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Mariane Koslinski: "Sem perceber, o gestor pode contribuir para uma maior segregação"

Pesquisadora fala do impacto da desigualdade urbana sobre as oportunidades de ensino e trabalho desenvolvido pelos educadores

POR:
André Bernardo
Mariane Koslinski. Foto: Fernando Frazão
Mariane Koslinski

Na concepção da Sociologia da Educação, desigualdade urbana é quase sempre sinônimo de desigualdade escolar. Se há cidades divididas, a tendência é ter também uma distribuição desequilibrada de instituições de ensino em relação à qualidade, aos recursos etc. Para Mariane Koslinski, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisadora do Observatório das Metrópoles, na mesma entidade, um diretor pode fazer muitas coisas para ajudar a mudar esse quadro. "Criar um ambiente propício à aprendizagem é uma delas. Mas, sozinho, ele não resolve todos os problemas", pondera. Na maioria das vezes, cabe ao governo criar políticas para atrair, por exemplo, professores qualificados para escolas afastadas geograficamente. "Para isso, a secretaria teria de remunerá-los melhor ou, então, garantir a segurança deles", afirma.

A pesquisadora alerta, porém, que, muitas vezes, são os próprios gestores que se transformam, mesmo sem perceber, em agentes de segregação. Isso ocorre, por exemplo, quando indicam os bons alunos para uma instituição que julgam ser a melhor da região. "Do ponto de vista do gestor, ele não está fazendo mal nenhum. Pelo contrário. Só faz isso para salvar os que têm ótimo desempenho. Mas isso não deixa de ser uma forma de apartar", ressalva.

Na entrevista a seguir, Mariane comenta o efeito do território nas oportunidades escolares e explica como a divisão social influencia o trabalho de diretores e coordenadores pedagógicos.

Quais fatores sociais influenciam a aprendizagem?
MARIANE KOSLINSKI São vários que podem impactar positiva ou negativamente. Há aspectos familiares como o capital cultural e o número de irmãos, o ambiente escolar (quem são os gestores e os professores e como eles interagem com a criança ou o jovem) e fatores externos como o entorno da instituição e o local de moradia. É difícil dizer qual é o mais preponderante. Segundo os estudos sobre o efeito vizinhança, o entorno afeta a instituição e, por consequência, a motivação dos educadores que dão aula lá. Ou seja, a influência seria indireta. Outras pesquisas defendem que o fator principal está relacionado à socialização no bairro e a quem são os adultos, jovens ou crianças com quem esse estudante convive.

O que o gestor que trabalha em escolas com entorno considerado problemático pode fazer para lidar com essas questões?
MARIANE Um diretor pode fazer muitas coisas. Criar um ambiente propício à aprendizagem é uma delas. Mas, sozinho, ele não resolve todos os problemas. Poderíamos ter uma política de incentivo que alocasse os professores mais experientes nas áreas periféricas, de risco ou em escolas que atendem uma população de nível socioeconômico mais baixo. Para isso, a secretaria teria de remunerá-los melhor ou, então, garantir a segurança deles. Mas, o que se vê é que, em geral, essas regiões recebem primeiro os novatos ou aqueles com contrato temporário. O docente passa no concurso e, como não tem escolha, vai para as instituições mais problemáticas. Depois de algum tempo, pede remoção. Grande parte do sistema educacional brasileiro não trabalha para fixar um bom profissional onde, teoricamente, ele seria mais necessário.

Mas que cuidados esses diretores precisam ter?
MARIANE Às vezes, mesmo sem perceber, o gestor pode contribuir para uma maior segregação. A gente descobriu que há uma prática meio institucionalizada dos diretores do 1º ao 5º ano de indicar os melhores alunos sempre para as mesmas escolas do 6º ao 9º ano. Essa política não é defendida pela secretaria, mas ocorre informalmente. Do ponto de vista do gestor, ele não causa mal nenhum. Pelo contrário. Só faz isso para salvar os que têm ótimo desempenho. Mas isso não deixa de ser uma maneira de apartar. Se os melhores estudantes estão todos num mesmo local, ora, é lá que os professores vão querer dar aula. Quando o diretor faz isso, deixa todos os problemas para as outras instituições resolverem.

O fenômeno da segregação escolar se repete no Brasil inteiro?
MARIANE Sim. Há capitais, como Curitiba, onde você é obrigado a fazer a matrícula na instituição mais perto de casa. Nesse caso, se moro em uma área pobre, meu filho vai ter de estudar em uma instituição com um público parecido com aquele de onde ele mora. Não há escapatória. A regra é tão rígida que, se você não aceita a determinação da Secretaria de Educação, pode perder o passe livre do ônibus.

Suas pesquisas observaram uma tendência de menor desempenho educacional nos municípios que integram as regiões metropolitanas. Por quê?
MARIANE Um dos fatores de mais fácil detecção é a questão da violência mais presente nos grandes centros urbanos. Mas há outros. Se você pegar o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2013, por exemplo, vai verificar que há muitas cidades de pequeno porte com ótimo Ideb. A explicação pode ser uma maior coesão social. Nesses municípios, diretor e professores são conhecidos na comunidade e a relação entre a família e a escola é mais próxima, o que, em geral, faz a Educação ser um problema de todos. Já em grandes capitais isso não ocorre.

Esse cenário pode ser revertido ou minimizado?
MARIANE À primeira vista, a solução seria colocar mais recursos nos lugares mais vulneráveis. Mas há uma limitação do que as políticas educacionais podem fazer. Há questões que são de política urbana. Precisamos de ações de longo prazo para evitar uma maior segregação dos municípios.

A região em que a escola está influencia a percepção que os educadores têm sobre os alunos?
MARIANE Quando você tem uma escola em área de concentração de pobreza, os próprios professores, muitas vezes, têm baixíssimas expectativas em relação aos alunos. E isso é um problema! Uma mestranda fez um estudo no Complexo da Maré, comunidade do Rio de Janeiro, em que constatou que, muitas vezes, os docentes partem do pressuposto de que, por ser morador da favela, o estudante não será capaz de aprender. Bem, se o próprio educador já desistiu antes mesmo de conhecer a criança ou o jovem, é muito provável que ela ou ele não consiga mesmo terminar o Ensino Fundamental ou o Ensino Médio.

 

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