De portas abertas para o bairro
Escola no litoral paulista cuida da aprendizagem dos alunos e dos problemas da comunidade
POR: Amanda Polato
questão de receber diariamente os alunos na
entrada da escola. Fotos Carol Sachs
Santos, a 72 quilômetros de São Paulo, se desenvolveu em torno do porto. Ele foi inaugurado em 1892, com apenas 216 metros de cais, mas rapidamente se tornou o maior da América Latina. Apenas dez anos depois do início das operações portuárias, um prédio de arquitetura colonial foi construído para ser o grupo escolar e receber os filhos dos imigrantes que desembarcaram na cidade.
Durante quase dois séculos, grande parte da economia brasileira circulou pelo bairro rumo ao porto. A prosperidade da época, porém, não se manteve e com o tempo o entorno foi se degradando. Os casarões antigos das ruas próximas ao terminal marítimo se transformaram em cortiços e os morros que antes emolduravam a cidade foram tomados por habitações de baixa renda e pelo tráfico de drogas.
Nem o antigo prédio da escola escapou da deterioração. Mas hoje ele se destaca na paisagem. E não apenas pela arquitetura, novamente preservada, mas também por abrigar a EE Barnabé, uma referência de ensino de qualidade na Baixada Santista. O mérito? Da gestão escolar, que soube manter um bom relacionamento com o entorno (leia no quadro abaixo as ações para aproximar a escola com o bairro).
Parceria de longa data
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ESPORTES E LAZER No fim de semana, os espaços
são dedicados a atividades para os estudantes
e a comunidade
A união da instituição com o entorno começou há pouco mais de duas décadas. Assim que Irani José Abud Romano assumiu a direção da Barnabé, 25 anos atrás, ela se deparou com um problema: num prédio próximo funcionava uma cadeia. "Os detentos batiam nas grades e gritavam para as crianças, atrapalhando as aulas e o recreio. Todos se sentiam inseguros", lembra. Rapidamente, ela ficou sabendo que o bairro inteiro se incomodava com aquela situação. Procurou, então, juntar-se aos movimentos comunitários e reivindicar ao governo do Estado a transferência dos detentos. O pedido foi atendido.
Uma segunda ação foi a recuperação do prédio, que hoje guarda parte da memória do bairro (leia o quadro na página abaixo). Sem orçamento suficiente para fazer os reparos necessários, Irani convocou os pais dos alunos para um mutirão. "A convivência entre a nova diretora e a comunidade favoreceu o diálogo e colaborou para o clima de confiança", relata Tânia Vieira Dias, autora da dissertação de mestrado Diretor e Comunidade na Construção da Boa Escola: Desafios a Enfrentar, que tem como base a experiência da Barnabé. Durante a reforma, a escola seguia a rotina pedagógica e administrativa nos dias de semana. Aos sábados e domingos, virava um canteiro de obras. Os pais limpavam o mato do terreno, faziam reparos no piso e consertavam o muro. As mães preparavam lanches para todos. A diretora aproveitava esses momentos para trocar ideias sobre como a escola poderia melhorar o ensino e as condições de vida do bairro. "Aos poucos, criou-se um sentimento de identidade na comunidade", diz a pesquisadora.
Ensino de qualidade
PRESENÇA DOS PAIS Em reuniões, mutirões e
festas, familiares são chamados a participar
e organizar os eventos
O trabalho, defendido na Universidade Católica de Santos, também realizou uma pesquisa na qual a escola foi apontada pelos santistas como uma referência de bom Ensino Fundamental graças ao quadro completo de professores assíduos, à direção atuante e ao fato de funcionar em local limpo e organizado. Eles reconheceram que a participação da comunidade nas ações de gestão é importante, assim como a qualidade do material pedagógico e a existência de uma sala de informática. A equipe pedagógica procura fazer com que as expectativas da comunidade continuem altas. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) para os anos finais (4,1) já é maior do que a média nacional (3,8). O corpo docente é estável e há funcionários com quase 20 anos de casa. "Quem não quer trabalhar acaba indo embora. Uma vez um professor me disse que as faltas eram seu direito, mas eu respondi afirmando que não admitia tanta ausência e, por isso, o repreendia toda vez. Ele pediu transferência", conta Irani.
A presença de pais em reuniões para acompanhar a aprendizagem é maciça, assim como a troca de informações sobre os estudantes. O bom relacionamento com as famílias continua com a participação ativa na Associação de Pais e Mestres e nos conselhos escolares. Os moradores do entorno, com ou sem filhos matriculados, ajudam no que for necessário - principalmente na organização de eventos. Num ano, a festa junina teve como tema as danças do Ceará, estado de origem da maioria dos vizinhos. A diretora só não permite o uso do espaço para encontros de conotação político-partidária e religiosa.
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RETORNO À ESCOLA Ex-alunos mantêm
contato com os atuais por meio de palestras
e monitoria de atividades
Muito antes de o programa Escola da Família ser implementado pelo governo estadual paulista, em 2003, a Barnabé - que aderiu ao projeto - já abria os portões nos fins de semana e era o espaço eleito pela comunidade para fazer reuniões e assembleias. Os agentes de saúde que trabalham na região, todos exalunos, dão palestras às crianças e aos pais sobre temas previamente combinados com a equipe gestora. Foi ali que a associação dos cortiços realizou os primeiros encontros e começou a melhorar a habitação nos arredores. A mais recente conquista, com o apoio da escola, é a construção de apartamentos para 700 famílias, também em esquema de mutirão. "Será um desenvolvimento importante para a região", diz Samara Margareth Conceição Faustino, mãe de exaluna e atual presidente da associação.
O pessoal que trabalha com os cortiços tem sede própria, mas a Sociedade de Melhoramento do Bairro Monte Serrat ainda precisa de apoio. "Sem a Barnabé, a gente não seria nada", comenta João Benício, presidente da organização. "O bairro é um dos mais carentes da cidade e não há lugar para reuniões e lazer." Juntos, escola e moradores viabilizam melhorias na região, como o serviço de coleta de lixo e a instalação de caixas de correio no sopé do morro, já que os carteiros não sobem as ladeiras.
Preservação da história

antigos e objetos da época da Revolução
de 32 são recuperados pelos alunos e
expostos na sala da diretoria
? Gestão democrática, com fortalecimento dos instrumentos de participação, como Associação de Pais e Mestre, conselhos e grêmios estudantis.
? Abertura dos espaços para assembleias de moradores, reuniões e festas da comunidade.
? Conhecimento das necessidades do entorno e apoio em ações que visam melhorias do bairro.
? Preocupação com a qualidade do ensino. Envolvimento dos pais em questões pedagógicas.
Quer saber mais?
CONTATOS
EE Barnabé, Pça. Correia de Melo, s/no, 11013-220, Santos, SP, tel. (13) 3234-6800
Tânia Vieira Dias, taniavdi@ibest.com.br