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Como você, coordenador pedagógico, planeja, documenta e avalia o seu trabalho?

A formação continuada dos professores deve gerar reflexão e aprendizado para quem participa e também para quem lidera esse processo

POR:
Dayse Gonçalves
Dayse Gonçalves (Foto: Manuela Novais)
"Ensinar não é a mais antiga das profissões. É, no entanto, uma das mais solitárias" (Fullan e Hargreaves, 2000, p. 56) Na foto, Dayse Gonçalves

Começo este texto com a epígrafe acima para chamar a atenção para o caráter solitário da profissão docente. Uma profissão que exige muito de quem a exerce, sobretudo em tempos de grandes transformações sociais, quando assistimos a um alargamento das funções da escola e dos professores, embora sua principal missão seja ensinar, isto é, garantir o acesso das novas gerações ao conhecimento acumulado historicamente pela humanidade.

 A escola é, portanto, lugar de ensino e de aprendizagem. Mas não são apenas os alunos que aprendem. Como diria o educador português Rui Canário, a escola é o lugar onde os professores aprendem a profissão. E, se todos aprendem, o que aprende o coordenador pedagógico? Responder a essa pergunta é o objetivo deste artigo.

Quero convidá-los a uma reflexão sobre uma parte importante das atribuições desse profissional: a formação em contexto de trabalho.

Muitas vezes, o coordenador é visto e se vê como alguém obrigado a privilegiar inúmeros encargos, como resolver os problemas de indisciplina, dar conta das tarefas burocráticas demandadas pela Secretaria de Educação, estar às voltas com o problema da falta de professores e outros funcionários e se responsabilizar pela busca de recursos e organização de diversos eventos anuais. Enfim, falta-lhe tempo para se envolver com questões relacionadas ao desenvolvimento profissional da equipe pedagógica e, por que não dizer, com o seu próprio.

Entretanto, nós já sabemos que não há outra maneira de qualificar uma equipe a não ser garantindo a construção de um coletivo que pensa sobre os problemas que enfrenta, busca soluções, concretiza hipóteses de trabalho e avalia suas ações em colaboração com seus pares e com a coordenação pedagógica. Dá para ver que não há soluções mágicas, porque a questão é simples: enquanto os professores permanecerem solitários no desenvolvimento de seu trabalho, dificilmente se poderá garantir a inovação. Não me refiro a modismos que todos os anos acometem a escola. Chamo de inovação a melhoria da prática na sala de aula, da aprendizagem dos alunos e da qualificação da unidade escolar como um todo. Falo de inovar no sentido de tratar de fazer com que todo o coletivo de professores avance rumo a uma melhor compreensão dos processos de ensino e aprendizagem, qualquer que seja a área do conhecimento em que atuam. Para tanto, é preciso que, cada vez mais, os docentes avancem no domínio dos conteúdos, desenvolvam melhores estratégias para ensiná-los, reflitam sobre a qualidade da interação que mantêm com os alunos e compreendam o papel preponderante que têm como mediadores entre os estudantes e os objetos de aprendizagem. Portanto, deve ser uma preocupação do coletivo refletir constantemente sobre o grau de sucesso que obtém nas suas intervenções em sala de aula. Uma prática qualificada, intencional, bem planejada e constantemente analisada e avaliada deve ser o sonho e a responsabilidade do coordenador pedagógico.

Infelizmente, não é incomum que os coordenadores identifiquem problemas, mas atribuam aos professores a tarefa de saná-los, eximindo-se do compromisso de acompanhar os processos. Ora, processos são maneiras de agir ou um conjunto de medidas tomadas para se atingir algum objetivo. Nessa perspectiva, pensar a formação é traçar metas, discutir coletivamente hipóteses de trabalho e avaliar constantemente as decisões didáticas tomadas, ao mesmo em que se acompanha a evolução da aprendizagem, pois ela está diretamente relacionada aos resultados do ensino. Portanto, no processo de formação, é preciso ter claro também quais são os indicadores que nos permitem verificar se, de fato, alcançamos as metas almejadas ou, ao menos, a que distância estamos delas.

