho que temos a intenção de realizar, lançamo-nos para adiante, olhamos para frente. Projetar é relacionar-se com o futuro, é começar a fazê-lo”. A autora também enfatiza que o único momento para fazer o futuro é o presente. O desenvolvimento do projeto institucional segue esses mesmos princípios. Ele dá início à construção do futuro quando queremos ou quando precisamos do novo no presente. Quando almejamos um ideal, agora é a hora de transformá-lo em realidade e de buscar a criação de possibilidades. Sobre ideal, Rios (2003) nos explicita o seguinte: “Se apresentamos o ideal como algo desejado e necessário e que ainda não existe, precisamos justificar o ‘ainda não’. Para não lidarmos com uma fantasia, um devaneio, é preciso pensar que é necessário que ele seja possível. O que ainda não é pode vir a ser”. Portanto, há no planejamento do projeto institucional a necessidade de se fazer uma avaliação crítica, com critérios bem definidos das possibilidades, explorando os limites do que dispomos para levar adiante nosso objetivo. Caso contrário, estaremos entorpecidos em um mundo de imaginação.
Farei uma analogia para ficar mais claro. Em um dado momento, a menina do livro Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, está perdida. Ao se deparar com um gato que cochilava sobre o galho de uma árvore, indaga-lhe aonde aquele caminho, entre vários a sua frente, a levaria. O gato, antes de responder, questiona a menina sobre a que lugar ela pretendia ir. Ela diz ao felino que a qualquer lugar. Por fim, o gato retruca com a afirmação de que para alguém que quer ir a qualquer lugar, qualquer caminho lhe serve. Essa visão é totalmente contrária à postura que o gestor precisa adotar diante da necessidade de mudança: primeiro, temos de saber aonde queremos ir para, em seguida, refletir sobre qual caminho devemos tomar para o desenvolvimento do projeto institucional.
As problematizações no desenvolvimento do projeto
Todo projeto deve considerar a existência de dois polos: “a realidade desejada” e “a realidade existente” e ser norteado por alguns questionamentos. Entre eles, estão: como e com quem iremos fazer o quê? O que queremos ou precisamos? Para quê e para quem faremos isso? Se tomarmos como exemplo a constituição de uma comunidade leitora, seria importante o gestor se perguntar: Qual o papel da leitura na formação do cidadão? Quais são as ações de leitura que a escola desenvolve além da sala de aula? O que é possível ampliar com base no que já realizamos? O acervo é atualizado? Há autonomia dos alunos no acesso ao acervo? Essas e outras questões poderão estabelecer o norte para o projeto de formação de uma comunidade de leitores.
Feitas e respondidas essas perguntas, partimos para uma segunda fase do projeto, com o levantamento dos problemas. Destaco que levantá-los não é fazer um diagnóstico, mas o começar a fazê-lo. Gandin (2003) nos explica que “chamam de diagnóstico a um amontoado de dados sobre alunos, professores, prédios etc., com pouca clareza sobre o significado desses dados porque, de qualquer modo, não há referencial claro e consistente”. Por exemplo, dizer que há 5 mil livros no acervo, dois professores de biblioteca, um espaço confortável e adequado e cronograma de uso do local ou falar que não há acervo, docentes insuficientes nem espaço adequado trata-se apenas de levantar dados, não de diagnosticar a realidade da escola. Para o autor, “existe uma tendência, tão generalizada quanto confusa e improdutiva, de confundir diagnóstico com duas outras coisas: a) com a descrição da realidade; b) com um levantamento de problemas.” A descrição da realidade só faz sentido, segundo ele, se a utilizamos para fazer a comparação entre ela e os referenciais teóricos que estabelecemos. E é dessa comparação que surgirá entendimento, juízo e conhecimento mais claro da realidade.
Gandin também complementa que “não há instituição que tenha sentido, em termos de eficiência e de eficácia, sem que faça um diagnóstico continuado, dentro de um processo de planejamento”, pois é ele que nos permite verificar a distância a que nos encontramos, na prática, do ideal que propusemos. Essa distância é a representação das necessidades da escola. Então, para se chegar ao diagnóstico precisamos conhecer bem a realidade, as práticas da instituição, os problemas e os fundamentos teóricos. Feito isso, poderemos propor a situação ideal a que queremos chegar.
A fase seguinte de um projeto é a da avaliação. Esse momento é indispensável quando se desenvolve planos de ação de curto e médio prazos, pois nos permite repensá-los caso algo não esteja dando certo.
Convocar vontades para que todos se sintam parte
Definido o nosso ideal, percebidas as necessidades e as formas de avaliação das ações, é hora de chamar todos que se dispõem a construir a mudança que queremos e precisamos. O ato de convocação da comunidade interna e externa deve ter um começo semelhante àquele que dá início ao poema Tecendo a manhã, que serve de epígrafe para este artigo: o gestor não consegue colocar o projeto institucional em prática sem a ajuda de outras pessoas. “Convocar vontades significa convocar discursos, decisões e ações no sentido de um objetivo comum, para um ato de paixão, para uma escolha que contamina todo o cotidiano”, nos dizem Toro e Werneck (2007). É importante, portanto, que o propósito de todos seja o bem comum a partir de um consenso, alcançado por meio de escolhas. No entanto, consenso não significa a ausência de diferenças, mas o respeito a elas.
Valorização do processo
O projeto precisa ter conteúdos que mantenham o diálogo entre o objetivo e a realidade. A clareza e a coerência entre discurso e prática são dadas pela metodologia, pelos procedimentos e pelas técnicas que sustentam a justificativa do documento.
Na instituição, se professores, profissionais de apoio, alunos e comunidade ignoram a situação da escola e do contexto em que ela está inserida, eles terminam se acomodando a uma prática com vícios e dissociada de uma visão participativa. Portanto, estarão pouco dispostos à mudança. Cabe ao gestor ter um olhar atento e reflexivo sobre aqueles que gere, pois é ele que, antes de qualquer outra pessoa, deve sentir qual o momento exato para propor mudanças. Sua presença no processo de desenvolvimento do projeto institucional é, portanto, inteiramente indispensável em todas as fases, pois é ele que articula cada parte do processo. Isso não significa, no entanto, que o diretor é a personificação do projeto. Pelo contrário, a figura dele é a responsável, além de dar o primeiro grito, por fazer com que todos se sintam pertencentes e corresponsáveis pela implantação e acompanhamento das ações previstas.
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BIBLIOGRAFIA
GANDIN, Danilo. A prática do planejamento participativo. 17. Ed. Petrópolis - RJ: Vozes, 2010.
TORO, José Bernardo A. e WERNRCK, Nilsia Maria Duarte. Mobilização Social: um modo de construir a democracia e a participação. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
FIORIN, José Luiz. e SAVIOLI, Francisco Platão. Para entender o texto: Leitura e Redação. 16.ed. São Paulo - SP: Editora Ática, 2001.
RIOS, Terezinha Azerêdo. Ética e Competência. 13. ed. São Paulo: Cortez, 2003. Coleção Questões da Nossa Época, 2003.