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Leia dicas e respostas da especialista em Psicologia da Educação, Catarina Iavelberg, sobre a vida escolar dos alunos e sobre a relação entre a instituição e a família

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Catarina Iavelberg
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Como deve atuar o orientador educacional

A atuação do orientador se potencializa quando é integrada ao trabalho dos professores

POR:
Catarina Iavelberg
Catarina Iavelberg. Foto: Tamires Kopp Nosso Aluno

Catarina Iavelberg é assessora psicoeducacional especializada em Psicologia da Educação

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Um dos principais papéis do orientador educacional é fazer uma escuta atenta das relações interpessoais construídas no cotidiano, ajudando a revelar o currículo oculto que se produz e reproduz nos diversos ambientes de aprendizagem. A atuação dele, porém, se potencializa quando está integrada ao trabalho da equipe pedagógica. Vamos analisar essa função usando a experiência concreta que aconteceu em uma escola na capital paulista.

Um professor de Ciências procurou a orientadora educacional preocupado com o comportamento de três alunos que, apesar de apresentarem desempenho satisfatório, se mostravam dispersos, desatentos e conversavam muito, segundo o docente. A orientadora se propôs a acompanhar as aulas durante alguns dias. É importante frisar que, nessa instituição, os orientadores são frequentemente convidados por docentes, alunos e coordenadores a observar as relações que se desenvolvem nos espaços coletivos, como a sala de aula, a biblioteca, a cantina, o parque, a quadra, os banheiros etc., pois o que neles acontece é tido como uma importante ferramenta de análise.

A primeira ida da orientadora à classe antecedeu a avaliação mensal da disciplina. A maioria do grupo se mostrou envolvida com as atividades, expondo as dúvidas ao professor, que as respondia claramente e introduzia comentários problematizadores nas explicações. Aparentemente, a aula transcorrera bem. Uma das estudantes que preocupavam o docente havia faltado e os outros dois foram colaborativos e não conversavam paralelamente mais do que os colegas.

A orientadora voltou a observar a turma após a avaliação. Nessa ocasião, o professor iniciou a aula devolvendo as provas corrigidas e explicando que, em vez da revisão coletiva, preferia fazer comentários gerais, indicando os erros. Os alunos tinham de identificá-los e aqueles que haviam tirado 6 ou menos poderiam refazer as questões, acrescentando assim um ponto à nota inicial.

A orientadora educacional notou que, além de não prestar atenção, oito estudantes (do total de 26) estavam preocupados em copiar a prova de uma colega que havia tirado dez - entre eles, um dos que preocupavam o professor. Ela também percebeu o incômodo de um jovem e perguntou a ele o que se passava: "Tirei 6,5. Portanto, não posso refazer os exercícios. Eu preferia ter tirado seis, assim minha nota subiria para 7".

Ilustração: Guilherme Lepca
Ilustração: Guilherme Lepca

O episódio propiciou diversas ações e reflexões. Ao tomar conhecimento das observações da aula, o professor - ao mesmo tempo surpreso e decepcionado - compartilhou o episódio em uma reunião com os colegas e com o coordenador pedagógico. Nela foram discutidos os princípios que nortearam as escolhas didáticas, os termos da proposta de refazer a prova e a média 6 como critério para fazer a atividade. Nesse dia, começou uma discussão sobre o sistema de avaliação e suas repercussões no contrato didático - que corria o risco de se romper e assim abalar a relação de confiança entre o docente e a turma. Lembrando: o conceito de contrato didático foi formulado pelo francês Guy Brousseau, especialista em didática da Matemática: a relação entre o saber, o professor e o aluno, sempre tendo em vista a aprendizagem, se estabelece por meio de regras implícitas e explícitas. Ambos descobrem, aos poucos, as estratégias, intenções e expectativas que um tem em relação ao outro, sendo que, para entrar no jogo, o estudante precisa acreditar que as escolhas didáticas que o professor faz são adequadas.

Voltando à história, a orientadora educacional combinou uma entrada conjunta com o docente em sala para discutir o episódio. Boa parte dos alunos não havia refeito os exercícios, certamente por não ter atribuído sentido à tarefa. Quais foram as motivações dos que desprezaram a proposta? E dos que a realizaram? E daqueles que copiaram as respostas da colega? Como a jovem que emprestou a prova entendeu o episódio? Todos foram convidados a se pronunciar, pois não se tratava de julgamento, mas de um diálogo de esclarecimento.

Não cabe aqui explicitar o conteúdo dessa conversa, mas apontar que ela propiciou várias aprendizagens. Evidenciou-se que o sistema avaliativo estava transmitindo a mensagem de que a nota era mais importante que o processo de aprendizagem. A inquietação com a postura dos jovens foi substituída por outras mais pertinentes, entre elas o sentido dado às avaliações - e o tema passou a ocupar lugar de destaque nas reuniões pedagógicas e na sala de aula. A parceria entre o professor e a orientadora educacional possibilitou que uma reclamação sobre comportamento se configurasse em um problema coletivo para os corpos docente e discente - como geralmente acontece. A interlocução ganha força e toda a comunidade se beneficia quando uma queixa é tratada em profundidade.

Catarina Iavelberg

É assessora psicoeducacional especializada em Psicologia da Educação.

Quer saber mais?

BIBLIOGRAFIA
Elementos da Didática da Matemática, Bruno D?Amore, 452 págs., Ed. Livraria da Física, tel. (11) 3936-3413, 70 reais
Didática da Matemática: Uma Análise da Influência Francesa, Luiz Carlos Pais, 128 págs., Ed. Autêntica, tel. 0800-283-1322, 32 reais