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Blog Aluno em Foco

Questões sobre orientação educacional, ética e relacionamentos na escola

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Escola: lugar de meninos e meninas? Não! Espaço de pessoas

Flávia Vivaldi fala sobre violência de gênero

POR:
Flávia Vivaldi

Certa vez, recebi em minha sala uma aluna de 6º ano recém-chegada de outra escola. Os professores me pediram informações da menina por não terem conseguido desenvolver nenhuma aproximação ou interação com ela. Depois de longos minutos de conversa acolhedora, perguntei por que ela teria saído da escola onde estudava desde a Educação Infantil. Ela respondeu: “Briguei com o professor de Educação Física e fui transferida”. Perguntei se gostaria de me contar a história, o que tinha acontecido… E aí ouvi o seguinte relato: “É que sempre tive a coxa gorda, sabe? Quando sento, tenho dificuldade de ficar com as pernas fechadas. Então, numa aula de Educação Física, sentada no chão com as pernas estendidas, sem que eu notasse, minhas pernas se separaram. Mesmo com professor falando ‘fecha as pernas!’, eu sem querer relaxava e elas abriam. Aí ele ficou nervoso e falou: ‘Tá parecendo uma putinha assim com as pernas abertas!’. Fiquei mais nervosa ainda e mandei ele para aquele lugar…”.

Chocante, não? E, claro, quando o caso chegou à direção pela versão do docente, a ênfase foi o desrespeito da aluna à autoridade do professor que só estava corrigindo sua postura. É evidente que a violência de gênero sofrida pela garota colocou em risco toda e qualquer possibilidade de ela confiar nos adultos daquela escola.

Mas o que é violência de gênero? Para iniciar nossa discussão de hoje, é necessário que tenhamos clareza de que sexo biológico e gênero não são sinônimos.

O sexo – feminino ou masculino – é de caráter biológico e, portanto, definido até mesmo antes do nascimento. Já o gênero diz respeito à maneira de ser, de agir e de pensar da mulher e do homem, fortemente influenciada pelas relações sociais, pela cultura e pelo momento histórico vigente. Portanto, o gênero é outra construção social (assim como o tema que tratamos na semana passada).

Antes mesmo de conhecer a existência da palavra pessoa, o bebê aprende com as primeiras palavras que existe uma “mamãe” e um “papai” e, em seguida, que existem “meninas” e “meninos”. Isso porque nossa cultura prioriza o sexo para diferenciar as pessoas. Nessa direção, com o ingresso na escola, tanto meninas quanto meninos já conhecem sua identidade sexual e, ainda que superficialmente, qual o seu papel correspondente. E a escola, de maneira eficaz, acaba por colaborar para que o significado de ser menina e de ser menino seja devidamente compreendido. Na maioria das vezes esse esclarecimento é feito por mensagens subliminares, ou seja, por mensagens das quais não se tem consciência, mas que apresentam a vantagem de não demandar nem reflexão, nem justificativa. Assim, desde os primeiros anos da Educação Infantil, há por parte dos educadores certa reprodução da ideologia que sustenta não só as diferenças entre o universo masculino e feminino, como também as regras que orientam posturas, atitudes, sentimentos e suas manifestações, como no caso da aluna em questão.

Na hora dos brinquedos, por exemplo, para os meninos são oferecidas as bolas e os carrinhos, e para as meninas, as bonecas e as panelinhas. Ou seja, para os meninos as oportunidades são de exploração espacial, desenvolvimento motor e contato social mais intenso, e para as meninas a reprodução do papel de mãe, zelosa e doméstica. Além dos brinquedos, também há nas ilustrações que acompanham as histórias a reprodução dessa ideologia que coloca os homens em maior interação com a dinâmica da vida do que as mulheres. Aliás, lembremos, por exemplo, da maneira como os livros descrevem a história da humanidade. Há, claramente, uma ideologia androcêntrica (centra na figura do homem)! A começar pela convenção de usar o termo “homem(ns)” ao se referir às pessoas em geral, à humanidade. Não só esse termo, mas todos os outros que adotam o gênero masculino para abranger a totalidade: alunos, pais, operários, trabalhadores etc. Tanto na ficção quanto na vida real, há uma prevalência em descrever os heróis com ênfase em sua coragem, suas lutas e seu poder de dominação. E, de maneira polarizada, a figura feminina é descrita por sua fragilidade e seu sentimentalismo. Em suma, nos estereótipos construídos ao longo da história, os homens são fortes, corajosos, agressivos, ousados e insensíveis. Já as mulheres são frágeis, recatadas e indefesas.

A violência de gêneros está por trás desses modelos e do fardo que se carrega em vivenciá-los, uma vez que não é dado ao homem o direito de expressar verdadeiramente seus sentimentos e, tampouco à mulher, o direito de ousar e dinamizar sua própria vida. Exagero? Claro que não! Mesmo com todos os avanços e conquistas sociais, as pesquisas comprovam, por exemplo, as diferenças salariais ainda presentes nos universos feminino e masculino. Percebam que a realidade do “macro” social é reforçada contínua e sistematicamente pela realidade do “micro” – no nosso caso específico, pela escola.

Não raro, ouvimos nas escolas frases como: “Menina senta de perna fechada”, “Meninos não choram”, “Fila dos meninos, fila das meninas”… O papel do coordenador/orientador é também o de analisar junto com os professores a qualidade do material didático, bem como das atividades propostas. Sugerir que, mesmo usando um material que reforce os estereótipos, os professores devem promover debates que possibilitem uma visão crítica dos papéis sociais desenvolvidos pelos homens e pelas mulheres. Devemos abrir espaços para que as diferenças de sexo necessariamente não impliquem as de gênero. Ou seja: tanto os homens choram, têm medos e inseguranças, quanto as mulheres são ativas, determinadas e corajosas. Podemos buscar, na realidade dos próprios alunos, exemplos concretos que inspirem uma transformação real nesse modelo de comportamento masculino e feminino prescrito pela sociedade.

Nossa postura, nossa linguagem e nossas ações refletem todo o sistema de pensamento coletivo e, consequentemente, transmitem modos de pensar, sentir e atuar na sociedade. Sem dúvida há na docência o predomínio do sexo feminino. Pois, então, educadoras, pensemos em estratégias que superem de fato a discriminação, o preconceito e a violência de gêneros, construindo junto aos nossos alunos a liberdade de simplesmente ser humano!

Você já vivenciou situações em que houve uma violação de direitos em decorrência do gênero? Compartilhe conosco. Use seu espaço.

Cumprimentos mineiros e até a próxima segunda!