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Assim não dá! Recusar alunos repetentes

A prática, ilegal, é também um mecanismo de exclusão desses estudantes, que podem ficar estigmatizados

POR:
Karina Padial
Assim não dá! Recusar alunos repetentes. Olavo Costa

Quais os critérios de matrícula utilizados pela escola? Romualdo Portela de Oliveira, coordenador da pesquisa Análise das Desigualdades Intraescolares no Brasil, realizada para a Fundação Victor Civita (FVC), esperava encontrar respostas como "ordem de chegada", "distância da residência dos alunos" e "irmãos já estudando na unidade". Mas se surpreendeu. "Algumas escolas declararam que não aceitam repetentes nem os que cumprem medida socioeducativa", revela. O fato chamou a atenção dele. "Se essas instituições assumiram a prática sem nenhum constrangimento, é muito provável que ela já esteja naturalizada", completa.

Recorrente ou não, a atitude é ilegal. Recusar a matrícula de qualquer estudante infringe a Constituição Federal e outras normas, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que preveem igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola.

"No caso de alunos repetentes, quase sempre a negativa acontece de forma velada. Um exemplo: a escola deixa de avisar sobre a abertura de matrículas a um adolescente que está na lista de espera ou simplesmente nega a existência de vagas a estudantes transferidos ou expulsos de outra instituição", observa João Paulo Faustinoni e Silva, promotor de Justiça do Grupo Especial de Educação do Ministério Público de São Paulo (Geduc). Ao fazer isso, cria-se um mecanismo de exclusão que pode ter graves consequências.

O estudo Processos Velados de Seleção e Evitação de Alunos em Escolas Públicas, realizado pelo Centro de Estudos e Pesquisa em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), também aponta para a questão de a pessoa ficar estigmatizada, como se fosse indesejada no ambiente escolar. De acordo com o relatório, os estudantes mais expostos a essa prática irregular são justamente aqueles com as famílias menos escolarizadas, que muitas vezes não sabem nem se posicionar diante da negação do direito à Educação.

A recusa de matrícula de repetente geralmente tem dois motivos: o risco de baixo desempenho do aluno, que pode interferir nas notas das avaliações externas, e, principalmente, a preocupação com a indisciplina, muitas vezes considerada a causa de repetência e de problemas no ambiente escolar. "Em vez de utilizar um mecanismo tão condenável, a escola precisa encontrar formas de trabalhar com as dificuldades. As questões de indisciplina, por exemplo, devem ser alvo de projetos institucionais que trabalhem valores e que possam levar os estudantes a refletir sobre temas como cidadania, respeito, ética e solidariedade para mudar o comportamento", afirma Ana Teixeira, presidente do Conselho Estadual de Educação da Bahia (CEE/BA).

Para Maura Barbosa, consultora de GESTÃO ESCOLAR, é fundamental acolher os novos alunos que têm histórico de repetência, sem estigmatizá-los. Uma possibilidade é o coordenador pedagógico promover uma conversa com o estudante para procurar entender suas expectativas e dificuldades. Com base nessas informações, deve-se planejar junto com o professor atividades para que a criança ou o adolescente se sinta apoiado no processo de ensino e aprendizagem. "A equipe escolar precisa acompanhar bem de perto o período de adaptação e de desenvolvimento de atividades, sinalizando os avanços e determinando a necessidade de outras intervenções", afirma Maura.

Em escolas com um número grande de estudantes com defasagem idade-série, essa ação pode ser um projeto de correção de fluxo, que se valha de estratégias diferenciadas para garantir a aprendizagem. Isso é o que acontece, por exemplo, nas escolas de Morro do Chapéu, a 394 quilômetros de Salvador. Orientadas pela Secretaria de Educação, elas desenvolvem o Prossiga, que teve como base o trabalho desenvolvido pelo diretor Amarildo Reino de Lima, um dos vencedores do Prêmio Educador Nota 10, em 2009. A iniciativa é voltada aos alunos com dois anos ou mais de atraso em relação à série adequada. Eles formam turmas especiais para que, por meio de novas abordagens dos conteúdos e de oficinas, possam avançar. "Quando iniciamos, em 2013, o diagnóstico indicou que 45% dos matriculados na rede estavam aptos a participar do projeto. No final, esse número já tinha caído para 15%", afirma Eucilene Sousa Macêdo, coordenadora do Prossiga.

Garantir a matrícula é mais do que uma obrigação legal. É o primeiro passo para o desenvolvimento de um trabalho que foque nas necessidades de aprendizagem desses garotos e os ajude a superar os problemas causados pela repetência, sem segregação ou rótulos.