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"O CAQi deve garantir condições favoráveis de ensino e aprendizagem"

Um dos criadores do Custo Aluno-Qualidade inicial (CAQi) explica como essa proposta pode revolucionar a Educação pública no país

POR:
Gustavo Heidrich
Foto: Marina Piedade
JOSÉ MARCELINO REZENDE PINTO
Foto: Marina Piedade

O nome é complicado: Custo Aluno-Qualidade inicial (CAQi). Mas a ideia é simples e antiga: dar condições mínimas de infraestrutura e recursos humanos para que as escolas tenham condições de oferecer uma Educação satisfatória. A proposta está sendo estudada desde 2002 por educadores membros da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, movimento da sociedade civil. Em abril, ela foi aprovada como referencial de investimento pela Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE) e, até o fim do ano, pode se tornar lei caso seja incorporada ao novo Plano Nacional de Educação (PNE). "Hoje, o estado do Maranhão, por exemplo, gasta com um aluno metade do que é investido em um estudante paulista. Um dos propósitos do CAQi é acabar com essas disparidades e fazer com que os custos mínimos para garantir uma Educação de qualidade para qualquer matriculado no território nacional sejam garantidos por lei", explica José Marcelino de Rezende Pinto, um dos criadores da proposta e professor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP), campus de Ribeirão Preto, a 330 quilômetros da capital paulista. Apenas quatro estados - Acre, Espírito Santo, Roraima e São Paulo - e o Distrito Federal investem os valores que o CAQi está propondo. Nesta entrevista, Rezende Pinto explica como a proposta pode alterar a realidade do ensino público no Brasil.

O que pode mudar se o CAQi for aprovado junto com o novo PNE?
JOSÉ MARCELINO REZENDE PINTO
Hoje, o principal argumento usado para justificar o baixo desempenho das escolas públicas é a falta de recursos financeiros para aplicar em infraestrutura, material pedagógico, formação de professores etc. É comum escutar críticos dizendo que o Brasil colocou todas as crianças nas salas de aula, mas que os recursos para atendê-las não aumentaram na mesma proporção. A ideia é que o CAQi garanta o que é preciso para que as condições de ensino e aprendizagem sejam mais favoráveis.

Qual a diferença entre o CAQi e os outros outros tipos de financiamento da Educação que temos?
REZENDE PINTO
Essa é a única proposta que faz um cálculo com base nas necessidades da escola e de cada um dos segmentos de ensino. O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), por exemplo, estipula um valor por estudante. Contudo, ele é obtido com a divisão do montante de recursos disponíveis para a Educação pelo número de matrículas na rede. É esse cálculo que determina quanto a escola vai receber, independentemente de ela precisar de uma quantia maior se atender mais crianças na Educação Infantil. Já o CAQi foi elaborado com outro raciocínio: ele estima tudo o que é preciso para que uma escola tenha condições básicas de funcionamento para que o aluno aprenda. Por exemplo: nas creches, calculamos que o custo mínimo de uma criança por ano, atendida em tempo integral, é de 6.400 reais, em valores de 2009. Ou seja, uma unidade que tenha 100 crianças com idade até 3 anos teria de receber 640 mil reais anuais. Já o gasto por aluno no Ensino Médio ficou por volta de 2.380 reais por ano. Esse é um cálculo que nenhum outro mecanismo de financiamento fez até hoje.

Como se chegou aos custos propostos por aluno?
REZENDE PINTO
Desde as primeiras reuniões para a criação do CAQi, em 2002, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação promove encontros com gestores municipais e estaduais, equipes de escolas de várias regiões do país e instituições ligadas à Educação, como a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). Discutimos principalmente a remuneração dos profissionais de Educação e os insumos necessários para que uma escola funcione com qualidade em qualquer parte do país. Pensamos no tamanho ideal do prédio; no número de salas, de professores e de funcionários; na biblioteca e no acervo; nos banheiros; nos laboratórios de informática e de Ciências; nos materiais pedagógicos; nos equipamentos e no mobiliário. O cálculo foi feito para cada nível de ensino, da Educação Infantil ao Ensino Médio. Depois, uma equipe liderada pela professora Andréa Gouveia, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), pesquisou os custos de tudo, o que nos levou à definição dos valores estabelecidos pelo CAQi.

Nenhuma escola serviu de modelo?
REZENDE PINTO
Não. Temos poucas unidades funcionando com um bom padrão de qualidade. Por isso, optamos por projetar uma escola que possa servir de parâmetro para todo o Brasil. É importante dizer que essa unidade imaginada por nós não é a ideal, mas a que oferece o mínimo necessário para que o ensino e a aprendizagem sejam efetivos.

Financeiramente, o que é preciso para que o CAQi se torne realidade?
REZENDE PINTO
Pelas projeções, para ele ser viável hoje, com o atual número de matrículas, seria preciso dispor de 4,4% do nosso Produto Interno Bruto (PIB) por ano com a Educação Básica - nos últimos dez anos, gastamos 3%. Isso está longe de ser impossível se pensarmos que o novo PNE prevê um investimento total de 10% do PIB até 2014 - incluídos aí a Educação Básica e o Ensino Superior. Esses recursos viriam do aumento no aporte de verbas do Fundeb, na ordem de 40 bilhões de reais; do acréscimo nos recursos fiscais vinculados para a Educação, de 18% para 25% na União e de 25% para 30% nos estados e municípios; e da reserva de 50% da renda do petróleo da camada pré-sal para a Educação.