Foco para atingir os resultados

Fazer tudo o que falamos acima requer, primeiramente, tempo. Por isso, o coordenador pedagógico necessita se planejar para não deixar que outras atribuições se sobreponham a uma de suas mais importantes missões: a formação continuada. E quanto tempo deve durar um conjunto de ações de formação? Duas, quatro, oito reuniões coletivas? Um ano letivo? Mais ainda? Essa questão é complexa, mas precisa ser encarada. Dependendo do conteúdo trabalhado, pode-se pensar em ações de curto, médio e longo prazo. É preciso considerar também a necessidade de se retomar, de tempos em tempos, determinados pontos, pois as equipes mudam e novos problemas se colocam. Nesses casos, é possível socializar saberes, de modo que, felizmente, o coordenador não se torne o único responsável pela formação dos docentes.

Mas construir uma cultura colaborativa implica garantir tempo e espaço para que esse coletivo discuta, planeje, analise e avalie seu trabalho e incentivar e valorizar atitudes de respeito mútuo. Além disso, também é necessário criar oportunidades para que os profissionais relacionem as experiências, confrontando-as com as teorias estudadas. Dessa forma, será possível ampliar saberes e, consequentemente, afinar os modos de olhar para os fenômenos que acontecem em sala de aula.

Muitas vezes, no entanto, em vez de repensar o ensino e a relação que ele tem com a evolução da aprendizagem dos alunos, emprega-se tempo em outras questões, como a organização de eventos ou colocando a culpa dos resultados ruins na família que tem baixo capital cultural ou que não participa da vida escolar do filho. Ora, se a responsabilidade pelo ensino e a aprendizagem é da escola e se à frente da equipe está um coordenador pedagógico, é a ele que cabe conceber um modo de enfrentar as questões que impedem o sucesso do processo. E isso só se consegue garantindo a formação continuada em contexto de trabalho, pois ela considera as situações vivenciadas pelo professor e permite ao coordenador realizar intervenções com o grupo, estabelecendo problemas e buscando novos caminhos para resolvê-los. Se essa discussão for feita de forma coletiva, todos se sentirão envolvidos com a análise das práticas, na construção de conhecimento didático e, porque não dizer, eticamente comprometidos com os alunos que atendem e com o oferecimento de uma Educação de qualidade. Como diz Francisco Imbernón, professor da Universidade de Barcelona, quem, além do coordenador pedagógico, poderia se ocupar de mudanças na escola que favorecem a necessária autonomia intelectual dos professores por meio de novas aprendizagens profissionais?

Pensando em todas essas questões, gostaria de convidar o leitor a refletir sobre a necessária mudança no modo de organizar e refletir sobre o trabalho de formação continuada. Nos estudos sobre esse assunto, há muita referência sobre ações formativas que operam poucas transformações na instituição e nas salas de aula. Os fatores são diversos. Quando elas acontecem de fora para dentro da escola, por exemplo, guardam pouca relação com os problemas que os professores vivenciam de fato em suas unidades e, muitas vezes, os conteúdos abordados não são, necessariamente, aplicáveis a outras realidades. Quando são pertinentes e aplicáveis, não são todas as vezes que se pode contar com uma interlocução na própria escola com o coordenador e com os colegas de série, segmento ou área, uma vez que nem sempre há interesse ou espaço para dar continuidade à reflexão sobre possíveis mudanças no modo de ensinar determinados conteúdos. Por fim, o que se assiste é a atuação solitária ou a desistência de buscar outros caminhos, o que é muito desestimulante para os docentes. Por essa razão, é preciso pensar na formação promovida dentro da escola.

Perguntas que norteiam a reflexão

Ao identificar os problemas, é importante que se planeje o modo de enfrentá-los, fazendo-se algumas perguntas. Quantas reuniões coletivas serão necessárias e como serão os encontros? Como os professores avaliam se de fato estão conseguindo obter sucesso nas atividades de ensino? Como ajudá-los a rever as práticas? De que maneira construir com o coletivo de professores critérios de análise que lhes permita problematizar suas intervenções didáticas? Como levá-los a construir um espaço de indagação permanente sobre a própria atuação, dentro e fora dos encontros de Aula de trabalho coletivo pedagógico (ATPC)?

