Na semana passada, falamos um pouco sobre os primeiros passos para construir boas relações na escola. Bom, para atingir esse objetivo, é necessário fazer um trabalho contínuo, que envolve diversas ações. Uma delas é o estabelecimento de combinados e regras de convivência.
Esse tema, aliás, parece estar na moda. O que é, ao mesmo tempo, positivo e negativo. Por um lado, trata-se de um assunto importantíssimo no processo de desenvolvimento dos estudantes e, portanto, merecedor de atenção. Por outro, a atenção dada ao tema faz com que surjam muitas interpretações equivocadas, em que os educadores acabam indo na direção oposta à construção de bons relacionamentos, ainda que tenham a boa intenção de estabelecer uma prática democrática – o que nós sabemos que não é suficiente.
O conhecimento teórico, oferecido pelos inúmeros pesquisadores que há tanto vêm contribuindo com nosso trabalho, é imprescindível para que avancemos com nossas práticas. No post de hoje, trabalharei com a perspectiva apresentada pelo psicólogo americano Elliot Turiel e pelas professoras brasileiras Telma Vinha e Luciene Tognetta (ao final do post, deixo indicações das obras que utilizei como referência).
Antes de começar a falar propriamente sobre a maneira de estabelecer combinados convencionais, acho importante diferenciá-los das regras morais. A primeira categoria diz respeito a acordos firmados entre cada professor e a turma para que as aulas funcionem melhor. Eles dependem dos conteúdos estudados, da disciplina e da faixa etária dos alunos. Nas aulas de Matemática, por exemplo, pode ser importante combinar como será feito o uso da calculadora, enquanto o professor de Língua Estrangeira combinaria o uso de português em sala. Esses combinados são uma convenção e, portanto, podem ser negociados. Já as regras morais não são — ou não deveriam ser — passíveis de negociação. Na semana que vem, falaremos mais sobre essa segunda categoria.
Combinados sob demanda
Bom, tendo clareza do que são as regras convencionais é necessário que as tornemos realmente significativas para nossos alunos. Isso acontece quando elas surgem a partir das necessidades do grupo e não quando iniciamos o ano discursando sobre o que a turma deve ou não fazer. As situações de conflito não podem ser antecipadas e prevenidas apenas apresentando rapidamente as regras da “minha aula” “para minha turma”. O engajamento da classe acontece à medida que a garotada se sente pertencente ao espaço de discussão. Somente quando percebem que são ouvidos, veem sentido em cumprir as regras e combinados do grupo.
O professor de Matemática que já citamos, por exemplo, só discutiria o uso da calculadora se notasse o uso inadequado do equipamento a ponto de interferir nas aprendizagens da turma. O docente apresentaria a questão à turma e as motivações pelas quais ele considera ou não problemática a presença do material em determinada atividade. Em seguida, ouviria as opiniões dos alunos para então listar com a turma as situações em que seria ou não permitido o uso da calculadora.
Também é importante que os alunos participem da elaboração das sanções caso o combinado seja descumprido (mais a frente, falaremos com mais detalhes sobre essas sanções). Como os combinados são uma espécie de “contrato social”, é importante que a ruptura deste seja sentida pelo grupo como um todo, abrindo espaço para boas reflexões e possíveis reparações.
É comum que os professores decidam expor essas regras em um quadro ou um cartaz. A minha opinião sobre isso é: se as etapas de elaboração coletivas foram cumpridas, por que não? Mas quanto menor for a lista, melhor! Ao fazer o registro, lembremos de que frases assertivas, positivas, surtem melhor efeito psicológico do que as negativas. Portanto, evitemos o “Não isso”, “Não aquilo” e usemos a forma afirmativa do que o grupo definiu como importante para o bom andamento das aulas.
Vale enfatizar, mais uma vez, que é necessário adequar essa estratégia de acordo com os conteúdos e a faixa etária dos alunos. Respeitando esse princípio, é possível trabalhar dessa maneira com todos os segmentos: da Educação Infantil ao Ensino Superior.
Antes de me despedir, deixo aqui as informações sobre os livros que eu considero como referência no assunto:
- The Development of Social Convention (Elliot Turiel, 252 págs., Cambridge University Press, cambridge.org, 57 dólares, sem tradução para o português)
- Quando a escola é democrática (Telma Vinha e Luciene Tognetta 144 págs., Mercado de Letras, mercado-de-letras.com.br, 38 reais)
Ficou com dúvidas? Tem sugestões? Aguardo seu comentário!
Cumprimentos mineiros e até a próxima segunda.