Contas em dia e sempre abertas
Escola do Amapá ensina a manter o caixa em ordem
POR: Cinthia RodriguesMacapá é a única capital brasileira cortada pela linha do Equador e uma das localidades mais quentes do país: os termômetros chegam aos 40 ºC em todas as épocas do ano. Na EE Alexandre Vaz Tavares, fundada em 1950 e localizada no centro da cidade, esse calor atrapalhava muito a vida de alunos e professores. Por falta de dinheiro, os poucos bebedouros e aparelhos de ar condicionado viviam quebrados. "Havia uma tensão constante gerada pelo incômodo e pela frustração da comunidade, que não via como resolver o problema", lembra a diretora-adjunta Ivanete Almeida Rodrigues, que começou a trabalhar na escola em 2003 e foi uma das responsáveis pela melhoria do clima da unidade - nos dois sentidos.
O fato é que o orçamento da unidade era muito mal administrado. Os recursos do Programa Dinheiro Direto na Escola (do governo federal) e do Caixa Escolar (da Secretaria da Educação do estado do Amapá), que deveriam servir para adquirir material pedagógico e fazer a manutenção da estrutura, eram integralmente usados na compra de papéis e produtos de limpeza - e não sobrava nada para cuidar dos equipamentos e investir em outras áreas.
O maior problema era a desorganização. Os raros recibos e notas fiscais de compras feitas em anos anteriores estavam misturados com projetos pedagógicos e outros documentos dentro de pastas sem identificação. Essa confusão burocrática levou ao atraso nas prestações de contas à Secretaria de Educação e, por isso, a escola ficou impedida, durante anos, de participar dos programas periódicos de repasse de verbas extras da rede estadual.
Assim que assumiu o cargo, Ivanete não teve dúvida: seguiu o que diz qualquer manual do bom gestor e colocou a burocracia em ordem para não atrapalhar o trabalho pedagógico. Ela transferiu para a secretaria da escola um arquivo de quatro gavetas que não tinha uso na sala dos professores. Para cada gasto, destinou uma pasta. Nelas, passaram a ser colocados os comprovantes de tomadas de preços, os contratos firmados com fornecedores e as respectivas notas fiscais e recibos. Em outra gaveta, a diretora-adjunta reuniu os informes enviados pela Secretaria da Educação com os dados sobre o repasse de recursos ao longo do ano.
A gestora também montou uma planilha com três campos: um para a previsão de gastos, outro para as dívidas pendentes e o último para a montagem de um fundo de reserva para emergências. Com essas medidas simples, ficou fácil antecipar e controlar o orçamento. Em apenas seis meses, as contas estavam organizadas - e equilibradas.
No fim do primeiro ano de trabalho, Ivanete conseguiu regularizar as antigas prestações de contas junto à Secretaria de Educação (para isso, teve de procurar os antigos gestores para saber onde eles compravam material pedagógico e contratavam serviços). "Fui atrás dos fornecedores, expliquei a situação em que estávamos e eles me deram a segunda via dos recibos e das notas fiscais que faltavam para concluir os processos."
Ações para ter o caixa da escola em ordem
- Separar verba para despesas e para gastos futuros.
- Organizar os documentos e as notas fiscais em pastas próprias e em ordem cronológica.
- Atualizar a prestação de contas para o governo.
- Mostrar aos pais e aos funcionários de onde vem o dinheiro que a escola recebe.
- Explicar à comunidade como se aplica a verba.
- Discutir o orçamento e as prioridades de compra com a comunidade.
Transparência e democracia
A cada nova decisão, Ivanete compartilhava tudo com os professores e os funcionários. Essas reuniões passaram a ser periódicas e são realizadas até hoje. Outro hábito que se mantém é a elaboração de um balanço simplificado, que é afixado nos quadros de avisos da sala dos professores e do refeitório. Assim, servidores e alunos têm acesso às informações financeiras. "Quem tem dúvidas pode esclarecê-las conosco e até conferir os papéis, que ficam guardados para a consulta", explica.
A notícia de que as contas estavam abertas espalhou-se pela comunidade e rapidamente aumentou o número de interessados nas reuniões. No fim de 2003, Ivanete convocou a comunidade para decidir como gastar o repasse da Secretaria para a compra de material permanente. O auditório de 200 lugares ficou pequeno - e as caixas de som, o microfone e os participantes tiveram de ser deslocados para a quadra. A proposta vencedora foi a de adquirir bebedouros. "Tínhamos só dois muito velhos, que viviam quebrados e não deixavam a água fresca", lembra Ivanete.
O diretor geral da escola, Edson Canuto de Souza, e toda a equipe gestora comemoraram o aumento da participação da comunidade - nas questões administrativas e também nas pedagógicas, já que o quórum das reuniões de pais aumentou significativamente. "Esses encontros tornaram nossa gestão transparente e isso nos aproximou das famílias, que viraram grandes parceiras para melhorar o desempenho dos alunos."
