As lições do Estatuto da Criança e do Adolescente
Debate legal
POR: Juca GilJuca Gil é professor de Políticas Educacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Sob diferentes pontos de vista, a Educação atual não vai bem. Na tentativa de encontrar alternativas, é comum a referência a uma escola pública que não existe mais, aquela que nossos pais e avós - e mesmo alguns de nós - frequentaram. Estamos nos referindo àquela instituição em que todos se levantavam para saudar uma autoridade que nos brindava com sua presença em classe. E ninguém ousava questioná-la, mesmo que ela humilhasse alguém.
Ocorria de o professor ou o diretor infringirem um castigo ou corretivo em alguém - palmatória, ajoelhar no milho, puxões de orelha ou cascudos na cabeça - e tudo era entendido como "educativo". Eram felizes os tempos em que metade de uma turma era reprovada no primeiro ano de escolarização? São boas as memórias da escola em que poucos entravam e onde pouquíssimos se formavam? Não. Esses fatos remetem a uma pedagogia sádica, em que havia o prazer no martírio, no fracasso e na exclusão dos pouco adaptados ou adaptáveis ao modelo ideal.
Não dá para separar o inseparável: a qualidade (ou a falta dela) inclui todos os ingredientes de uma instituição e deve ser medida tanto pelos seus objetivos explícitos como pelos implícitos, tanto pelos meios formais que utiliza para fazer as intervenções como pelos informais. Nesse sentido, a escola do passado era excludente, atendia uma minoria e formava as pessoas para uma sociedade autoritária. Será que isso era qualidade? Para quê? Para quem?
Como explicar a necessidade de constar em lei que as crianças e os adolescentes tenham o direito de ser respeitados por seus educadores? Estamos nos referindo ao artigo 53 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990. Fica evidente que alunos eram desrespeitados por quem deveria educá-los, por mais paradoxal que pareça. Os professores e dirigentes precisam saber, a partir de então, que "submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento", bem como à "tortura", pode levar a, no mínimo, seis meses de detenção e até a 30 anos de reclusão (artigos 232 e 233). No caso do Ensino Fundamental, o ECA é explícito quanto à obrigação de os gestores escolares protegerem os alunos dos maus-tratos, das faltas injustificadas, da evasão e da repetência exagerada, tendo que comunicar aos Conselhos Tutelares tais casos (artigo 56). Além disso, é só no ECA que figura o óbvio direito - ainda não totalmente respeitado - de estudar em uma "escola pública e gratuita próxima de sua residência" (artigo 53). Isso tudo aponta para uma natureza diferente de qualidade na escola.
Sim, os alunos às vezes exorbitam em suas ações e nos desrespeitam. No impulso (ou seguindo a tradição), alguns de nós devolvemos na mesma moeda. A diferença elementar é que temos o dever profissional de educá-los, somos pagos (bem ou mal) para isso. Se ministros, governadores, prefeitos etc. desrespeitam nossas condições de trabalho e não nos propiciam mecanismos e formação para lidar com tais situações, não podemos descontar na parte mais frágil: pessoas em formação, que estão tentando conhecer o mundo e a si mesmas. "Olho por olho e dente por dente" não é um princípio educacional, e sim a aceitação da barbárie, da lei do mais forte e da opressão, caminho que nos afasta da democracia e da paz.
Impossível negar a urgência de restituir a dignidade de nossa profissão, valorizar as condições de trabalho e nos defendermos das diversas agressões físicas e morais. Mas não podemos confundir isso com negar ou combater os direitos alheios. O ECA é um avanço para nossa sociedade e, mesmo que haja eventuais equívocos em sua utilização, é fundamental conhecê-lo melhor para notar os absurdos que vivíamos antes dele.
A escola pública do passado é aquela que continha no currículo Língua Francesa, Prendas Domésticas e Canto Orfeônico. Alguns de seus egressos entravam em boas universidades. Mas era ela mesma que submetia crianças e adolescentes a vexames, constrangimentos e torturas (e não é força de expressão), além de nos legar um enorme contingente de analfabetos e desescolarizados. Chega de saudade! Se a escola atual não está boa, olhar para trás é uma atitude equivocada, ao menos para quem quer um mundo em que a dignidade não seja apenas um acessório e que todos, sem exceção, tenham direito à Educação. Respeitar nossos alunos e fazer com que sejam respeitados é uma aula prática, no presente, sobre como a sociedade do futuro precisa ser.
JUCA GIL é professor da Universidade de São Paulo e especialista em políticas educacionais.
Inclusão
Existe alguma lei que barre o ingresso de alunos adultos com necessidades educacionais especiais em turmas regulares?
Denilson de Almeida Freitas, Ipatinga, MG, via site
Não. Se existir algo nas esferas estaduais ou municipais, isso está em desacordo com a legislação brasileira, que, em consonância com os acordos internacionais, prevê a Educação como um direito de todos, sem exceção. Ninguém pode ter negado o acesso a uma escola pública sob a alegação de determinada condição pessoal, seja ela etária, de capacidades, características físicas etc. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional define os princípios que precisam ser traduzidos pelos sistemas de ensino. O fato de ser um adulto garante ao aluno "oportunidades educacionais apropriadas" às suas condições de vida (artigos 37 e 38) e o ensino para pessoas com necessidades educacionais especiais deve ser oferecido preferencialmente nas redes regulares, prevendo a possibilidade de utilizar apoios especializados (artigos 58 e 59), ainda que menos recomendados. A tradição segregacionista vem separando os estudantes por várias características, expulsando das redes regulares pessoas com algum tipo de deficiência, o que é ilegal e imoral. Os alunos em questão precisam ser avaliados pedagogicamente e, caso necessário, tambémpor uma equipe multidisciplinar que evidencie suas potencialidades.
Aposentadoria
Quais as regras de aposentadoria para os gestores escolares?
Miriam Maria Carvalho Lima, Natal, RN, via site
Rosângela Maria Demarqui, Cascavel, PR, via site
Rosiane Marcelo, Taubaté, TO, via site
Os professores da Educação Básica podem se aposentar aos 25 anos de trabalho, se mulher, e aos 30 anos de serviço, se homem, o que significa, em ambos os casos, cinco a menos que os demais trabalhadores. Isso se chama aposentadoria especial e vale para qualquer professor, quer ele tenha atuado em sala de aula somente, quer tenha assumido também "funções de magistério", como as de diretor, coordenador pedagógico etc. O que importa é ele ter trabalhado em uma instituição escolar de Educação Infantil, Ensino Fundamental ou Ensino Médio. Essa interpretação foi extremamente polêmica, levando o Supremo Tribunal Federal (STF) a se manifestar em outubro de 2008, encerrando as divergências legais a esse respeito. No entanto, ainda há relatos de governos que relutam em seguir a decisão do STF, fazendo com que trabalhadores busquem seus direitos em sindicatos e por advogados.
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