“Ai meu Deus! Como está tudo esquisito hoje! E ontem estava tudo tão normal. Será que mudei durante a noite? Deixe ver: eu era a mesma quando me levantei hoje de manhã? Estou quase jurando que me sentia um pouquinho diferente. Mas, se não sou a mesma, então que é que sou? Ah, aí que está o problema!”
Aventuras de Alice no País das Maravilhas*
Não existe uma fórmula mágica para descrever os adolescentes (assim como não há para outras faixas etárias), mas algo é comum aos jovens dessa idade: um estado de insegurança constante. Dele surge um turbilhão de dúvidas, questionamentos e inquietações muito bem retratado por Lewis Caroll (1832-1898) na citação acima. Ao perceber as mudanças corporais e psíquicas pelas quais está passando, Alice não se reconhece mais e se mostra angustiada com a grande questão que permeia muitos adolescentes: “Quem sou eu?” – ou, nas palavras da personagem, “Que é que sou?”
Trabalhar com estudantes dessa faixa etária pode ser desafiador para nós, adultos. Sua aparência, seu discurso, seu modo de agir trazem de volta um mundo esquecido por nós, obrigando-nos a relembrar assuntos adormecidos, perguntas que achamos já ter respondido, inconformidades sobre as quais não queremos mais refletir, indignações a que nos acostumamos. Mas deixar esses conflitos de lado não é uma opção para nossos alunos: eles são urgentes e necessários. Desta forma, a busca pela resposta “Quem sou eu?” é contínua. E nós na escola, como podemos ajudá-los?
Primeiro é preciso observá-los. Alguns sinais são típicos dessa fase, como cobrir o corpo e o rosto, exagerar no desodorante, fazer cortes de cabelo diferentes. Ao exibir esses sinais, com certeza uma quantidade sem fim de perguntas está na cabeça do aluno: “Como ser um bom aluno e não ser visto como nerd?”, “É possível ser diferente sem ser criticado?”, “Não tenho vontade de ficar com meninas, o que faço para meus amigos não me chamarem de gay?”.
Então, é preciso agir:
- Ajudando-os a viver os lutos pela perda do corpo infantil que os faz encobrir com tantos casacos e calças, não tirando sarro e nem os obrigando a participar de situações nas quais não se sintam à vontade;
- Ouvindo atentamente o turbilhão de questionamentos, tentando compreender seus sentimentos e emoções, em vez de simplesmente julgá-los;
- Fazendo perguntas para que reflitam sobre suas escolhas: “Será que fumar é a única forma de mostrar que você cresceu?”, “Estudar não pode ser uma forma de transgredir, já que não prestar atenção tem sido a normalidade?”;
- Ampliando o olhar para o que ainda não veem, mostrando pontos de vista diferentes de uma mesma situação. A um aluno que pratica bullying com um bom aluno, vale perguntar: “Como seu colega se sente quando tira boas notas? E como você se sentiria?”;
- Oferecendo opções quando parece não existir, fazendo intervenções do tipo: “Que tal conversar com seus pais sobre o uso da pílula?” e “Já pensou em pedir ajuda para estudar a algum amigo?”.
Essas pequenas ações de atentos educadores dão a nossos alunos a sensação de apoio nessa busca solitária por si mesmos, rumo à construção da identidade.
Você quer compartilhar mais alguma dica?
Boa semana, educador!
*Aventuras de Alice no País das Maravilhas & Através do espelho e o que Alice encontrou por lá (Lewis Carroll, 320 págs., Zahar, 21/2529-4750, 22,90 reais)