Ir ao conteúdo principal Ir ao menu Principal Ir ao menu de Guias
Notícias
5 4 3 2 1

Teia do conhecimento

A interação entre instituições de ensino possibilita aos alunos trocar experiências e ganhar em conhecimento e capacidade de expressão

POR:
Beatriz Levischi

 

Aprendizado na prática: para trabalhar leitura e escrita, estudantes mineiros se correspondem com colegas de outras escolas. Foto: Leo Drumond
Aprendizado na prática: para trabalhar leitura e escrita, estudantes mineiros se correspondem com colegas de outras escolas

A exemplo do que ocorre em outras áreas - inclusive no competitivo mercado corporativo -, com freqüência instituições de ensino diferentes enfrentam problemas e dificuldades comuns. E se até empresas rivais eventualmente se unem, por que as escolas - ainda que "concorrentes" - não o fazem? Tal lógica norteia as mais bem-sucedidas redes de ensino do País. Afinal, a troca de experiências entre as instituições não só pode como deve servir de base para a melhoria da gestão de todas as escolas e, por conseqüência, do sistema educacional como um todo.

A coordenadora do estudo Redes de Aprendizagem, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Monica Samia, acredita que esse intercâmbio é fundamental para a melhoria na qualidade do ensino. "O que deu certo em uma escola é implementado em outras", orienta. "Não existe nada mais construtivo que juntar educadores de vários lugares para fazer o planejamento ou participar de formações continuadas."

A pesquisa, divulgada em março, ouviu gestores de 37 redes, em municípios com populações entre 6.379 e 788.773 habitantes. Ao perguntar "o que a rede faz para garantir o direito de aprender?", o levantamento identificou dez pontos em comum: foco na aprendizagem, planejamento, avaliação, perfil do professor, formação do corpo docente, valorização de leitura, atenção individual ao aluno, atividades complementares e parcerias - além, é claro, de consciência e práticas de rede.

Nesse contexto, a Secretaria de Educação cumpre um papel essencial, incentivando a articulação. "O professor não dá aula sozinho. Vai a encontros, visita outras instituições, conta com o suporte pedagógico da Secretaria", ressalta a coordenadora do programa da Unicef no País, Maria Salete Silva.

Além disso, outra premissa para o sucesso de uma rede é a criação de um ambiente democrático. "Deve haver abertura para o diálogo, aceitação de pontos de vista diferentes, capacidade de negociação e mudança do olhar", diz Jaqueline Moll, diretora de Educação Integral, Direitos Humanos e Cidadania do Ministério da Educação (MEC). "Precisamos nos despir do preconceito e enxergar as crianças como seres inteiros, com as vivências e os recursos de que dispõem, com todas as dificuldades de seu meio social."

Jaqueline Moll, diretora de Educação Integral, Direitos Humanos e Cidadania do MEC. Foto: Leopoldo Silva
Jaqueline Moll, diretora de Educação Integral, Direitos Humanos e Cidadania do MEC

"Deve haver abertura para o diálogo, aceitação de pontos de vista diferentes, capacidade de negociação, mudança do olhar."

A EM Professor Daniel Alvarenga, em Belo Horizonte, costuma se articular com seus pares em diversos projetos. Um deles é o Intercâmbio Cultural BH Jabó, que abrange 11 instituições de seis cidades para trabalhar a leitura e a escrita, com a troca de cartas temáticas entre os alunos. "Na primeira correspondência, cada um fala sobre si próprio. Na segunda, sobre o bairro em que mora. E a terceira traz uma poesia", diz a diretora Andréa Correia Silva. "No fim do ano, os 1,5 mil estudantes se conhecem."

Documentários de conscientização, produzidos pelas turmas, são exibidos nas instituições parceiras e, depois, em espaços públicos da comunidade. Nas atividades extracurriculares, alunos com histórico de liderança negativa geralmente viram protagonistas, assumindo novos papéis perante a turma. "Quando damos importância àquilo que eles também dão, deixamos que demonstrem que são bons em alguma coisa, estimulando-os a ser bons em outras", comenta Marlova Jovchelovitch Noleto, coordenadora da Área Programática em Ciências Humanas e Sociais e Projetos Transdisciplinares da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

Partindo desse princípio, a diretora do Daniel Alvarenga decidiu atender ao antigo pedido das crianças de montar um time de futebol. Com o apoio da prefeitura, comprou camisas e chuteiras e convidou o auxiliar de serviço, apaixonado pelo esporte, para treinar os garotos. A estratégia de visitar o adversário antes dos jogos, em momentos culturais, colaborou para a criação de uma rede contra a violência, em que o respeito derrotou a rivalidade e a disputa por território. Independentemente do placar, cada jogo do time é uma grande vitória.

Pedido atendido: equipe de futebol ajuda a criar uma rede antiviolência. Foto: Leo Drumond
Pedido atendido: equipe de futebol ajuda a criar uma rede antiviolência

Algumas vezes, uma boa idéia surgida em determinada escola serve de inspiração para mudanças positivas nas instituições parceiras. Foi o que aconteceu em Canaã dos Carajás, distrito rural de Marabá, a 480 quilômetros de Belém. O sonho da diretora da EMEIF Adelaide Molinari, Maria das Dores Meneses de Lima, era ver as crianças comendo no refeitório. Numa reunião do programa Escola que Vale, desenvolvido pela Fundação Vale do Rio Doce e pelo Centro de Educação e Documentação para Ação Comunitária (Cedac), nas Secretarias de Educação de Minas Gerais, Espírito Santo, Maranhão e Pará, ela tomou coragem de sugerir às suas pares que criassem espaços exclusivos para refeições e, junto com isso, que os alunos pudessem se servir sozinhos.

A proposta sensibilizou o grupo, que contratou uma nutricionista para cuidar do cardápio de toda a rede. "A imagem dos meninos sentados no chão da sala com os pratinhos me perturbava demais", lembra Adelaide. "Hoje, os legumes que dão cor ao arroz com feijão são plantados na própria horta e as crianças aprenderam a gostar de verduras", diz, orgulhosa.

O Escola que Vale surgiu em 1999, com o objetivo de interligar escolas e provocar reflexões sobre a gestão, já que boa parte dos municípios da rede era formada, na verdade, por instituições isoladas. "Queremos fazer com que os diretores deixem de ser ilhas e passem a se reunir, tanto presencialmente como a distância, para partilhar experiências, ampliar o conhecimento, resolver contratempos", diz a coordenadora Roberta Panico.

Segundo ela, para criar o sentimento de rede os gestores precisam superar um obstáculo comum a todas as instituições: a dinâmica própria da escola. "O desafio está em ter metas comuns", conclui Roberta.