Trabalho em conjunto entre redes e iniciativas comunitárias
Município mostra que parcerias melhoram a Educação e contribuem para o desenvolvimento local
POR: Amanda PolatoEncravado na região do semiárido baiano, a 272 quilômetros de Salvador, o pequeno município de Pintadas, com cerca de 11 mil habitantes, é reconhecido pela cultura do cooperativismo. Esse sistema de organização social, implantado na década de 1990 na cidade para desenvolver a agricultura local, deu muitos e variados frutos. Um deles foi a geração de renda: uma parte dos legumes, das hortaliças e de outros hortifrutigranjeiros produzidos para o consumo dos agricultores familiares começou a ser vendida para a preparação da merenda dos alunos. Outros foram os diversos movimentos que surgiram para melhorar a Educação local.
Primeiro, apareceram iniciativas isoladas, que, apesar de bem intencionadas, não correspondiam às necessidades educacionais. Percebendo isso, a Secretaria Municipal de Educação resolveu intervir. Foi feito um levantamento dos problemas do ensino e das ações que os grupos comunitários se dispunham a realizar. Uma delas era o reforço escolar oferecido no contraturno pela Associação Cultural Beneficente Padre Ricardo. Em 2006, 28% dos alunos de Ensino Fundamental do município estavam na série inadequada para a idade, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. O número estava abaixo da média estadual (49%), mas não deixava de ser preocupante. Portanto, o projeto era necessário, mas da maneira como era conduzido não produzia resultados. "Faltava orientação pedagógica", afirma Solange Paixão de Jesus Oliveira, secretária executiva da associação.
A rede municipal firmou, então, uma parceria com a entidade: o poder público passaria a cuidar da formação dos professores, do lanche e do acompanhamento do projeto, e a associação continuaria a ceder o espaço e a oferecer atividades complementares de música, capoeira e informática. O Sistema de Cooperativas de Crédito do Brasil, conhecido por Sicoob Sertão (leia o quadro abaixo), apoiou a proposta e financiou o pagamento de monitores. O programa foi elaborado com base nos conteúdos do currículo e nas dificuldades de sala de aula.
Outra parceria da rede com organizações sociais foi feita para a criação e implementação de uma nova disciplina - a Organização Social, Comunitária e Política de Pintadas, que trata de questões da realidade local e está na grade das turmas de 5ª a 8ª série desde 2007. Dois anos antes, a secretaria se reuniu com diretores, professores, pais e representantes de cooperativas e movimentos sociais para definir os conteúdos, as estratégias de ensino e a articulação com o currículo da rede. Até hoje, um grupo de trabalho composto de secretário, professores e representantes da comunidade se encontra regularmente para avaliar a produção dos alunos e planejar novos projetos didáticos. Os temas representam bem o que o coletivo acredita ser importante para o futuro da cidade: desenvolvimento humano, cultura de cooperação e solidariedade, empreendedorismo e sustentabilidade, trabalhados em aulas semanais, com muita pesquisa e trabalho de campo. "Pintadas conseguiu levar o sertão para o currículo escolar na forma de estudos sobre as características do clima local e as possibilidades de exploração econômica com a intenção de transformar a realidade", afirma Ladislau Dowbor, economista da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
A disciplina é a que mais utiliza espaços alternativos de ensino. Os alunos visitam as propriedades que produzem mel e hortifrutigranjeiros e criam gado para fazer pesquisas. Para Marlene Nunes Machado da Silva, diretora da EMEF Professora Zilda Dias da Silva, os saberes regionais vindos das famílias dos próprios estudantes começaram a ser mais respeitados. "Contudo, não restringimos o conhecimento somente a questões regionais. Sempre procuramos relacionar a nossa realidade a temas mais amplos", aponta Carlos Alberto da Silva Almeida, secretário municipal de Educação.
Vocação para a cooperação
Há algumas décadas, a seca e a concentração de mais de 50% das terras nas mãos de poucos proprietários foram os responsáveis pela expulsão da população de Pintadas, que chegava a perder até 3 mil pessoas por ano, que buscavam trabalho em outras regiões. Em 1996, a população foi surpreendida com o fechamento do único estabelecimento bancário do lugar. Sem ele, era preciso viajar 48 quilômetros até a cidade vizinha para pagar as contas, receber a aposentadoria e fazer movimentações bancárias. A organização da comunidade e a retomada da economia local permitiram que esse quadro fosse revertido. Um grupo de 50 pessoas fundou a Cooperativa de Crédito Rural Pintadas. "A proposta transformou os recursos das pessoas em créditos e o dinheiro começou a circular, fomentando a produção", lembra Milton Aparecido Pessoa Ramos, presidente do Sicoob Sertão, nome pelo qual a cooperativa passou a ser chamada depois de expandir as atividades para outras cidades. Essa foi a mola-mestra para transformações em outros campos e a consolidação de outras associações e cooperativas. A agricultura familiar recebeu mais investimentos e foram criados sistemas de captação de água e irrigação. Na Educação, a entidade é parceira certa das iniciativas educacionais e participa das reuniões para decidir os rumos do ensino do município. Atualmente, as associações são autônomas e participam da Rede Pintadas, associação de 13 entidades que discute estratégias para a captação de recursos para o desenvolvimento da região. A iniciativa foi finalista do Programa Gestão Pública e Cidadania da Fundação Getúlio Vargas em 2002.
Reforço nas refeições
A parceria das escolas do município de Pintadas incrementou a merenda escolar com produtos naturais a partir de 2007, quando a cidade aderiu ao Programa de Aquisição de Alimentos, da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que facilita a aquisição de produtos dos agricultores familiares. São compradas frutas como umbu e cajá, hortaliças, leite, mel e carne de ovelha. Além disso, há o acréscimo no investimento por aluno. Com a parte do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação que vai para a alimentação, a rede gastava 44 reais ao ano por estudante. O programa de doação da Conab permitiu que esse valor subisse para 170 reais por ano - um aumento de 286%, garantindo assim mais qualidade, quantidade e variedade na alimentação.
A Conab estipula preços justos para que os pequenos agricultores não sejam prejudicados. "Só este ano, recebemos cerca de 500 mil reais, para serem divididos entre centenas de famílias", conta Fábio Barbosa, agricultor e diretor da cooperativa Ser do Sertão. A parceria da Secretaria de Educação com as cooperativas impulsionou a economia local e permitiu que as crianças consumissem nas escolas alimentos frescos e saudáveis, produzidos pelos próprios pais.
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CONTATOS
EMEF Professora Zilda Dias da Silva, R. Dom Mathias Shimit, s/n, 44610-000, Pintadas, BA, tel. (75) 3693-2301, ramal 214
Ladislau Dowbor
Rede Pintadas, R. Castro Alves, 146, 44610-000, Pintadas, BA, tel. (75) 3693-2209
Sicoob Sertão, Pça. Honorato Gonçalves, 84, 44610-000, Pintadas, BA, tel. (75) 3693-2280
INTERNET
Leia artigo do economista Ladislau Dowbor sobre a relação entre Educação e desenvolvimento local