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O que não está na legislação educacional

Debate legal

POR:
Juca Gil
Juca Gil. Foto: Marcos Rosa Debate Legal

Juca Gil é professor de Políticas Educacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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Tradicionalmente, aprendemos sobre as leis educacionais analisando seu conteúdo e esmiuçando artigo por artigo. No curto espaço desta coluna, que tem por objetivo debater a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), proponho um exercício diferente: tentar jogar um pouco de luz sobre o que não consta do texto legal (para saber, tintim por tintim, o que determina a Lei 9.394, de 1996, há inúmeros livros e manuais que buscam traduzir os cerca de 100 artigos que a compõem e podem ser facilmente consultados).

Parto do pressuposto de que compreender as lacunas e omissões de determinado dispositivo legal é tão ou mais importante do que decorar alíneas, parágrafos, incisos e artigos. Do meu ponto de vista, uma das maiores lacunas da LDB é a inexistência de um Sistema Nacional de Educação (SNE). O que temos é um modelo que privilegia a chamada autonomia federativa - opção que foi tomada de forma consciente pelos legisladores na época da formulação da lei. Isso quer dizer que temos múltipos sistemas municipais e estaduais (aos quais se soma um federal), todos com relativa capacidade de tomar decisões independentes. Por um lado, esse modelo garante a diversidade e certa liberdade. Mas, por outro, permite que haja certa bagunça em alguns casos, com ações isoladas e muitas vezes desarticuladas, que muita vezes podem até ser conflitantes entre si.

Outra decisão, também coerente com a decisão de não prever um sistema único para a Educação de nosso país, foi apagar dos artigos da LDB a criação de um Fórum Nacional de Educação. Em redações preliminares da lei, ele constava do texto com o seguinte espírito: reunir as mais diversas entidades e organizações do setor educacional numa "instância de consulta e de articulação com a sociedade" atrelada ao SNE. Se existisse hoje, o Fórum provavelmente seria algo parecido com o que a Conferência Nacional de Educação, prevista para ocorrer em abril de 2010, se propõe a realizar: um espaço de interlocução entre os múltiplos agentes do campo educativo.

Além do Sistema e do Fórum Nacional de Educação, há outras semiexclusões ou quase-inclusões - a depender do ponto de vista. Nessa categoria, cito particularmente dois itens: o Conselho Nacional de Educação (CNE) e o chamado "regime de colaboração". O primeiro é apenas mencionado no artigo 9º, parágrafo 1º, da LDB. Foi regulamentado em documentos paralelos e ficou com menos poder do que alguns defendiam. Na opinião desses especialistas, o CNE poderia ter autonomia em relação ao Ministério da Educação. Nessa condição, nada impediria que suas atribuições fossem ampliadas e a composição legitimada socialmente, com os membros eleitos diretamente por entidades do setor e não indicados pelo governo sem que haja critérios claros e conhecidos pela sociedade para essas nomeações. Da mesma forma, suas deliberações poderiam ter um caráter definitivo (hoje, todas elas dependem de homologação do Executivo).

Já o "regime de colaboração" diz respeito às trocas que deveriam acontecer entre estados e municípios para fins educativos. Ele aparece em dois trechos da LDB (no parágrafo 1º do artigo 5º e no artigo 8º), sem a devida explicação sobre seu real significado e a possível aplicação. Essa é uma forma de incluir um item num texto legal e, ao mesmo tempo, deixá-lo completamente de fora. Diz-se que deve existir, mas não se explicita como, onde, quando e quem o tornará realidade. Para que passe a vigorar, precisa ser regulamentado, ou seja, requer a criação de outra lei que explicite seus termos. Infelizmente, essa é uma manobra mais comum do que se pensa no cenário jurídico brasileiro.

O que podemos perceber no caso do tal "regime de colaboração" é que em nada se avançou depois da publicação da LDB. Hoje, o que vemos é cada município e estado, mais a União, colaborando do jeito que acha que deve e com quem quer, numa típica situação de "cada um por si". Para piorar, como o governo federal tem mais poder (verbas para distribuir), ele acaba impondo boa parte das ideias e propostas de "colaboração" com as redes estaduais e municipais.

Espero que, com este artigo, eu tenha ajudado você a compreender que tomar ciência do que a lei não contempla é essencial por apresentar outras realidades, possíveis de serem propostas no futuro, em momentos de reflexão e reavaliação dos textos legais e quando as mudanças em Educação forem necessárias.

Juca Gil

É professor da Universidade de São Paulo e especialista em políticas educacionais.

Calendário

É possível reduzir o ano letivo de 200 dias para 180 ou 190? Pelo critério atual, a agenda fica quase sempre prejudicada por feriados e pontos facultativos.
Suzete Faustina dos Santos, Santos, SP

Sem alterar a legislação, não é possível pensar na redução dos dias letivos. Segundo a LDB, as etapas de Ensino Fundamental e Médio devem realizar, anualmente, "um mínimo de 200 dias de efetivo trabalho escolar, excluído o tempo reservado aos exames finais" (artigo 24, I). Mas nem sempre foi assim. Até 1996, o mínimo previsto era de 180 dias letivos. O aumento foi proposto justamente com a intenção de ampliar o tempo dos alunos na escola e, consequentemente, as oportunidades de aprendizado. Vale lembrar que, para atingir esse mesmo objetivo, seria possível pensar em vários outros caminhos, que talvez pudessem ser mais efetivos, como o aumento da carga horária diária e a adoção do regime de tempo integral nas escolas. Para alguns analistas, essas alternativas poderiam, inclusive, proporcionar um aumento real do horário pedagógico coletivo, dedicado à formação dos professores.

Um ano a mais

Quais são as questões norteadoras da discussão sobre o Ensino Fundamental de nove anos?
Silvana da Silva Pereira, Xaxim, SC

A lei nº 11.274, de 2006, estabeleceu que o ingresso no Ensino Fundamental, única etapa obrigatória na Educação brasileira, deve ocorrer aos 6 anos de idade (e não mais aos 7). O texto estabelece ainda que a nova regra deve ser colocada em prática até o início de 2010, ou seja, no próximo ano letivo. O objetivo principal da medida é ampliar o tempo de estudo dos brasileiros e possibilitar o acesso à escola mais cedo. Nos documentos que embasam a proposta legal, fica claro que a intenção nunca foi apenas fazer com que as crianças de 6 anos tenham as mesmas experiências das que já passaram pela 1ª série (com foco na alfabetização). Segundo as orientações oficiais, o caminho é reestruturar os currículos e os projetos pedagógicos e formar ou capacitar os professores para que o novo 1º ano possa oferecer atividades adequadas às necessidades dos pequenos ingressantes, com jogos, brincadeiras, danças etc. Além disso, é essencial prever a adaptação dos espaços físicos e do mobiliário. Em sua edição de setembro, NOVA ESCOLA tratou do tema e mostrou que há muitas redes bem preparadas, mas, infelizmente, outras que fizeram poucas adaptações.

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