Para que a autonomia intelectual se dê de forma progressiva, também será preciso refletir sobre quais devem ser as dinâmicas utilizadas na formação. É interessante criar espaços de análise e discussão da própria prática à luz das contribuições de autores que tenham se debruçado sobre as didáticas específicas? Será melhor analisar outras práticas bem-sucedidas a fim de identificar critérios didáticos que tenham sido levados em consideração no planejamento? Devo incentivar a produção coletiva de documentação pedagógica sobre a qual se possa ir e vir ao longo do tempo, colaborando com comentários, problematizações, de modo que ela possa ser revista, aperfeiçoada, com base na crescente obtenção de melhores resultados? Qual é o papel e a função dos professores mais experientes no processo? É interessante convocar a equipe a avaliar ao final do processo de formação e ao final de uma sequência didática ou projeto os resultados obtidos?

Como se pode ver, há muito que se fazer quando se define e se planeja a formação em contexto de trabalho. É preciso desenhar boas pautas para os encontros, registrar os aspectos que foram discutidos e os acordos definidos e aquilo que segue sendo problema e objeto de reflexão. Portanto, as próprias pautas devem servir como memória de um percurso trilhado por toda a equipe pedagógica em relação aos conteúdos. Esse tipo de documentação é muito importante, pois permite, de tempos em tempos, voltar atrás para refazer o caminho e recuperar as boas soluções pensadas, evitando, assim, equívocos já superados à custa de debate e muito estudo.

Com relação aos registros reflexivos individuais e à documentação produzida coletivamente a respeito das boas práticas que se tornaram referência, é preciso que o coordenador as acompanhe de perto e contribua com boas perguntas que possam levar os professores, individualmente e com seus pares, a aperfeiçoar seu trabalho e avançar na sua capacidade de analisá-lo criticamente.

Também é muito importante que o coordenador utilize a observação da prática dos professores como estratégia formativa. Todos sabem da distância existente entre o que se planeja e o que de fato acontece em sala de aula. Por essa razão, o olhar do outro, do parceiro genuinamente implicado no aperfeiçoamento profissional do professor, é fundamental. É igualmente importante que o coordenador pedagógico analise as produções dos alunos, discuta com os docentes o que, como e quando avaliar. Essa é a única forma de conseguir que a formação esteja a serviço da qualidade do ensino e da aprendizagem.

No entanto, para que os processos sejam de fato acompanhados e avaliados, o coordenador também precisa registrar sua prática como formador. Dessa forma, ele será capaz de analisar cada etapa do trabalho criticamente, identificando problemas e necessidades, a fim de buscar novas maneiras de fazer aquilo que, talvez, seja a mais gratificante de suas atribuições: garantir a seus professores aprendizagens profissionais que elevem a qualidade do ensino promovido na sua escola.

Por fim, é preciso que o coletivo docente conheça e se reconheça nos conteúdos de formação, nas metas que se planejou alcançar, que sinta que ele próprio apoia e é apoiado por toda a equipe, que veja sentido nos desafios que enfrenta nas situações de formação e enxergue que o esforço de se comprometer com ideias, com opiniões, leitura e escrita em contexto de trabalho traz muitas compensações no que diz respeito às aprendizagens que ele próprio realiza. Como consequência disso, os alunos também aprenderão mais. A escola, como um todo, ensinará mais e melhor. E, assim, aquela que é a principal função do professor e da escola se cumprirá.

Quer saber mais?

BIBLIOGRAFIA
Augusto, Silvana. Os desafios do coordenador pedagógico. Disponível em http://abr.ai/1od8ahg

Canário, Rui. A escola: o lugar onde os professores aprendem. Psicologia da Educação. São Paulo, n. 6, p. 9-27, 1º semestre de 1998.

Fullan, Michael; Hargreaves, Andy. A escola como organização aprendente: buscando uma Educação de qualidade. Porto Alegre: Artmed, 2000.

Imbernón, Francisco. Formação continuada de professores. Porto Alegre, Artmed, 2010.