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Um olho no gado e o outro...

Na pedagogia da alternância, diretores se preocupam com o pedagógico e a agropecuária

POR:
Cinthia Rodrigues
Foto: Marcelo Almeida
SALA DE AULA NO CAMPO Em Pinhais, o zootecnista Delton Adriano Gomes cuida da parte prática do currículo. Foto: Marcelo Almeida

Pedagogia de alternância é um sistema adotado em zonas rurais para diminuir a evasão escolar, valorizar o conhecimento agropecuário e reduzir problemas com transporte. A alternância do nome se refere ao revezamento dos alunos, que geralmente passam 15 dias na escola e outros 15 na propriedade rural dos pais, aplicando os conhecimentos adquiridos nas aulas. Para os gestores escolares, no entanto, a palavra bem que poderia ser usada para definir a variação de funções nessas instituições: ora diretor escolar, ora administrador rural, ora gerente de internato.

Criada por camponeses na França nos anos 1930, a metodologia chegou ao Brasil em 1969. Nas três décadas seguintes, ela foi adotada por comunidades rurais que fundaram as escolas agrícolas para que os jovens concluíssem os estudos sem sair do campo. Em 1999, o Ministério da Educação (MEC) reconheceu o sistema como regular e, desde então, ele vem se fortalecendo. O quadro docente é formado por professores e técnicos em agronomia, que fazem um treinamento específico para trabalhar com Educação rural. Atualmente, existem 258 unidades com mais de 20 mil estudantes em 20 estados brasileiros. O diretor de Educação para Diversidade do MEC, Armênio Bello Schmidt, afirma que o número deve crescer com o atendimento de mais áreas rurais e também de reservas indígenas. "O resultado é tão positivo que vamos investir na formação de professores nesse sistema, alternando os dias letivos entre a faculdade e as comunidades em que atuarão", diz.

O projeto exige que cada escola tenha uma área de plantio e de criação de animais e um espaço para os dormitórios. Com essas peculiaridades, a preocupação do gestor escolar vai além do conteúdo pedagógico - já incrementado com disciplinas técnicas. Ele tem de cuidar ainda da produção agrícola e do gado e tomar conta de adolescentes dia e noite.

Cama, comida e roupa

Um dos maiores complexos de pedagogia de alternância é o Centro Estadual de Educação Profissionalizante Newton Freire Maia, em Pinhais, a 7 quilômetros de Curitiba. Lá, a Secretaria de Estado de Educação começou a apoiar instituições comunitárias por meio de convênios que garantiram a ajuda financeira nos anos 1990. Depois, o órgão cedeu professores e, desde 2005, mantém as próprias escolas.

A unidade de Pinhais oferece cursos técnicos de Agropecuária e de Meio Ambiente paralelamente ao Ensino Médio a 120 adolescentes. O currículo regular desse segmento é seguido à risca pelos professores de todas as áreas e o desempenho dos alunos é supervisionado de perto pelo diretor Eduardo Kardush. Porém ele também precisa gerenciar a produção agrícola e a venda de mercadorias, já que a maior parte dos alimentos ali consumidos vem do cultivo feito nos campos da escola e o excedente é vendido nos mercados locais ou trocado com os produtos plantados em outra escola rural.

Para que os negócios não atrapalhem a parte pedagógica - e vice-versa -, Kardush conta com um supervisor em cada área. A diretora-assistente pedagógica, Ana Olímpia Machado, gerencia as salas de aula e as reuniões com professores e faz a ponte com os inspetores que cuidam dos alunos à noite. O zootecnista Delton Adriano Gomes, responsável pela chamada Unidade Didático-Produtiva, cuida dos suprimentos e da manutenção dos produtos agropecuários que são usados nas atividades práticas rurais. Todos os dias, o diretor conversa com cada um dos membros da equipe gestora para saber do andamento dos trabalhos e das demandas de cada área. As reuniões para tratar do desempenho dos alunos e professores são bimestrais. Ao todo, a escola conta com 60 funcionários, metade deles professores.

Fotos: Carlos Costa
DE NEGÓCIOS A NAMOROS Além do pedagógico, o diretor Isaías precisa cuidar da venda da produção e ficar de olho em casais. Fotos: Carlos Costa

Outra grande preocupação dos gestores é com os namoros. Kardush não impede que eles ocorram desde que haja autorização dos pais por escrito. "Evitamos ser rigorosos demais, mas a responsabilidade sobre o que acontece no período que os jovens estão conosco é nossa." A ala dos dormitórios é dividida em masculina e feminina e geralmente os jovens da mesma cidade dividem um quarto.

A Escola Família Agrícola de Goiás, na cidade de Goiás, a 130 quilômetros de Goiânia, foi criada por pequenos produtores rurais em 1994 para atender seus filhos e, diferentemente da escola do Paraná, só depois de cinco anos começou a receber ajuda do governo estadual, que disponibilizou professores da rede.

O diretor, Isaías da Glória de Araújo, tem uma equipe enxuta. Por isso, ele mesmo supervisiona o trabalho pedagógico, os técnicos agrícolas e a negociação dos produtos. Araújo e a equipe docente são funcionários públicos estaduais. Já os funcionários de apoio são contratados pela Associação de Pais e Mestres, entidade à qual o diretor também recorre quando precisa suprir necessidades do dia a dia. A falta de recursos é sua principal dificuldade. "Fora isso, estamos bem. A filosofia rural mantém viva a atenção dos alunos e os professores conseguem bons resultados. Tenho mais trabalho com a infraestrutura do que com o comportamento deles", avalia o diretor. Lá, os 15 professores se revezam para garantir a presença de pelos menos dois adultos na escola por noite. Os funcionários estão a postos para cuidar das emergências médicas, resolver eventuais conflitos e controlar os namoros mais calorosos. "Conversamos sempre com os jovens sobre os motivos de não permitirmos a intimidade e fazemos palestras a sobre gravidez precoce", alerta o diretor.

A coordenadora do Centro de Estudos em Gestão e Políticas Públicas Contemporâneas da Universidade de São Paulo, Claudia Souza Passador, elogia a gestão de instituições com Pedagogia de Alternância. "Elas têm bastante autonomia e, ao mesmo tempo, bons resultados. A fórmula tem dado certo", diz a autora do livro A Educação Rural no Brasil. Ela lembra que cerca de 4 mil dos 5 mil municípios brasileiros são essencialmente rurais, mas a maioria tem escolas com programas estruturados em centros urbanos. "Só quando gestores e professores passam dias com os alunos que vivem no campo eles conseguem entendê-los e despertar o interesse deles pelos estudos."

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CONTATOS
Centro Estadual de Educação Profissional Newton Freire Maia, Estrada da Graciosa, km 20, 83327-055, Pinhais, PR, tel. (41) 3551-1553 
Escola Familiar Agrícola de Goiás, Sítio Paciência, 76600-000, Goiás, GO, tel. (62) 8421-6574