O aumento de recursos para a Educação é viável na realidade brasileira?
REZENDE PINTO
Creio que sim. Poucos países investem 10% do PIB em Educação. Por isso, a proposta é chegar progressivamente a esse patamar, mantê-lo por cerca de dez anos - para zerar os déficits acumulados - e estabilizar o investimento em 6%, como ocorre hoje na Argentina. É urgente um choque de investimento, como aconteceu na Coreia do Sul, para reformular a carreira dos professores - hoje o maior problema que temos, na minha opinião. Só assim teremos condições de mudar a rotina de quem já trabalha na área, trazer melhorias e, com isso, tornar a profissão atraente. Isso não quer dizer apenas aumentar salários, mas estabelecer condições para que os profissionais se dediquem a apenas uma escola em jornada integral e tenham tempo adequado para o planejamento e a formação. Hoje, cerca de 38% do PIB brasileiro vem de impostos e tributos, não é um absurdo econômico investir um quarto disso na Educação Básica para instalar o CAQi e dar o primeiro passo.

Como o CAQi será atualizado ao longo do tempo?
REZENDE PINTO
O previsto no projeto é atrelar o custo por aluno ao crescimento do PIB per capita. Isso quer dizer que quanto mais renda gerada, maior o investimento em Educação. Como diz o próprio nome, o CAQi é um custo inicial, apenas o ponto de partida.

Como fica o CAQi para as instituições que têm Educação de Jovens e Adultos (EJA) e alunos com deficiência?
REZENDE PINTO
Essa é mais uma injustiça do sistema de financiamento que se pretende resolver. O previsto no projeto é que as escolas com estudantes de inclusão recebam o dobro da verba por aluno - se uma criança custa 2 mil reais por ano, uma de inclusão custará 4 mil. No caso do EJA, o investimento tem de ser, pelo menos, igual ao praticado no ensino regular, o que não ocorre hoje pelos padrões do Fundeb. Há simulações de gasto também para a Educação integral, mas como esse modelo é pouco representativo no Brasil não nos aprofundamos nele. Porém, me parece que precisamos ampliar a jornada do aluno na escola se queremos qualidade.

Quais áreas serão mais beneficiadas com o CAQi ?
REZENDE PINTO
Os grandes gargalos, além da questão da carreira docente, são a proporção de alunos por professor e a falta de espaços de aprendizagem fora da sala de aula. Para se ter uma ideia, apenas 33% das escolas têm bibliotecas e 5%, laboratórios de Ciências. Outras não têm banheiro ou instalações elétricas. Cada espaço exige profissionais e tempo para planejar o uso com fins pedagógicos.

Os gestores escolares terão mais autonomia para administrar recursos?
REZENDE PINTO
Sim. Isso é um dos pressupostos do CAQi. Ele prevê dois tipos de verba que vão direto para as escolas: uma para investir na formação continuada de professores e em projetos institucionais e outra para a manutenção da infraestrutura. Antes de usar o dinheiro, os diretores deverão consultar o Conselho Escolar e depois prestar contas. A intenção é acabar com práticas como festas e outras formas de arrecadar recursos extras, que, em geral, pressupõem a contribuição em dinheiro das famílias, com a qual nem sempre é possível contar.

De que forma o CAQi levará a uma maior cobrança pela qualidade?
REZENDE PINTO
A própria existência do CAQi será uma maneira de fiscalizar os recursos da Educação. Hoje, muitos desvios acontecem principalmente nos gastos com construção e manutenção. Não há um padrão e cada um gasta como bem entende desde que haja uma nota comprovando. Com um valor estipulado em lei pelo CAQi, qualquer cidadão poderá questionar por que uma obra custou mais do que deveria.

Os gestores poderão exigir mais iniciativas das Secretarias?
REZENDE PINTO
Certamente. Eles terão uma base para cobrar do poder público a adequação da escola aos parâmetros de qualidade. Bastará consultar a lista dos insumos mínimos estipulados pelo modelo de referência do CAQi, que estará disponível quando for aprovado. Há ainda propostas complementares incluídas no novo PNE. Uma delas prevê a criação do Fórum Nacional de Educação, instituição independente, com integrantes da sociedade civil e poder para fiscalizar a qualidade da Educação. Outra é a Lei de Responsabilidade Educacional, para punir com a inelegibilidade todos os gestores municipais e estaduais que não cumprirem suas obrigações.

Quais as chances de aprovação do CAQi em ano de eleições?
REZENDE PINTO
O CAQi é um conceito criado após amplo debate com diversos setores da Educação e que foi aprovado na Conferência Nacional de Educação (Conae) este ano e pelo CNE. Há boa vontade do Congresso com a Educação, mostrada com o fim da Desvinculação de Receitas da União (DRU) em 2009. Tudo leva a crer que o CAQi será incorporado ao PNE para se tornar lei.

Quer saber mais?

INTERNET 
Livro Custo Aluno-Qualidade inicial - Rumo à Educação Pública de Qualidade no Brasil

, de José Marcelino Rezende Pinto e Denise Carreira.

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