“Sai, aqui é MEU lugar”, “Dá pra mim, isso é MEU”, “Não, você não vai brincar.” Frases como essas, acompanhadas de mordidas, empurrões, pontapés, fugas e birras parecem familiares para você? São ou não são algumas das maneiras utilizadas pelos pequenos da Educação Infantil na resolução de conflitos?
Apesar de às vezes os mais velhos também agirem dessa maneira, esse comportamento é coerente com o estágio de desenvolvimento em que as crianças mais novas se encontram. Em suas pesquisas, o americano Robert Selman* apresenta uma teoria explicativa sobre a evolução das estratégias de resolução de conflitos nas crianças. Segundo ele, o desenvolvimento do pensamento moral só se dá quando ocorre a adoção da perspectiva do outro. Isso quer dizer que é importante o desenvolvimento da capacidade de diferenciar e integrar os próprios pontos de vista e os do outro. Isso envolve entender a relação entre pensamentos, sentimentos e desejos – do outro e de si.
Essa habilidade é justamente uma das que ainda não está plenamente desenvolvida até os 5 ou 6 anos de idade, quando eles se utilizam das chamadas estratégias de nível zero. Ainda com acentuado grau de egocentrismo, a criança sempre age na tentativa de satisfazer os próprios desejos. Portanto, para as crianças pequenas, o conflito é visto não como uma discordância de perspectivas, mas uma situação em que a vontade do outro se torna um obstáculo para que ela faça o que deseja. Essas estratégias se dividem em dois tipos: não-interação (fugir, afastar, esconder) ou intervenção física direta (lutar, agarrar, gritar, agredir).
Quando são um pouco mais velhas, entre 5 e 9 anos de idade, elas já possuem um novo nível de compreensão. Essas crianças veem o conflito como um sentimento ruim despertado em uma das partes (a vítima) e causado pela outra (o culpado). Os atos que convergem com os sentimentos da vítima são considerados justos e quando alguém não faz o que ela quer essa pessoa está sendo injusta.
Utilizam, então, as estratégias de nível um, que envolvem tentativas de reduzir o desconforto sofrido pela vítima. São elas: a negação da ação problemática, reprovando os sentimentos do ofendido, e uma ação positiva para devolver a calma a ele. No primeiro caso, usam comandos ou ordens como: “Para de chorar” e “Sai daqui”. No segundo, estão os famosos pedidos de desculpas, dizer que foi sem querer e prometer não fazer de novo. Também é muito comum que elas envolvam ameaças ou subornos de poder ou afeição do tipo: “Eu não serei mais seu amigo”, “Eu só vou gostar de você, se…”, “Se você jogar futebol comigo, eu te dou meu chocolate”.
Como podemos intervir para favorecer a evolução nos níveis de estratégias?
Primeiro devemos entender que o desenvolvimento não pula etapas. Portanto, é necessário ter consciência de que a evolução se dá do nível zero para o um e assim sucessivamente.
Isso quer dizer que, para as crianças menores, devemos intervir ajudando-as a usar as palavras para mostrar o que querem ou o que estão sentindo (apresentando demandas). Intervir auxiliando-as a identificar o desejo do outro, favorecendo a compreensão de que uma demanda (palavras) é melhor do que o ato de agarrar ou bater (a força física).
A intervenção do professor acontece na hora do conflito, mas também deve estar presente de maneira indireta em outras atividades. Como? Utilizando, por exemplo, das dramatizações, dos fantoches e bonecos para recriar cenas de conflitos vividas pelas crianças. Esses são momentos oportunos para permitir que os pequenos assumam outros papéis, criando a oportunidade para que eles percebam além dos próprios sentimentos. Se o objetivo é sempre promover espaços para reflexão sobre maneiras cada vez mais justas de resolver seus conflitos, podemos usar os bonecos e os personagens das histórias para inspirar novas e melhores estratégias. É importante saber também que o fato de um sujeito atingir o nível superior não significa que atuará somente nesse nível. Os anteriores são acessíveis, ou seja, uma pessoa pode estar num nível de entendimento pessoal mais elevado, porém em algumas situações agir de maneira menos desenvolvida, correspondente aos níveis iniciais. Nós adultos muitas vezes nos negamos a enfrentar um conflito de maneira assertiva e optamos pelo silêncio, pela cara emburrada, ou, pelo famoso bico (estratégias também de nível zero).
Conhecer esse desenvolvimento permite ao professor observar, nas situações em que as crianças interagem umas com as outras, os níveis de entendimento interpessoal, tendo assim mais condições de realizar intervenções construtivas.
Como são os conflitos de seus alunos? Quais as estratégias que eles usam para resolvê-los? E você, como faz a intervenção? Compartilhe conosco.
Cumprimentos mineiros e até a próxima segunda!
(*) SELMAN, R. L. The growth of interpersonal understanding. New York: Academic, 1980.