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O papel do Conselho Tutelar

Debate legal

POR:
Juca Gil
Juca Gil. Foto: Marcos Rosa Debate Legal

Juca Gil é professor de Políticas Educacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, para os íntimos) completa 20 anos em 13 de julho e aqueles que se dedicam à Educação têm muito a comemorar: essa lei representa uma conquista e uma fonte de inspiração e constitui-se num valoroso aliado na formação de cidadãos. Não podemos esquecer que ela se tornou uma referência internacional, um exemplo de como qualquer país deve tratar suas crianças e seus adolescentes.

Apesar da excelência reconhecida, a falta de conhecimento do ECA ainda é uma realidade. Poucos gestores educacionais dominam seus conteúdos. A maioria tem apenas impressões genéricas, construídas em situações complicadas - como a exigência de matrícula, as constantes faltas de um aluno, a família que nunca comparece à escola, o estudante muito indisciplinado ou a presença de drogas na escola. Por infelicidade, o ECA só é citado quando se chega a situações-limite e os ânimos já estão exaltados. Como muitas vezes os responsáveis por fazer cumprir o ECA são os conselhos tutelares (CTs) - e as escolas têm baixa governabilidade sobre suas ações -, esses são vistos quase como invasores ou agentes que mais atrapalham do que ajudam. Contudo, nós, educadores, somos, por ofício, guardiões dos direitos dos estudantes, e as instituições que resguardam esses direitos (como os CTs) só podem ser nossas aliadas. Se não são, é sinal de que algo grave está acontecendo.

Sem dúvida, existem equívocos de várias partes. No que tange aos conselheiros, muitos erros são cometidos por causa da falta de familiaridade com o funcionamento das escolas. Não raro, eles não são especialistas em Educação e não acompanham com a profundidade necessária os debates elementares da área: projetos, programas, currículos etc. Até sem ter consciência disso, vez ou outra eles atropelam as escolas com algumas de suas atitudes, dando, por exemplo, opiniões sobre o conteúdo de determinada matéria ou sobre o relacionamento de uma professora com seus alunos sem ouvir os envolvidos ou ainda tomando partido de estudantes contra a direção antes de dialogar. Uma maior aproximação dos CTs com as equipes gestora e docente pode evitar ruídos nesse relacionamento.

Já da parte da escola, a falta de iniciativa tende a ser o principal motivo de desentendimentos. Vejamos um caso: quais ações são prontamente desencadeadas quando ocorrem cenas explícitas de agressão, deboche, discriminação e preconceito antes de essa prática virar uma rotina na instituição? A seriedade do assunto não pode deixar que esses atos rolem soltos e omitir-se é abdicar do papel educativo. Afinal, estamos ensinando aos jovens o que é (des)respeito. E nós, profissionais da Educação, muitas vezes sem saber o que fazer, acabamos por agir em algumas situações (como a do bullying) só quando cutucados pelo conselho.

Sem dúvida, os conselhos tutelares podem ser grandes aliados dos educadores se forem usados em favor do nosso trabalho na formação de crianças e adolescentes. Se a relação dos conselheiros com a escola não satisfaz aos anseios da sociedade, cabe a nós mudar esse rumo, em que o respeito aos estudantes seja uma tarefa coletiva entre conselhos tutelares, famílias e escolas.

Juca Gil

É professor de Políticas Educacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

União produtiva

Como fazer uma parceria com os conselhos tutelares para resolver a indisciplina dos alunos?
Lúcia Marta de Lira, Rochedo, MS


A prioridade - sempre - é que alunos e professores acertem os problemas em sala de aula sem interferências externas - mesmo porque sabemos que parte dos casos de indisciplina tem origem dentro da sala de aula (postura do professor, autoritarismo) e da própria escola (regras de conduta pouco ou nada discutidas, punições). Para tanto, é preciso que os gestores articulem as normas de convivência entre os jovens, os professores, os funcionários e as demais pessoas que frequentam a instituição de modo a resolver a maioria das situações que aparecem. O conselho tutelar pode, sim, ajudar os diretores escolares, principalmente esclarecendo dúvidas sobre direitos e deveres das crianças e dos adolescentes, dando dessa forma respaldo ao trabalho da equipe gestora. Em alguns casos, é possível que o conselho auxilie na articulação junto a outros agentes - como as famílias e os serviços de assistência social - ou mesmo no desenvolvimento de alguns projetos institucionais junto com os gestores. Como o problema da indisciplina que tem origem em causas externas não ocorre apenas em uma escola, é fundamental abordar a questão coletivamente e não personalizá-la. Seria importante as Secretarias de Educação (estaduais e municipais) procurarem o Ministério Público para organizar conjuntamente ações de formação e "combinados", integrando assim o trabalho dos gestores e dos conselheiros. Isso poderia evitar confrontos em situações cotidianas, quase sempre bastante complexas, desgastando as relações e dificultando uma aproximação produtiva entre as duas partes. Caso não haja a possibilidade de intervenções grupais, cada gestor pode propor um intercâmbio com os conselheiros de sua região.

Conselho omisso

Quem ou que órgãos a escola pode contatar quando o conselho tutelar não cumpre suas obrigações?
Rosa Helena de Freitas Rogério Carvalho, São Paulo, SP


Como em qualquer situação conflituosa, sempre é melhor tentar a resolução da questão diretamente com os envolvidos: no caso, a escola e o conselho tutelar. Conversar com mais de um conselheiro, ler a legislação referente às funções do CT e, se possível, formalizar as demandas por escrito ou ter testemunhas dos contatos realizados são algumas das medidas que podem ser tomadas. Afirmar que o conselho não cumpre suas obrigações é uma acusação grave e, ao fazê-la, é preciso ter em mãos elementos consistentes que demonstrem as ações equivocadas ou as omissões do órgão. O caminho é procurar o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, o Ministério Público ou o Juizado da Infância e da Juventude.

Autonomia escolar

Hoje em dia, é comum o aluno dizer ao professor que vai chamar o conselho tutelar quando alguma coisa lhe desagrada, o que pode levar os educadores a se sentir de mãos amarradas. Onde está o direito do professor em sala de aula?
Rosângela Martins Bauer, Torres, RS


Essas dúvidas - ou críticas - são muito comuns. Há diretores e professores que se sentem constrangidos e até agredidos pelas ações dos conselhos tutelares. Contudo, esses colegiados não têm poder para interferir em atribuições específicas dos professores, como a escolha de conteúdos, o planejamento e a organização didática e as formas de avaliação. A sala de aula não está acima das leis, que devem ser cumpridas em qualquer espaço por qualquer cidadão. Certamente, os estudantes não podem fazer chantagem com os professores e esses devem respeitar os direitos dos alunos. A comunidade escolar precisa conhecer o Estatuto da Criança e do Adolescente e esclarecer todas as dúvidas sobre as atribuições dos conselhos tutelares para não gerar fantasmas. É essencial que os conselheiros conheçam os projetos políticos pedagógicos, as regras de convivência das escolas e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e, assim, não atrapalhar professores e gestores. Para isso, trabalhos coletivos de formação, via Secretaria de Educação, tendem a ser mais eficientes do que iniciativas isoladas de escolas.

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