Sem dúvida nenhuma, a construção de uma relação entre a escola e a família é um dos desafios atuais quando o assunto é Educação. O que devemos fazer quando essas duas instituições possuem visões diferentes sobre quais são as regras e os limites que devem ser impostos aos jovens e crianças? Como se diz na minha terra: “êta perguntinha danada!”.
Antes de qualquer coisa, precisamos ter clareza sobre o papel que cada uma das instituições, família e escola, desempenha na formação dos alunos, e sobretudo compreender as transformações pelas quais elas vêm passando, para atuarmos de forma construtiva nesse contexto.
Segundo o filósofo espanhol contemporâneo Fernando Savater, a família é a primeira instituição responsável pela socialização das crianças. Ou seja: é dentro desse núcleo que são adquiridos os primeiros valores, costumes e ideias. Esses aspectos, entretanto, são particulares a cada família, e podem ser muito diferentes de uma para outra. Logo, o convívio com pais, irmãos e primos se torna o “alicerce” do sujeito, que necessariamente irá ampliar suas relações em outros meios sociais. É nesse contexto que será vivenciado o espaço privado, em que as relações são assimétricas. Afinal, os pais têm mais autoridade e poder que os filhos.
Na família as relações são estáveis, ou seja, a mãe não deixa de ser mãe embora o filho tenha se comportado mal, tenha desobedecido ou brigado com o irmão. Pensando no contexto da atualidade, é preciso considerar ainda as diferentes configurações familiares em que o papel do pai ou da mãe é desempenhado por outros adultos a quem são delegadas todas as responsabilidades. Além disso, houve uma sensível redução na quantidade de filhos, impedindo a criança de conviver com os pares antes de ingressar na escola e ampliando muito suas possibilidades de alcançar “todos os seus desejos”, sem se confrontar com a realidade das disputas por atenção, por lugar, por objetos…
Já na escola, a criança irá experimentar a igualdade e aprender a lidar com a diversidade característica do espaço público. A socialização secundária, que consiste no ensino dos conhecimentos e da aprendizagem dos valores sociais, é, portanto, uma responsabilidade dessa instituição. É lá que as crianças e os jovens têm a oportunidade de aprender a viver em uma sociedade democrática, ouvindo uns aos outros, administrando conflitos e pontos de vista, estabelecendo relações respeitosas e percebendo a necessidade das regras e valores para se viver bem. Em suma, a manutenção da qualidade das relações dependerá das atitudes de todos os envolvidos. Ao contrário da mãe que sempre será mãe, o colega ou o amigo podem escolher conviver (ou não) com aqueles que melhor se afinam e se sentem bem.
Essa diferença já é suficiente para a conclusão de que, na escola, nem sempre haverá espaço para que a criança faça somente o que quer ou o que está acostumada a fazer em sua casa. Esse encontro da criança com as frustrações inevitáveis ao convívio em grupo muitas vezes gera um tremendo mal estar para toda a família. Por outro lado, são extremamente necessárias e importantes para a construção psicológica. O que fazer então?
Não há fórmulas mágicas. O caminho seguro é compartilhar com a família o conhecimento que temos sobre o desenvolvimento do ser humano. Não se iludam: nada do que trouxemos até aqui acerca dos universos família/escola é de conhecimento dos pais e responsáveis. Se não desempenharmos nosso papel enquanto educadores, compartilhando nossos conhecimentos e, portanto, assumindo uma postura profissional, abrimos espaço para que qualquer um dê seus pitacos. No futebol, por exemplo, não é verdade que muita gente se acha mais capaz de coordenar um time do que os próprios técnicos? Na escola não é diferente: sempre surgem os “pais pedagogos”, apontando o que a escola deve ou não fazer…
Retomando a questão inicial, o que fazer quando escola e família pensam de maneira diferente sobre regras e limites? Concluímos que a solução pode não ser tão difícil assim.
No primeiro momento, devemos acolher as dúvidas, queixas e angústias, e compartilhar nosso conhecimento, buscando enfatizar a função da escola como instituição responsável pelo que é público. Em seguida, esclarecer os prejuízos e/ou benefícios gerados para as crianças, dependendo da qualidade de relação estabelecida entre a família e a escola.
Quando os argumentos que apresentamos aos pais se distanciam do senso comum, sendo fundamentados e embasados teoricamente, ocupamos nosso espaço e tranquilizamos aqueles que, por algum motivo, duvidaram da nossa competência como agentes também responsáveis pela formação das crianças e jovens.
É recorrer ao nosso conhecimento para, acima de tudo, construirmos laços de confiança e respeito mútuo.
Você concorda? Use e abuse do nosso espaço. Sua “voz” é muito bem vinda.
Cumprimentos mineiros e até a próxima segunda!