A colaboração agora se dá em diversos níveis: "De vez em quando, aparece um pai ou uma mãe com uma dica de empresa que faz serviços de manutenção com preços vantajosos", afirma Souza. Da mesma forma, familiares se oferecem para ajudar com serviços de pedreiro, jardineiro e pintor. É assim que a Alexandre Vaz Tavares ganha pintura nova todos os anos ao custo apenas da tinta. "A cor dos muros é padrão no estado - palha em cima e terracota embaixo -, mas nossas paredes são as mais brilhantes", orgulha-se a diretora-adjunta.
Contas e aprendizado
No fim de 2004, uma nova consulta à comunidade foi realizada. E o calor mais uma vez influenciou no resultado da votação: a opção vencedora por unanimidade foi comprar novos aparelhos de ar condicionado - para substituir os que não tinham mais conserto e equipar as salas que ainda não possuíam esse conforto. "Alguns estavam em condições tão precárias que, para dar baixa no patrimônio do Estado, retiramos e enviamos apenas a plaqueta com o código", lembra Ivanete. Nos anos seguintes, os gestores passaram a investir na manutenção preventiva dos equipamentos - um procedimento sensato que evita grandes despesas de uma só vez e mantém tudo funcionando como deve.
Em 2006, com a prestação de contas em dia, a escola voltou a ter o direito de participar de um programa da Secretaria de Educação para a reforma predial. Assim que os engenheiros consultaram a direção sobre as melhorias necessárias, uma assembleia extraordinária foi convocada e a proposta vencedora foi a construção de um refeitório e de duas praças, que se tornaram as áreas preferidas nos horários extra-sala. E, com dinheiro em caixa, foi possível pensar em várias ações para melhor atender a comunidade (leia o quadro ao lado).
O melhor de tudo, garante a coordenadora pedagógica, Cirlene Damasceno Picanço, é que todo esse esforço para conquistar um ambiente mais confortável e acolhedor teve reflexos diretos na aprendizagem dos alunos. Graças ao bom planejamento financeiro, nunca mais faltou material pedagógico. "Todos os pedidos feitos no começo do ano são atendidos nas datas previstas, sem atrasar o cronograma do planejamento de aulas", afirma. As reuniões de professores, antes pautadas por problemas de infraestrutura, agora são dedicadas exclusivamente a debater questões de ensino e aprendizagem.
Regina Lúcia dos Santos Ribeiro leciona na Alexandre Vaz Tavares há 17 anos e acompanhou de perto o processo de saneamento das contas. Ela não tem dúvidas em afirmar que hoje os professores se sentem mais valorizados por poderem opinar e saber para onde vai o dinheiro destinado à administração da escola. "Com tudo organizado, não temos que nos preocupar com surpresas ruins e sobra mais tempo e disposição para planejar e dar aulas."
As notas das avaliações externas ajudam a ilustrar esse efeito. Na sala da diretoria, diplomas celebram vitórias em duas olimpíadas estaduais de Matemática e uma de Química nos últimos três anos. E os alunos da Alexandre Vaz Tavares tiveram a média de 47,38 pontos no último Exame Nacional de Ensino Médio, o quarto melhor resultado do estado, cuja média foi de 44,39 (a nota da escola também foi melhor que a média nacional, de 46,25). E tudo começou ao colocar as contas em dia.
Muito além do orçamento
Promover festas para arrecadar recursos sempre foi uma prática comum e bastante eficaz nas escolas brasileiras. Mas é essencial garantir que a comunidade saiba quais são os objetivos da comemoração e tenha clareza sobre onde o dinheiro será aplicado. Na EE Alexandre Vaz Tavares, enquanto as finanças estavam desorganizadas, tudo o que entrava no caixa era usado para cobrir o déficit. Quando a situação se regularizou, a verba extra arrecadada com eventos passou a ter outros destinos, que contribuíram para valorizar a instituição junto à comunidade. Este ano, antes mesmo de começar a preparação da festa junina, a equipe gestora montou uma planilha com as possibilidades de investimentos: se o lucro fosse de 1,5 mil reais, seria organizado um fim de semana de prestação de serviços para a comunidade. Caso esse valor ultrapassasse os 2 mil reais, a proposta era reformar a quadra e comprar mais dois bebedouros. "Quando os funcionários perceberam quanto a escola poderia ganhar, se empenharam mais na produção da festa, caprichando nos comes e bebes. E os familiares compareceram em peso", conta Ivanete, a diretora-adjunta. O resultado surpreendeu os mais otimistas: 4 mil reais em caixa, verba suficiente para executar as duas ideias iniciais e um pouco mais. O espaço para a prática de esportes e os vestiários foram reformados, e os novos bebedouros, instalados rapidamente. O evento comunitário foi realizado num sábado de agosto. A escola convidou médicos e dentistas, que prestaram atendimento gratuito a cerca de 500 pessoas. Uma parceria com o Sistema de Integração de Atendimento ao Cidadão e o Tribunal Regional Eleitoral permitiu a emissão de documentos - e, alguns dias mais tarde, 200 alunos receberam as carteiras de identidade e os títulos de eleitor.
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